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    Chen Zijuan e seu filho, Tutu, em Confiança Total | Foto: Divulgação

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Confiança Total

Proibida de voltar a seu país, diretora chinesa conduziu à distância documentário a respeito da vigilância estatal sobre os cidadãos

Eduardo Escorel | 14 jun 2023_08h00
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Após estrear, em março, no CPH:DOX (Festival Internacional de Documentários de Copenhague), Confiança Total (2023), de Jialing Zhang, participou do Movies That Matter Festival (Festival de Filmes que Contam), na Holanda, e, no mês seguinte, do Festival É Tudo Verdade, onde recebeu o prêmio de Melhor Documentário da Competição Internacional: Longas ou Médias-Metragens. De lá para cá, Confiança Total foi exibido também em festivais no Canadá, na Polônia e na Austrália.

Zhang é chinesa, mas mora em Massachusetts, nos Estados Unidos. Dirigiu Confiança Total à distância por não poder voltar ao seu país de origem desde que dirigiu One Child Nation (2019) com Nanfu Wang – documentário que trata do resultado da política de filho único na China, em vigor de 1979 a 2015, com o propósito de diminuir o aumento da população.

Ao incluir Confiança Total em sua programação, o É Tudo Verdade cumpriu, além de suas outras missões, a de manter o público do Festival atualizado com os títulos mais expressivos da produção internacional contemporânea, conforme vem fazendo desde 1996. O júri, por sua vez, ao premiar Confiança Total, reconheceu a indiscutível relevância e atualidade do filme. Uma vez encerrado o Festival, porém, chama atenção a repercussão escassa do documentário na mídia brasileira e a falta de oportunidades de acesso a ele, entre nós, para um público mais amplo. Afinal, embora trate do caso específico da China, Confiança Total diz respeito a uma questão multinacional – a vigilância exercida pelo Estado sobre seus cidadãos e suas cidadãs.

“Isso é algo que também esperamos passar com esse filme”, Zhang disse à Variety: “não é apenas sobre a China. Queremos que o público olhe para seus próprios países. Esse filme é sobre o perigo potencial da tecnologia nas mãos do poder e das corporações sem controle. É sobre como a tecnologia pode ser usada para a supressão dos direitos humanos e para o controle social – e os governos ocidentais estão cada vez mais usando dados para monitorar seus próprios cidadãos”, ela diz.

No auge da pandemia, de acordo com uma declaração oficial, a confiança pública no governo da China chegou a 98%. Daí o título Confiança Total que tem viés irônico. Para Zhang “não é verdade” que a confiança seja absoluta: “E os 2% restantes? Por causa da propaganda e censura, não ouvimos suas vozes… eles não existem online – sua existência foi apagada – eles não aparecem na mídia, mas isso não significa que eles não existam. Há muitos jovens com pensamento crítico e que têm acesso à informação.”

Assistindo a Confiança Total é inevitável pensar na distopia imaginada em 1984 por George Orwell e publicada em 1949 – um Estado totalitário cujo poder é baseado na vigilância permanente e onipresente da população. A referência explícita no documentário é feita pela jornalista e ativista do movimento #MeToo, Sophia Huang Xueqin, ao declarar que depois de ter sido detida e solta, uma câmera foi instalada em frente ao seu apartamento:

Eu fui detida e colocada sob “vigilância domiciliar” porque escrevi sobre a campanha antiextradição de Hong Kong. Vinte policiais se revezavam me bombardeando com perguntas, me intimidando ou tentando ser amigáveis, fazendo o que quer que fosse para vencer minha resistência. Eu reagi citando leis como resposta. Eles esmurravam a mesa e eu esmurrava a mesa de volta. Eles queriam gravar uma confissão. Eu disse: ‘Só sobre meu cadáver”… Telefonei para a polícia e perguntei se eles tinham instalado a câmera em frente ao meu apartamento. Eles disseram que não. Eu disse: “ok, está bem.” Todo dia, eu lia trechos de 1984 para a câmera e cantava essa canção: “Você está ouvindo as pessoas cantarem? Cantando a música de homens irados?…” No quarto dia, fui até a câmera e me preparei para ler 1984 outra vez, mas a câmera tinha desaparecido.

Os dois versos seguintes aos citados por Huang Xueqin são “…It is the music of the people/ Who will not be slaves again!” (“É a música do povo/ Que não voltará a ser escravo!”) – provêm do início da canção Do You Hear the People Sing?, de Aaron Tveit e Eddie Redmayne, do filme Os Miseráveis (2012), de Tom Hooper, adaptação do musical da Broadway inspirado no romance clássico de Victor Hugo.

Uma legenda no final do documentário informa que Huang Xueqin pretendia estudar no Reino Unido, mas foi detida a caminho do aeroporto em setembro de 2021. Depois de ser mantida presa em segredo por um ano, ela foi acusada de “incitar a subversão do poder estatal.” Aguardava julgamento quando Confiança Total foi concluído.

Outras legendas no encerramento atualizaram a situação das duas famílias cujas sagas o documentário registra. O advogado de direitos humanos Chang Weiping continuava na prisão: “Sua mulher, Chen, e Tutu, filho do casal, deixaram a China e foram para os Estados Unidos em outubro de 2022. Chen não acreditava mais que houvesse futuro para seu filho na China”; “Wang e Li continuam seu trabalho como ativistas de direitos humanos. Devido ao assédio policial persistente, seu filho Quanquan foi forçado a mudar de escola quase todo semestre.”

A notar ainda que os créditos finais da equipe não informam os nomes das pessoas que desempenharam várias funções técnicas. Trazem apenas a indicação “anônimo”.

Em 9 de junho, a AFP informou que Weiping foi condenado por subversão do Estado a três anos e meio de prisão, segundo sua família. De acordo com Chen, a saúde do seu marido “parecia estar frágil”. Preso em 2020, ele deverá ficar preso até julho de 2024 para cumprir a sentença da corte da província de Shaanxi.

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