Colleen Hoover (ao centro, de vestido florido) durante evento sobre adaptação cinematográfica do seu livro Se Não Fosse Você Foto: Sam Hodde/Getty Images
Colleen Hoover e o prazer da leitura
A autora de best-sellers nos Estados Unidos e no Brasil dá um tapa na cara do cânone literário
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Enquanto estou aqui sentada, com um pé em cada lado do parapeito, observando as ruas de Boston doze andares abaixo, pensar em suicídio é inevitável.
Não no meu. Gosto o suficiente de minha vida para querer vivê-la.
Estou pensando em outras pessoas e em como decidem simplesmente acabar com a própria vida. Será que elas se arrependem em algum momento? No instante depois de se jogar, e no segundo antes do impacto deve haver algum remorso durante aquela breve queda livre. Será que veem o chão se aproximando depressa e pensam: Ah, que droga. Que ideia péssima!
Dessa maneira começa É assim que acaba, o romance mais pessoal e significativo de Colleen Hoover, escritora americana de 45 anos, o grande fenômeno literário deste primeiro quarto de século.
A protagonista, que mora num prédio de apartamentos baixo, localiza pelo Google um edifício de dez andares próximo ao seu e sobe até a cobertura aberta. Ela quer experimentar a vertigem das alturas depois de enfrentar o episódio traumático da cerimônia fúnebre de seu pai: mas ficou totalmente muda, porque o falecido batia na sua mãe.
De repente, entra na cobertura um homem chutando uma cadeira que, na “tentativa de administrar ainda mais a raiva, acende um baseado”. Ele percebe que não está sozinho e que há uma mulher desafiando a altura, no parapeito do local. Ele pergunta o nome dela, e insiste para que desça dali. Lily se recusa – e também não quer dar um tapinha no baseado. O homem é neurocirurgião e se chama Ryle Kincaid, um nome sonoro, ao contrário do dela: “Parece de uma menina de 2 anos, não de uma mulher de 23: Lily Bloom”, escreve Hoover.
Em inglês Lily é lírio e Bloom, florescer. Bloom é o sobrenome do pai. O da mãe é Blossom, desabrochar. Depois de Bloom e Blossom unirem seus destinos, só poderiam dar à filha o nome de uma flor. Mas o casamento não foi um mar de rosas: o marido passou a cultivar surras sistemáticas na mulher. Vou entregar alguns spoilers, mas é necessário, e o filme É assim que acaba (2024) veio simplificar em 123 minutos a leitura de 366 páginas. Uma prova de outro mérito de Colleen Hoover: ela consegue agarrar o leitor mesmo que ele já conheça o enredo.
Lily confidencia para Ryle: “O primeiro cara com quem transei era um mendigo.” Na verdade, era um rapaz que rompeu com a família e se refugiou numa casa abandonada, vizinha à de Lily. Compadecida, ela lhe dava roupas e comida. Ryle fornece uma pista: “Vi um garotinho morrer esta noite. Só tinha 5 anos. Ele e o irmão mais novo encontraram uma arma no quarto dos pais. Enquanto o mais novo a segurava, o revólver disparou por acidente. É algo que vai destruir a vida do mais novo também.”
A conversa na cobertura prospera. Tanto que Lily e Ryle acabam se casando. Mas ela passa a sofrer ataques físicos do marido, disfarçados de “acidentes” e, finalmente, é vítima da violência explícita e brutal de um estupro. E é assim que acaba o casamento. Lily, porém, está grávida e dá à luz uma menina, que batiza com nome de menino, Emerson, o irmão de 7 anos que Ryle, aos 6 anos, matou com um tiro – o acidente que destruiu sua vida. Mesmo separados, o ciumento Ryle usa a bebê para continuar rondando Lily. O “mendigo”, Atlas – um nome de peso –, reaparece como dono do melhor restaurante de Boston, e os dois se reencontram quando Lily é premiada como dona da melhor floricultura da cidade.
Em 2022, por pressão dos leitores, Colleen Hoover publicou a sequência da história, É assim que começa, com 334 páginas. Justificou-se numa nota ao leitor: “Quando É assim que acaba virou febre no TikTok, recebi uma enxurrada de pedidos por mais Lily e Atlas. E como eu poderia dizer não a uma comunidade que mudou a minha vida?” A alegria do reencontro, porém, é ameaçada, porque Ryle continua presente na vida de Lily – e Atlas é o último homem com quem o ex-marido gostaria de vê-la se casar.
