Ilustração: Ari Hisae
Fiz um inventário do meu tempo. Não sobrou muita brecha para as redes sociais
Sobre silenciar as mensagens, sair do Twitter, além de ler notícia com hora marcada, e não mais quando ela acontece
Completei 50 anos no final de 2020, mesma época em que fui diagnosticada com câncer de mama. O tratamento foi bem-sucedido, mas o susto fez com que eu me desse conta, pela primeira vez na vida, de que tenho menos tempo à minha frente do que o já transcorrido. Se meu futuro é mais curto que meu passado, não havia como escapar de uma pergunta incômoda: será que eu estava usando da melhor forma meu tempo, um recurso que escasso não pode ser comprado, estendido ou recuperado? Acho que dá para adivinhar qual foi a resposta.
Decidi então fazer um inventário do meu tempo. Comecei a prestar atenção aos meus hábitos e, para surpresa de ninguém, uma quantidade colossal das minhas horas se esvaía na internet. A multiplicação das telas, o FOMO (“fear of missing out” ou, em bom português o “medo de ficar de fora”, que me obrigava a tentar acompanhar tudo o que surgia online – de notícias a memes), o senso de validação gerado pela quantidade de “likes” recebidos num post (já cheguei a apagar posts que não tiveram o que eu considerava uma quantidade mínima de likes), o excesso de informações, todo esse ruído estava me hipnotizando e roubando os meus minutos. Eu precisava romper esse aprisionamento virtual – e isso exigiria algumas mudanças.
A primeira e mais radical delas envolveu minha dedicação às redes sociais. Durante anos acreditei que uma presença ostensiva nas redes era fundamental para minha carreira e para minha vida pessoal. Ao pensar direito no assunto, concluí que eu estava errada. A cacofonia das redes esvaziou o sentido de (quase) tudo.
Ainda que seja possível construir uma carreira baseada em posts do LinkedIn, relatando “jornadas incríveis”, que estão “só começando”, ilustradas por fotos em que todas as pessoas parecem “potentes” e “inspiradoras”, esse definitivamente não é o caminho que quero trilhar. Entendi também que não preciso ter opiniões sobre tudo, muito menos espalhá-las por aí. Foi um banho de água fria no meu ego, mas percebi que na esmagadora maioria dos casos em que eu alardeava meus pontos de vista eles tinham pouco ou nenhum impacto a longo prazo. Podiam até gerar muitas interações na hora, mas logo caíam no esquecimento (inclusive meu). Por isso, há um ano apaguei meus perfis no Facebook e no Twitter (atual X). Ainda não tomei coragem de abandonar o LinkedIn, mas diminuí drasticamente as postagens nessa rede – o que levou algumas pessoas a me perguntarem recentemente se estava tudo bem comigo, como se por não postar eu não estivesse vivendo.
Recentemente, voltei ao LinkedIn e postei sobre isso (um resumo do que digo neste artigo). A identificação foi imediata. Esse sequestro do tempo, afinal, virou um problema coletivo, dos grandes.
A única rede social em que sou mais ativa é o Instagram, mas minhas postagens decepcionariam qualquer especialista em carreira. Como não estou preocupada em aumentar número de seguidores ou turbinar o engajamento, posto basicamente o que muitos consideram “inútil”, como flores, poemas, capas de livros que estou lendo, dicas de peças e filmes a que assisti ou meus avanços nas aulas de pilates. Quando me enviam Reels engraçadinhos, em geral adoto o mantra de Bartleby, o protagonista do famoso conto de Herman Melville, e digo para mim mesma: “prefiro não.”
Sei que se entrar nesse universo serei sugada pelos algoritmos e quando me der conta já terei passado meia hora consumindo um conteúdo do qual não vou me lembrar no minuto seguinte.
