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Curtas-metragens – sinais vitais do cinema preservados

Eventos online vieram para ficar

Eduardo Escorel | 26 ago 2020_09h27
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Depois de assistir a boa parte da abertura do 31º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, na mesma noite da semana passada (20/08), mais tarde um pouco, vi na CNN a transmissão ao vivo do discurso de Joe Biden em que o ex-vice-presidente aceitou formalmente ser o candidato do Partido Democrata a presidente dos Estados Unidos na próxima eleição, em 3 de novembro.

Biden disse que o atual presidente americano “mergulhou a América na escuridão por tempo demais. Raiva demais. Medo demais. Divisão demais” e, mais adiante em seu discurso, afirmou: “O que sabemos sobre esse presidente é que, se lhe derem mais quatro anos, ele será o que foi nos últimos quatro anos – um presidente que não assume responsabilidade. Recusa liderar. Põe a culpa nos outros…”

Aos brasileiros, o candidato democrata parecia, muitas vezes, estar se referindo a você sabe quem – o inominável admirador confesso de Donald Trump. De fato, os dois atuais presidentes têm semelhanças, inclusive no fracasso em lidar com a pandemia, nos maiores números absolutos no mundo, em seus respectivos países, de contaminados pelo novo coronavírus e de vítimas fatais da Covid-19, nas altas taxas de desemprego e na crise econômica por que passam os Estados Unidos e o Brasil.

As boas intenções de Biden deveriam servir de referência e ser seguidas em Brasília, caso nossos governantes tivessem sensibilidade para tanto. O vice-presidente de Barack Obama (2009-2017) declarou que, se for eleito, “escolherá a esperança em vez do medo. Fatos em vez de ficção. Justiça em vez de privilégio”. Será, afirmou, um presidente americano e trabalhará com o mesmo empenho pelos que não o apoiaram quanto pelos que lhe deram seu apoio. “Esse é o trabalho do presidente. Representar a todos nós, não apenas nossa base ou nosso partido. Este não é um momento de partidarismos…”

Mais cedo, naquela mesma noite de encerramento da convenção do Partido Democrata, a abertura do Festival de Curtas Metragens de São Paulo, realizado este ano online de 20 a 30 de agosto, com acesso gratuito, foi transmitida ao vivo, dando mais um sinal de que a atividade cultural resiste e continua viva entre nós. No texto de apresentação da 31ª edição do evento, Zita Carvalhosa, diretora do Festival, destaca que “a pandemia explicitou a falta de políticas consistentes de saúde e educação que há tanto tempo são demandadas pela população, mas também deixou clara a importância vital que a cultura ocupa na sociedade – e o desmonte proposital que vem sofrendo, governo após governo. De suas janelas reais e virtuais, as pessoas cantaram, projetaram, leram, riram e choraram.” Houve mais de 3 mil filmes inscritos de 46 países, dos quais 212 foram selecionados e estão sendo exibidos desde quinta-feira (20/08). A possibilidade de “trazer a público”, escreve Carvalhosa, “uma programação diversa, que contempla essa pluralidade imensa de olhares, sotaques e linguagens de todo o mundo, nos dá a sensação de que estamos contribuindo para trazer um pouco de vida a esse momento tão difícil.” Carvalhosa acredita que, confiando “no distanciamento agora”, em breve poderemos “todos nos encontrar novamente, em uma versão ainda mais calorosa e humana”.

Esperemos que Carvalhosa esteja certa e que não tarde demais para podermos nos encontrar com segurança – calor humano está mesmo fazendo falta. Mas à parte o fato de festivais de cinema, e outras manifestações artísticas coletivas, serem por definição ocasiões de congraçamento e de aglomerações, depois de assistir à transmissão da abertura do Festival de Curtas Metragens fiquei com a impressão de que eventos do gênero transmitidos ao vivo online vieram para ficar. Sensação que os comentaristas políticos da CNN também manifestaram após o discurso de Biden, em que ele aceitou ser o candidato do Partido Democrata. O fato de não estar diante de uma multidão, ávido por risos e aplausos, teria favorecido o candidato e dado às suas palavras maior peso. O espetáculo circense das convenções partidárias americanas foi deixado de lado, em favor da substância e performance eficiente do candidato. A tendência provável de convenções partidárias como as americanas e de festivais de cinema, em geral, parece ser de se tornarem híbridos – presenciais, sem dúvida, quando as condições sanitárias permitirem, mas online ao mesmo tempo, incorporando a vantagem de ganharem alcance nacional e até internacional em alguns casos.

Eu, por exemplo, mesmo tendo acumulado décadas de atividade profissional em cinema, ao longo dos trinta anos de existência do Festival de Curtas Metragens de São Paulo, nunca assisti a uma abertura do evento, muito menos a alguma sessão ou sequer a um único filme exibido. O fato de estar ocorrendo online, porém, me permitiu, mesmo morando no Rio de Janeiro, começar ao menos a corrigir essa falha, assistindo na sexta-feira (21/8) aos cinco filmes da sessão Limite 1 – Brutalismo, todos realizados com grande apuro visual, uns mais experimentais do que outros. No primeiro, Otávio Almeida, graduado na Escola Internacional de Cinema e Televisão – EICTV, em San Antonio de los Baños, Cuba, acumula as funções de roteirista, diretor, produtor, diretor de fotografia, editor e agente comercial. Dedicado ao avô viajante do realizador, o personagem central, um homem com tatuagens no rosto, é apresentado em close, no primeiro plano, sob chuva forte. Segue-se a sua travessia mítica, sem diálogos, através da paisagem desoladora de uma represa da Sierra Maestra, berço da revolução cubana; outro filme, narrado na primeira pessoa, trata de questões de identidade e gênero em estilo influenciado pelo cinema de Harun Farocki (1944-2014); Serial Parallels toma edifícios de Hong Kong como matéria-prima e recorre à linguagem das colagens plásticas que transfiguram imagens realistas em abstrações geométricas; o último curta-metragem desse grupo recupera a memória e os vestígios do projeto de Oscar Niemeyer para o centro comercial internacional de Trípoli, no Líbano, cuja construção, iniciada em 1967, nunca foi concluída e veio a servir como local de execuções durante a guerra civil (1975-1990).