Nada indicava que Colleen Hoover, aquela jovem da classe rural de uma cidadezinha texana, seria apontada em 2023 pela revista Time como uma das dez pessoas mais influentes do mundo. Margaret Colleen Fennell nasceu em Sulphur Springs (16 mil habitantes) em 11 de dezembro de 1979, mas foi criada na vizinha Saltillo, ainda menor, com menos de 1 mil habitantes. Sua primeira lembrança é de quando tinha 2 anos: acordou no meio da noite e viu seu pai arremessar, aos berros, um aparelho de televisão sobre a mãe e jogá-la ao chão. O casal se divorciou pouco depois. A jovem veio a saber depois que o pai – que morreu quando Hoover tinha 25 anos – praticava violência doméstica regularmente contra sua mãe.
Quando Colleen Hoover tinha 4 anos, a mãe se casou de novo. O dinheiro era curto. Seu padrasto tinha uma pequena fazenda de laticínios com cinquenta vacas, ela e a irmã mais velha, Lin, ajudavam no trabalho de manhã cedinho, antes de irem para a escola. Aos 16 anos, Colleen encontrou o homem de sua vida, Heath Hoover, casou com ele aos 20 anos e teve três filhos. Em 2011, o caçula foi escolhido para atuar numa peça de teatro. Nas horas de espera dos ensaios, ela via no celular os concursos de poesia do YouTube. Teve então a ideia de fazer um romance sobre uma adolescente solitária que descobre a poesia slam, daí o título Slammed, que se chamou Métrica no Brasil.
O gosto pela escrita surgiu muito cedo. “Lembro quando minha irmã mais velha começou no jardim da infância”, comentou ela nas redes sociais. “Senti tanta inveja, ela sabia ler e escrever, e eu não. Jurei que aos 4 anos eu escreveria e seria muito boa nisso. Aos 5 anos escrevi minha primeira história, Mystery Bob. Desde então, adoro escrever.” Já imaginaram quanto valeria aquele Bob mistério publicado hoje?
Hoover compartilhou os capítulos do seu primeiro livro com a família e amigos. Sua chefe no centro de nutrição em que atuava como assistente social, Stephanie Cohen, gostou tanto da história que assumiu parte do trabalho de Hoover para que ela pudesse escrever também durante o dia. Cohen é hoje a coordenadora dos negócios editoriais de Hoover e uma prova da capacidade da escritora de aglutinar pessoas amigas ao redor do seu trabalho e de sua vida.
Em janeiro de 2012, Hoover teve o livro aceito pela plataforma de autopublicação da Amazon. Corre a lenda familiar que a sua única motivação ao escrever o primeiro romance foi dar à avó e à mãe algo para ler no Kindle que ganhara das netas. Hoover recebia nove dólares por hora, trabalhava onze horas por dia como assistente social e morava num trailer com o marido, um caminhoneiro de longos percursos, criando sozinha os três filhos. Exultou ao receber 30 dólares de direitos autorais. Dava para pagar a conta d’água.
Quase dois meses depois, publicou uma sequência, Point of retreat (Pausa). Uma blogueira influente nas redes sociais deu cinco estrelas para Slammed, e já em agosto daquele ano os dois romances, publicados pela editora Atria, chegavam à lista dos mais vendidos do New York Times, respectivamente em 8º e 18º. Foi o que bastou para Hoover largar o emprego de assistente social e se dedicar em tempo integral à escrita. Uma de suas seguidoras a chamou de autora indie, jargão do meio musical para produção independente.
Em 2016, Hoover publicou seu livro It ends with us (É assim que acaba) – “de todos o livro mais difícil que escrevi”, ela disse. Colocava o dedo numa velha ferida: a violência doméstica do pai contra a mãe, que ela presenciou na infância. A dedicatória do livro se refere a isso: “Para meu pai, por fazer o que pôde para não mostrar o pior de si. E para minha mãe, por garantir que nunca víssemos o pior dele.” Em uma nota no final do livro, ela escreve: “Quando finalmente chegou minha hora de casar, a coisa mais difícil que já fiz na vida foi contar a meu pai biológico que ele não entraria na igreja comigo, pois eu pediria para meu padrasto fazer isso.”
