FOTO: RENATA MELLO_TRANSPETRO
Delações dos Machado têm roteiro hollywoodiano
O que revelam as delações premiadas da família do ex-presidente da Transpetro
As delações premiadas da família Machado, tornadas públicas ontem, revelam uma trama clássica de produções como O Poderoso Chefão ou Família Soprano, nas quais homens de um determinado clã seguem os passos do patriarca, tornam-se cúmplices em crimes, mentem uns aos outros, mas sempre protegem o núcleo familiar transformado em corporação empresarial.
Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, contou com os filhos para movimentar a propina arrecadada no petrolão e repassá-la a políticos. Como resultado, não só Machado, mas os seus três filhos homens (ele tem ainda uma filha que, até agora, não está envolvida nas irregularidades), Daniel, 40, Serginho, 38, e Expedito, 31, tiveram de fazer delação premiada. O pai, porém, negociou a salvação dos filhos com os procuradores como condição de fechar a sua própria delação, na qual entregou a cúpula do PMDB como destinatária da propina.
Machado construiu uma fortuna com base em dinheiro ilícito e teve a seu favor o talento dos filhos e de amigos deles, “terceirizados” para operar a distribuição do dinheiro a emissários dos políticos em hotéis e escritórios, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
O caçula, Expedito, teve de prestar oito depoimentos à Procuradoria-Geral da República delatando o caminho do dinheiro desviado em contas no exterior. Contou que era o filho mais próximo de Machado, que queria fazer dele seu sucessor na política – o pai foi senador e tinha a pretensão de ser governador do Ceará. Foi Expedito quem arrumou um dispositivo para o pai gravar as conversas com os seus “padrinhos” no PMDB, entre os quais os senadores Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL) e o ex-presidente José Sarney.
Entre 2007 e 2013, Expedito recebeu no exterior recursos “relacionados às atividades do pai”. Tudo começou quando a Queiroz Galvão e a Camargo Corrêa, que ganharam contratos com a Transpetro, concordaram em “contribuir” com aproximadamente 20 milhões de reais. O pagamento deveria ser feito fora do país. “Tentou abrir a conta em seu nome, mas como seu patrimônio era pequeno não foi possível. Então, recorreu a seu irmão Sérgio, com quem morava ao tempo. A relação entre os dois irmãos sempre foi paternal”, diz a delação de Expedito. O caçula passou a operar uma conta no HSBC da Suíça e em nome do irmão do meio, Serginho, que não a declarou no Brasil. Por essa conta, passaram 72.934.000 reais de propina do petrolão.
O caçula tinha o “controle de cada valor recebido para prestar contas ao pai”. Em 2012, foi morar em Londres para “dar solução ao dinheiro de propina que estava depositado na Suíça”. Até 2015, esse dinheiro passou por outros bancos e, a exemplo de Eduardo Cunha (RJ), coincidentemente também do PMDB, parte dele foi parar num trust, no qual o pai incluía novos beneficiários – ou usufrutuários. Para multiplicar o dinheiro da família, que investia ainda em negócios de educação e imóveis no Brasil, o trust cumpria a função de facilitar a realização de investimentos imobiliários na Europa.
Além dos 73 milhões de reais fora do país, Machado admitiu ter recebido cerca de 2 milhões de reais por ano no Brasil como sobra de propina que pagava a políticos. Em 2008, Expedito passou também a ajudar o pai “com a logística da arrecadação” dessa propina. “Pediu a seu filho Expedito que fizesse a retirada desses recursos e organizasse esses valores que sobravam”, diz o depoimento de Machado aos procuradores. Ele entregava ao filho o endereço, quase sempre em São Paulo, e a data e a hora, com codinomes da pessoa que buscaria a propina e da pessoa que entregaria (Machado relatou que muitas vezes havia senhas como “arara”, “melancia” e “sol”). Expedito terceirizou a tarefa para um amigo de faculdade.
