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questões cinematográficas

Comentários sobre o cinema – 2

Ao completar 250 posts publicados neste blog desde 2009, peço a indulgência de eventuais leitores para mais alguns excertos de Clément Rosset incluídos em Propos sur le cinéma [Comentários sobre o cinema], sem edição em português. Tentarei retomar questões cinematográficas mais candentes a partir do próximo post.

Eduardo Escorel | 26 abr 2012_11h31
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Ao completar 250 posts publicados neste blog desde 2009, peço a indulgência de eventuais leitores para mais alguns excertos de Clément Rosset incluídos em [Comentários sobre o cinema], sem edição em português.

Tentarei retomar questões cinematográficas mais candentes a partir do próximo post.

Meu gosto pelo cinema burlesco americano diz respeito essencialmente a filmes considerados arcaicos: os filmes de Mack Sennet, de Harry Langdon, de Max Linder. Esses filmes destilam uma comicidade em estado puro, destituída de qualquer mensagem e sem fazer pensar em nada, que desencadeia o riso de maneira automática e quase física. Vêm a seguir os filmes de Buster Keaton, com algumas reservas, e os filmes de Charlie Chaplin, com reservas ainda maiores. Os que vêm depois, no cinema americano, não me interessam e não me alegram nada (salvo os filmes de W.C.Fields). Sou completamente impermeável ao cômico dos filmes dos Irmãos Marx ou de Laurel e Hardy, por que os filmes deles me parecem afirmar (mesmo por oposição) um sentido que os filmes que os precedem tinham justamente feito eliminar. Há por exemplo um filme de Laurel e Hardy [‘Battle of the Century’, de 1927] que todo mundo elogia […] e que acho, de meu lado, aborrecido por causa do seu peso demonstrativo. […] A história é contrária ao espírito burlesco: em vez de sugerir um ‘nonsense’ [falta de sentido] fundamental, ela mostra um sentido e dá uma lição sobre o que é a estupidez das guerras e a agressividade humana. Lição, a meu ver, otimista, superficial e imbecil, no sentido originário do termo (‘imbecillus: fraco), semelhante às dadas infelizmente por Chaplin no final de O Grande Ditador ou Giraudoux na sua peça A Guerra de Tróia não ocorrerá. A maior parte das pessoas ficam indignadas com os maus mas se satisfazem com explicações simplistas que lhes são dadas cotidianamente para digerir.

Não suporto filmes que recendem otimismo, nem os que recendem indignação e revolta: convencido que os primeiros proveem de uma credulidade beata e, se não criminosa em si mesma, ao menos encontrada na raíz de muitos crimes de massa; os segundos, vêm em grande medida do ódio e do ressentimento. Entre os dois, a margem é estreita. É, no entanto, por essa porta estreita, para retomar um título de Gide, que passaram quase todas as obras que a posteridade reconhece como geniais. Tenho o sentimento de meu lado – e é aqui que faço uma confidência – de ter sempre evoluído em águas pouco frequentadas, sendo alheio a toda noção de bem ou de mal, não me considerando nem gentil, nem mau (para retomar dessa vez um título de Diderot, o qual me parece deve ser classificado na categoria dos ‘gentis’). Não sei se está aí minha felicidade ou minha desgraça, mas é certamente uma das razões da minha solidão (intelectual), ou daquilo que sinto como solidão. Sempre me surpreendi, e fiquei perturbando, que houvesse mais de uma centena de pessoas que comprassem meus livros e tivessem prazer em lê-los. Isso é provavelmente efeito da timidez mas também da vaidade, consistindo em supor confusamente que ninguém saberia pensar como eu penso.

Monsieur Verdoux [1947] é, a meu ver, a obra-prima de Charlie Chaplin. É também, pelo cinismo e misoginia que tem livre curso, um filme inteiramente inesperado de parte do seu autor, cujos filmes mais admiráveis são frequentemente estragados por um moralismo repugnante e um sentimentalismo convencional. Nada parecido em Monsieur Verdoux, salvo algumas considerações humanitárias no fim do filme, onde triunfa um imoralismo rigoroso que no entanto preserva todos os segredos do burlesco próprio a Chaplin. Um pessimismo estrito reencontra aí seus direitos, como assinala de fato a presença do Mundo como vontade e como representação, de Schopenhauer, na mesa à qual Verdoux recebe essa ‘jovem tola’ com a finalidade de testar nela sua técnica de envenenamento. […] O gosto de Chaplin por Schopenhauer explica sem dúvida a inacreditável misoginia de Monsieur Verdoux, misoginia que deixa muito para trás a de Landru [1963], de Claude Chabrol, que é inspirado no mesmo tema: a diferença entre gênio e talento.[…] Quanto ao cinismo de Monsieur Verdoux, ele sugere que o moralismo da maioria dos longa metragens de Chaplin talvez seja mais superficial que tenderíamos a considerar.

O cinema possui efetivamente um poder lacrimogêneo de eficácia imediata e irresistível; poder que não têm as outras formas de arte. Aí ainda, a razão desse poder me parece ter a ver com a excepcional proximidade do cinema da vida real. De minha parte, sou muito vulnerável e derramei lágrimas abundantes em certos episódios de filmes sobre os quais acontecia, ao sair da sala, concluir que eram completamente idiotas.

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