Em 2019 o livro já tinha vendido mais de 1 milhão de cópias com tradução em vinte línguas. Um empurrão do TikTok em 2021 colocou É assim que acaba, em janeiro de 2022, em primeiro lugar na lista do New York Times. As fãs da estrela do rock Taylor Swift são chamadas Swifties. As de Colleen Hoover se chamam as CoHos, às vezes CoHorts, “coortes” em português. A escritora é capaz de embarcar em maratonas de autógrafos, ficando às vezes cinco horas seguidas sentada em salas superlotadas caprichando nas dedicatórias personalizadas para suas CoHos. É assim que acaba voltou às manchetes e aos noticiários no final de 2024, quando a atriz principal do filme homônimo, Blake Lively, acusou o diretor e ator principal, Justin Baldoni, de assédio durante as filmagens. Baldoni reagiu abrindo processo de difamação contra Lively.
Fama e fortuna não afetaram muito a vida de Colleen Hoover. Ela agora mora no rancho da família, transformado numa bela casa de fazenda com todo o conforto moderno. Escaninhos especiais na sala de estar guardam sua coleção de cristais e pedras preciosas. No escritório, uma porta disfarçada como estante abre para um escritório menor onde ela pode se isolar para escrever em paz. Ela circula livremente pela cidadezinha, onde conhece todo mundo, conversa com velhas amigas e faz as compras no mercado local com roupas caseiras. Sua mãe mora perto, e elas se encontram todo dia, unidas por um afeto profundo, nascido do drama familiar.
Os livros de Hoover têm merecido a atenção de críticos mais sérios. A inglesa Zoe Williams, do jornal britânico The Guardian, disse o seguinte: “Um romance típico de Hoover gira em torno de imperativos do amor romântico com impedimentos distintamente do século XXI, dois jovens de 20 e poucos anos separados não por seus pais ou pela sociedade, classe ou dinheiro, mas por sua própria ineficácia. Estão ocupados demais, ou machucados demais, ou vazios, ou anestesiados para o amor; querem apenas sexo sem compromisso. Mas o comprometimento acaba surgindo e os apanha numa armadilha óbvia, mas sólida.”
Já Alexandra Alter, no New York Times, descreveu a autora desta forma: “A maioria dos autores de best-sellers chega ao sucesso por meio de uma série popular, como Crepúsculo ou a série Harry Potter, ou constrói um estilo próprio num determinado gênero. Hoover é eclética. Ela escreveu histórias românticas, um thriller psicológico empolgante, uma história de fantasmas, romances aterradores sobre violência doméstica, abuso de drogas, moradores de rua e pobreza. Embora seja difícil categorizar seus livros, a maioria deles tem uma combinação irresistível de sexo, drama e mirabolantes reviravoltas de enredo.”
Outro mérito de Hoover é vender livros com títulos abstratos, com locuções verbais ou adverbiais. Ao invés de imagens atraentes como A maçã no escuro, As pontes de Madison ou Um estranho no ninho, ela ataca com senhas catalogais como Slammed 1, 2 e 3, Hopeless 1, 2 e 3, Nunca jamais, Confesse e Talvez um dia. Já os círculos mais tradicionais, cães de guarda do cânone literário, simplesmente ignoram Colleen Hoover. Não por esnobismo: distanciados em sua torre de marfim, não conseguem enxergar o que está acontecendo no mundo.
A presidente do Grupo Record, Sônia Machado Jardim, contou como Colleen Hoover caiu nos braços da editora: “Em 2012, nossa editora de ficção estrangeira demonstrou interesse na série Slammed. Contatou direto a Simon and Schuster e os livros ainda estavam disponíveis. Fizemos um preempt, oferta que tira o livro dos leilões.” A partir daí, foram 25 romances traduzidos ao longo de onze anos (a obra integral de Colleen Hoover), com a vendagem total de mais de 6,5 milhões de cópias no Brasil – um terço das quais coube a É assim que acaba (lançado aqui em 2018), É assim que começa (2022) e Verity (2020). O próximo será Mulher em Queda, lançado pela Galera Record em 13 de janeiro de 2026. A obra é um thriller psicológico descrito como viciante e com muitas reviravoltas, e terá lançamento simultâneo com o lançamento mundial.
