Como é a vida no município brasileiro onde a população mais cresceu

A comerciante Camila Borges, de 40 anos, nasceu em Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia, antes mesmo que o lugar fosse oficialmente um município. “Isso aqui era um deserto”, conta. Trinta e quatro anos depois de virar cidade, Senador Canedo vive sua explosão populacional. Segundo o Censo 2022, cujos dados  iniciais foram divulgados nesta quarta (28), lá foi registrado o maior crescimento populacional do país, considerando cidades com mais de 100 mil habitantes. Em 2010, havia 84,4 mil moradores no município. No ano passado, eram 155,6 mil – um aumento de 84%. Borges acompanhou esse crescimento: “De uns vinte anos para cá que a cidade deu uma evoluída muito grande, depois que o polo industrial veio para a região.”

O município é a sede do maior polo petroquímico da Região Centro-Oeste, instalado em 1998, quando a Transpetro, subsidiária da Petrobras, se instalou por lá. A chegada do polo atraiu trabalhadores e suas famílias, e o setor de serviços também cresceu. Além do polo petroquímico, também se multiplicaram empresas dos ramos alimentício, confecção, marcenaria e cosmético. Segundo o IBGE, Senador Canedo é uma das dez cidades que mais contribuem para o PIB de Goiás. Tem em torno de 130 bairros e nove distritos industriais.

Senador Canedo também ocupa a 14ª posição no ranking de municípios com maior crescimento no número de domicílios. Em 2010, havia 27,8 mil domicílios recenseados. Em 2022, aumentou 116%, totalizando 59,9 mil imóveis. O município está na contramão do Brasil, que viu o crescimento populacional desacelerar. Os dados divulgados pelo IBGE mostram que o país teve o menor crescimento populacional desde o primeiro Censo, em 1872: de 2010 a 2022, a taxa média de crescimento anual da população foi de apenas 0,52%. O Centro-Oeste teve o maior crescimento populacional entre as regiões brasileiras. A taxa média anual foi de 1,23% ao ano, mais do que o dobro da média do país. Realizado com atraso, por causa da pandemia e pelos cortes orçamentários durante o governo Bolsonaro, o Censo 2022 contou 203,1 milhões de brasileiros – 6,5% a mais que em 2010.

Por volta das décadas de 1930 e 1940, a região onde hoje está localizada Senador Canedo tinha apenas grandes fazendas e lavouras de cultivo. O desenvolvimento do município está relacionado à construção da estrada de ferro da Rede Ferroviária Federal na década de 1950. Nessa época, houve a migração das primeiras famílias de trabalhadores, vindas de Minas Gerais e da Bahia. O nome da cidade é em homenagem ao senador Antônio Amaro da Silva Canedo, primeiro representante goiano no Senado. 

Nos últimos anos, com a chegada do polo petroquímico, a antiga cidade-dormitório se transformou num dos municípios mais importantes da região metropolitana de Goiânia, gerando diversos empregos. Moradores procurados pela piauí destacaram que o aumento de oportunidades de trabalho impulsionado pelo parque industrial também foi um atrativo para o crescimento da migração de pessoas de outros estados para a região. Camila Borges, por exemplo, aquela que nasceu antes do município, é gerente de uma pamonharia – e a maioria das funcionárias veio do Nordeste, principalmente do Maranhão e da Bahia. “Elas se mudaram com suas famílias em busca de melhores empregos”, afirma.

Francisca Tatiana Xavier é maranhense e se mudou para Goiás há sete anos em busca de oportunidade de emprego. Hoje, aos 31 anos, é analista de recursos humanos na JBS em Senador Canedo. Segundo ela, a empresa costuma recrutar trabalhadores no Maranhão e, de cada dez funcionários da companhia, três são maranhenses. Por causa da maior quantidade de trabalhadores vindos do estado, a empresa fez adaptações nas refeições, por exemplo, inserindo no cardápio com mais frequência a farinha e o cuscuz. A analista de RH diz que tanto os funcionários quanto os candidatos maranhenses se identificam com ela e costumam recorrer à sua ajuda. “Só de saberem que eu sou maranhense, eles têm mais confiança.” Mas Xavier já também ouviu comentários xenofóbicos no ambiente de trabalho. “Não é fácil você chegar num lugar onde a cultura é totalmente diferente, as pessoas são distantes e não tem um elo como nas cidades do interior”, afirma.

Senador Canedo tem uma associação de nordestinos. Fundada em 2003 por Michel Manoel, atual presidente, a instituição tem como objetivo resgatar e promover a cultura de estados do Nordeste e apoiar as pessoas que moram na região. Manoel, de 58 anos, migrou para a cidade em 2000 para viver com seus irmãos e trabalhar como servidor público. Desde aquela época, ele ressalta, a imigração de pessoas do Nordeste e também do Norte para a região já era acentuada. “A maioria dos nordestinos que moram na cidade são maranhenses e baianos, mas também tem pessoas do Piauí, Ceará, Pernambuco e outros estados”, diz Manoel.

A cultura e os costumes típicos do Nordeste também estão presentes no dia a dia dos moradores de Senador Canedo. Em 2019, a associação realizou o Festival do Folclore. Neste ano, iniciou a publicação de um jornal com destaques nordestinos na região. Mas eles também encontram entraves e vivem o preconceito da população local. “A gente tenta realizar várias atividades, como feira itinerante, arraial e encontro dos nordestinos, mas há uma barreira e também discriminação até do próprio poder público”, afirma Michel Manoel. “Estamos com um projeto para realizar o Festival Nordestino, que será a maior festa em Senador Canedo. Aos poucos nós estamos tentando destravar esse preconceito e essa resistência da cultura nordestina no estado.”

O Censo 2022 destaca que, como Senador Canedo, outros municípios no entorno de capitais são aqueles com maior crescimento populacional. Entre eles estão Fazenda Rio Grande (Curitiba), Palhoça (Florianópolis), Maricá (Rio de Janeiro), Valparaíso de Goiás e Águas Lindas de Goiás (Distrito Federal), São José de Ribamar (São Luís) e Santana de Parnaíba (São Paulo). Segundo dados do Censo, o estado de Goiás tem ainda o município com maior crescimento do número de domicílios: Abadia de Goiás, também na região metropolitana de Goiânia. Em 2010, foram recenseados 2,6 mil domicílios no município. Em 2022, aumentou para 7,9 mil imóveis – um crescimento de quase 200%.

Amanda Gorziza

Repórter da piauí