O segundo passo foi desativar as notificações de novas mensagens do WhatsApp. Até então, cada vez que o celular vibrava com a chegada de uma mensagem, eu tremia junto. Sentia que precisava responder imediatamente. Quando tento me enxergar nessa cena, o paralelo com um ratinho de laboratório é inevitável. Mas será que era tudo mesmo urgente? Será que eu sempre precisava fazer comentários?
Comecei desativando os alertas dos grupos – tanto os pessoais quanto os profissionais. Para meu espanto, se eu demorasse um pouco a responder ou mesmo se não falasse nada, a Terra não saía do eixo. Ganhei mais confiança e cancelei todos os alertas. Como mantenho o WhatsApp aberto no meu notebook, de vez em quando espio o que chega e ainda respondo algumas mensagens quase instantaneamente, mas agora a minha velocidade é uma escolha, não um condicionamento.
Finalmente me senti pronta para fazer a terceira mudança: limitei a minha busca por notícias a horários específicos. Sou jornalista de formação e carreira, então este foi o passo mais difícil. Preciso e gosto de estar bem-informada. Mas tentar processar uma avalanche incessante de informações não estava me ajudando em nada. Então estabeleci uma nova rotina. Concentro minha atenção na busca por informação logo que acordo: leio dois jornais e deixo a tevê ligada em programa de notícias enquanto tomo café da manhã. No final do dia dou uma repassada. Descobri algo chocante para uma jornalista pilhada de toda vida: que se eu souber uma notícia às 23 horas, pouco antes de dormir, ou às 6 horas da manhã seguinte, em 99% dos casos não muda nada (claro que se eu ainda trabalhasse numa redação, a depender do perfil do noticiário, essa mudança poderia ser mais complicada). Pode soar até contraintuitivo, mas ao parar de buscar informações desenfreadamente e focar apenas no que me parece mais relevante, em horários pré-determinados, eu me sinto mais bem-informada e muito menos ansiosa.
Com essas três medidas entrei num novo acordo com o tempo e ganhei um delicioso senso de realização por investir minhas horas no que realmente faz diferença na minha vida. Continuo trabalhando muito para pagar os boletos, mas uso o resto do meu tempo de forma mais consciente – o que considero um grande luxo.
Há algumas semanas comecei a escutar um podcast sensacional chamado Noites Gregas, sobre mitologia, um tema que me encantava na adolescência e do qual eu havia me distanciado. Com meu grupo de leitura (sim, tenho tempo para grupo de leitura), estou há três meses mergulhada em Os irmãos Karamázov, um calhamaço dostoievskiano de quase mil páginas. E acabei de concluir um curso na Universidade Wharton sobre ESG – um uso muito melhor do meu tempo online do que navegar à deriva pela internet, como eu fazia.
Pensei na maravilha que foi ter me libertado desse aprisionamento virtual dias atrás, ao começar a ler A geração ansiosa – como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, do americano Jonathan Haidt (agora consigo até ler dois livros ao mesmo tempo!). O livro se tornou um best-seller instantâneo ao mostrar como a geração Z, composta por jovens nascidos depois de 1995, está vivendo uma epidemia de depressão e ansiedade. As estatísticas elencadas pelo autor são assustadoras. Uma delas diz que a depressão entre adolescentes triplicou desde 2010. Para Haidt, isso é resultado de uma combinação explosiva: os pais dos jovens dessa geração superprotegem os filhos do mundo real ao mesmo tempo em que lhes dão total autonomia no mundo virtual. Ele estabelece ainda uma relação direta entre o excesso de telas na vida da garotada e uma desconexão social, uma inabilidade ou falta de interesse em construir laços sociais, o que pode agravar a depressão.
Eu, que só fui tomar contato com a vida online já adulta e que jamais abri mão das relações reais em detrimento das virtuais, penei para me libertar das redes sociais – e confesso que ainda hoje dou umas escorregadas. As gerações mais jovens têm um desafio duplo: evitar que a vida online roube não só o seu tempo, mas também a sua saúde mental.
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