Todas as traduções foram feitas por mulheres e, das 25 publicações, Priscila Catão assina dezessete. Ela nasceu no Recife, mas está radicada há muito tempo no Rio de Janeiro. O seu conhecimento de línguas quase levou Catão à carreira diplomática, mas a paixão pelos livros fez dela uma tradutora literária. Aos 40 anos, com quinze de carreira, prepara-se para iniciar sua centésima tradução. Ela me explicou que é mera coincidência a tradução do É assim que acaba com o final do poema de T.S. Eliot Os homens ocos: “É assim que o mundo acaba/Sem um estrondo, num gemido” (na tradução de Caetano W. Galindo).
As vendagens fabulosas de Colleen Hoover trouxeram uma merecida bonança para a Record, uma das raras editoras brasileiras que nunca se abriram para o capital estrangeiro. A empresa familiar fundada por Alfredo Machado em 1940 ampliou seu leque absorvendo editoras tradicionais como José Olympio, Civilização Brasileira, Bertrand Brasil, Best Seller, Rosa dos Tempos e outras. Entre seus autores estão ganhadores do Prêmio Nobel, além de brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino e Ana Maria Gonçalves. Todos os livros de Hoover foram lançados pelo selo Galera, criado em 2007 com alvo no público jovem-adulto, como é classificado.
Conforme reportagem de Eduardo F. Filho, publicada no jornal O Globo em outubro do ano passado, o Google Trends identificou que o gênero dark romance, do qual Colleen Hoover é expoente, teve um crescimento notável. A Amazon revelou que os dez autores mais lidos no Brasil na última década são mulheres, e – excetuando a décima, J.K. Rowling, da série Harry Potter – todas são romancistas dark. O gênero explora relacionamentos complicados de pessoas marcadas por traumas ou patologias.
A brasileira Nàna Páuvoli, de 51 anos, ocupa o quinto lugar na lista da Amazon e já publicou mais de sessenta livros. “Tenho uma escrita arrojada, que não gosta de ser contida. Amo mexer com as emoções”, escreveu ela. “É como a vida, um carrossel de momentos bons e ruins, de pessoas boas que cometem erros, de pessoas más que se apaixonam, de conflitos, ideias divergentes, fetiches e condutas nem sempre corretas.”
Há quem afirme que esse tipo de narrativa ajuda a exorcizar fantasmas pessoais. “Ler sobre personagens que enfrentam e superam traumas pode ser terapêutico”, diz o editor Tiago Toy, da editora Cabana Vermelha, que costuma publicar livros com histórias fantásticas e de terror. A psicanalista Fabiana Guntovitch, autora de Chega de brigas: pequeno manual para viver em paz, concorda. “Essas histórias tendem a desafiar os leitores a confrontar temas difíceis e, ao mesmo tempo, explorar a profundidade das emoções humanas”, escreveu ela. Mas há o outro lado. Muitos desses livros trazem, já na abertura, a advertência de que o conteúdo a seguir é sombrio, com situações de gatilho como CNC (consentimento não consensual), violência, abuso, bondage, humilhação, tráfico de pessoas, perseguição, tráfico infantil e situações sexuais explícitas. Não demora e daqui a pouco teremos livros tarja preta, vendidos apenas com a receita de um psicanalista.
Collen Hoover já foi criticada por seus enredos carregados de violência doméstica, abuso sexual e outros temas melindrosos não resolvidos satisfatoriamente em sua escrita. E, até entre seus leais tiktokers, rolam acalorados debates sobre se sua literatura não estaria maculada pelo que chamam de “pornotrauma”. Numa entrevista recente à Lone Star Literary, Colleen disse: “Há um monte de autores escrevendo para impressionar editores, ou outros escritores, o que os leva ao auge dos esforços para usar um vocabulário rico e a cinzelar uma peça literária elaborada. Não é assim que escrevo. Eu quero que meus leitores devorem meus livros de uma sentada, porque a história e o diálogo são arrebatadores e não dá para largar o livro. Não tento escrever livros pesados que eduquem, informem e impressionem. Minha única meta é divertir e, felizmente, é o que estou fazendo.”