Outro amigo levado ao esquema foi Felipe Parente, próximo do filho mais velho de Machado, Daniel. Ele ajudava o patriarca na contabilidade da propina. “Os políticos diziam o nome e o contato dos prepostos que receberiam os valores ilícitos e repassava essa informação a Parente. Com essa informação, Felipe Parente procurava os prepostos indicados e realizava os pagamentos”, completou Machado ao delatar o esquema de desvios de recursos.
Daniel contou na sua delação que o amigo parou de trabalhar com seu pai em 2007, mas ficou indevidamente com dois milhões de reais em espécie, que eram sobras de propina do esquema de Machado pai. Para tentar dar uma “solução ao problema” e reaver o dinheiro da família, Daniel recorreu a um amigo a quem teria dito que precisava receber valores de uma transação imobiliária, mas que não poderia ter o dinheiro em suas contas porque, de fato, estavam bloqueadas em razão de outros negócios. Daniel disse que daria o dinheiro em espécie à empresa do amigo, que repassaria os valores para a conta de um terceiro por meio de uma transação eletrônica. O terceiro escolhido, novamente, foi Serginho, que recebeu os dois milhões de reais provenientes de propina como se tivesse feito estudos para a empresa do amigo do irmão.
Em suas delações, é evidente o esforço de Daniel e Expedito de poupar o irmão do meio dos enroscos familiares. Serginho foi até este ano um dos principais executivos do Credit Suisse no Brasil e acabou saindo do banco depois de a Lava Jato atingir sua família – oficialmente, a área que tocava, de renda fixa, a mais lucrativa da instituição sob sua gestão, foi reestruturada.
Expedito diz que mentiu ao irmão ao dizer que o dinheiro da conta da Suíça era de créditos que seu pai teria da época em que era empresário. Serginho “vivia em tamanha correria em sua carreira de executivo bancário que nem queria saber do assunto”, disse o caçula na delação. Ainda de acordo com Expedito, “com certa relutância, Sérgio concordou e assinou em São Paulo os formulários de abertura da conta no banco HSBC Zurich”. Daniel também afirmou não ter dito a Serginho a origem ilícita dos dois milhões que o irmão recebeu por ele. Serginho, disse Daniel, “jamais teve ciência da verdadeira origem dos recursos.”
Nas delações, a família insiste que o maior exemplo de que Serginho não sabia da origem do dinheiro é o fato de que ele abriu a conta na Suíça, a pedido do irmão, usando seu próprio nome. Por essa versão, a família, agora preocupada em poupar o filho mais renomado e bem sucedido no mundo financeiro, na época não teria se importado em envolvê-lo nos negócios ilícitos a sua revelia.
Apesar da experiência como um dos executivos mais competentes de sua geração, Serginho disse que nunca soube da origem ilegal dos recursos na conta da Suíça e dos 2 milhões de reais recebidos a pedido do irmão. Afirma ter sido enganado por seus familiares e que, a partir de 2014, com o início da Lava Jato e as menções “recorrentes” ao pai, se afastou da família.
“Comecei a passar feriados e datas comemorativas, mesmo Natal e Ano Novo, longe deles. Fiquei indignado com tudo o que havia ocorrido e os culpava por terem me envolvido. Até então sempre havia acreditado nos propósitos lícitos da abertura da referida conta e na ajuda que dei a Expedito e ao resto da família sempre que solicitado. Expedito se dava mal nos negócios, se desesperava e pedia meu auxilio para salvá-lo”, declarou Serginho na sua delação.
Depois de entregar a cúpula do PMDB para salvar os filhos, o patriarca da família cumprirá prisão domiciliar e usará tornozeleira eletrônica. Nesse período, Sérgio Machado está proibido de receber visita de qualquer um dos três filhos. A família parece estar cindida, mas, a despeito do racha, todos mantêm os mesmos advogados e assessores de imprensa.
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