O filme brasileiro da sessão, a ser exibido de novo com os demais amanhã (27/08, a partir de 19 horas), é A Maior Massa de Granito do Mundo (2020, 14 min), com roteiro e direção de Luis Felipe Labaki. A massa de granito em questão é a do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, construído a partir de 1936 e inaugurado em 1953, tendo em vista a celebração do 4º centenário da cidade de São Paulo, no ano seguinte.

Inauguração do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret (1953)/Foto: Divulgação

 

Marcelo Coelho assinalou com exatidão que Labaki “nos mostra o monumento…como nunca antes tínhamos visto” (Folha de S.Paulo, versão digital, 18/08), o que não é pouca coisa. Em especial, lembrando que a obra de Brecheret está instalada em uma praça, ao lado do Parque Ibirapuera, por onde milhares de pessoas que moram em São Paulo, ou estão de passagem, transitam dia após dia, algumas mais de uma vez diariamente. Para esses passantes é inevitável olhar o monumento. Mas ver é outra coisa. É preciso ir além do visível, como é próprio do bom cinema documentário e Labaki faz com esmero.  

Coelho indica também a contraposição feita no filme entre “a beleza de cada escultura individual” e “os discursos autoritários e racistas que o saudaram…”. Em um dos trechos desses pronunciamentos, feito à Assembleia Legislativa, em julho de 1936, reproduzidos em off no documentário A Maior Massa de Granito do Mundo, o então governador do estado Armando de Salles Oliveira descreve e analisa o Monumento às Bandeiras: “Dois bandeirantes, os chefes, vão na frente, a cavalo: é o princípio da autoridade, o mais forte esteio da civilização que o comunismo quer destruir. As figuras decrescem em tamanho: é a hierarquia, inseparável da disciplina e um dos mais belos princípios da organização social, porque permite ao que está no ponto mais baixo ascender por si mesmo à posição mais alta… É o pensamento dominando a ação” (ver Bandeiras de Brecheret – História de um Monumento, 1920-1953, de Marta Rossetti Batista).

O programa Competitiva Brasil 2, exibido sábado (22/08), a ser repetido na quinta-feira (27/08, a partir de 19 horas), exibiu quatro dos doze filmes brasileiros selecionados. Em comum, esses curtas-metragens de iniciantes expressam a compulsão de registrar o entorno de cada uma das realizadoras ou dos realizadores, de narrar suas próprias experiências, revelando grande potencial criativo. Em Perifericu, de Nay Mendl, Vita Pereira, Rosa Caldeira e Stheffany Fernanda, o tema é o modo de vida de quem é LGBT na periferia de São Paulo. Em uma noitada, a jovem cantora dedica o rap a você sabe quem: “…vergonha nacional/o cara é muito incompetente/sem noção/sem moral…fugiu dos debates/esse cara é vacilão/para mim é um covarde…” – é animador ter notícia dessa manifestação de lucidez vinda do extremo Sul da metrópole.

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O 31º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo segue até o próximo domingo (30/08). Para consultar a programação e assistir aos filmes, acesse https://2020.kinoforum.org/.

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Na próxima terça-feira, 01/09, às 11 horas, 3 em Cena – Piero Sbragia, Juca Badaró e este colunista – conversa ao vivo com Cristina Amaral sobre o horizonte da montagem e os novos olhares que se lançam como possibilidade de resistência. Acesso através do link https://www.youtube.com/watch?v=gm6R5e7TIjg.

“O sequestro de nossa memória audiovisual”, artigo de Eduardo Morettin, publicado no Jornal da USP, pode ser acessado através do link https://jornal.usp.br/artigos/o-sequestro-de-nossa-memoria-audiovisual/

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A Trilogia do Futebol, de Lucho Pérez Fernández, que se apresenta como “assistente de mágico e fabulador de verdades inventadas”, está em https://vimeo.com/440045735.

A Copa dos Refugiados, Os Boias-Frias do Futebol e Boca de Fogo, três documentários de curta-metragem, estão acessíveis em programa único de 37 min, e permanecem online até 20/9. O diretor é ex-aluno do curso Cinema Documentário da Fundação Getúlio Vargas.

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A Cinemateca do MAM Rio oferece programação on-line gratuita no site, acessível por meio do link www.vimeo.com/mamrio. Até amanhã, 27 de agosto Cacaso na corda-bamba (2016), de José Joaquim Salles e Ph Souza pode ser assistido. De 8 a 27 de setembro haverá o Festival Internacional de Cinema Experimental acessível através do site www.festivaldobra.com.br

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