Para a alegria da ávida massa de fãs, um novo volume de Colleen Hoover chegou às livrarias brasileiras em maio, com o título maroto de Talvez não, acompanhado do relançamento dos outros dois títulos da série, Talvez um dia e Talvez agora. Fiz uma verdadeira imersão no mundo da escritora nesses últimos cinco meses. Numa série de longas esperas num consultório dentário, comecei a ler Verity, o terceiro vértice do triângulo dourado de Hoover. Fiquei impressionado com sua força narrativa. Transcrevo o começo do livro:
Ouço o barulho do crânio se quebrando antes mesmo de o sangue respingar em mim.
Eu me assusto e dou um passo para trás, para a calçada. O salto de um dos meus sapatos fica preso no meio-fio e preciso me segurar na placa de PROIBIDO ESTACIONAR para não cair.
O homem estava na minha frente havia poucos segundos. Estávamos no meio da multidão esperando o sinal abrir quando ele resolveu atravessar antes da hora e acabou atingido por um caminhão. Eu tentei segurá-lo, mas só consegui agarrar o ar enquanto ele era atropelado. Fechei os olhos antes que o pneu do caminhão passasse por cima da cabeça dele, mas a vi estourar como se fosse uma rolha saindo de uma garrafa de champanhe.
A protagonista é a ghost-writer endividada Lowen Ashleigh, a caminho da agência que vai contratá-la para terminar a série de sucesso da autora Verity Crawford, paralisada depois de um grave acidente de automóvel. Ashley instala-se por alguns dias na casa de Verity para pesquisar seus arquivos, à procura de pistas sobre a sequência dos novos volumes. O marido da escritora, Jeremy Crawford, recebe Ashley cordialmente, embora abatido pela tragédia da perda das duas filhas, além do desastre da mulher. Depois de vasculhar uma caótica montanha de papéis, Ashley encontra um manuscrito inesperado, um relato íntimo de Verity que faz revelações aterradoras sobre as mortes suspeitas das filhas. Colleen Hoover junta na sua narrativa as emoções do thriller psicológico moderno com a atmosfera do terror gótico vitoriano. (Já associaram seu livro com Os papéis de Aspern, um clássico de Henry James). Levanta-se até a suposição de que Verity estaria fingindo a sua paralisia. O título da personagem já expõe o tema do livro, de fato: veritas, verdade em latim.
Verity vai virar filme, pela Amazon MGM, com direção de Michael Showalter e um elenco estelar: Anne Hathaway (Verity), Dakota Johnson (a ghost-writer) e Josh Hartnett (Jeremy). Também irão para as telas Se não fosse você e Uma segunda chance. Filmes, grandes vendagens, assédio de fãs, nada disso parece abalar Colleen Hoover: “Sou muito agradecida por tudo o que está acontecendo com minha carreira. É também assustador! Assim como nunca imaginei que me tornaria uma autora de best-sellers, não imagino que isso vá durar para sempre. E, se pode acabar amanhã, quero aproveitar enquanto é tempo…”
Vejo dois fenômenos importantes em tudo isso. A supremacia esmagadora das mulheres na literatura atual. Nas últimas provas do Enem, aumentou o índice de nota 1 000 em redação, a maioria delas assinadas por mulheres. No universo editorial mundo afora elas predominam, não só como escritoras, mas editoras, diagramadoras, críticas, jornalistas e principalmente leitoras. Hoover já disse, referindo-se ao papel que a comunidade literária do TikTok teve no seu sucesso: “Não se trata de mim. As leitoras é que controlam o que está vendendo agora.” E tem mais: as mulheres não exercem apenas uma supremacia quantitativa, mas principalmente qualitativa. Miranda July, que lançou no ano passado De quatro, seu “romance estrogênico”, acertou na mosca: “Estamos escrevendo mais do que em qualquer outra época e não de forma parecida com os homens.”
O segundo fenômeno é que nunca fomos oprimidos por governantes tão feios – física e moralmente –, tão medíocres e cruéis, galgando o poder sobre os cadáveres de milhões de inocentes, em sua maioria idosos, mulheres e crianças. Nesse quadro sinistro, agravado por uma crise climática que dificilmente conseguiremos reverter, parece que as discussões em torno dos méritos literários de Colleen Hoover são totalmente irrelevantes. Na verdade, ela resgatou o livro e trouxe a milhões de jovens o prazer da leitura. Em vista disso, valeria propor a instituição do LilyBloomsday, contraponto feminino ao Bloosmday, dia em que se homenageia o herói do Ulysses, de James Joyce.
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