Assim como faziam os gutenberguianos, tive de me informar sobre o ato na Paulista por meio da imprensa Ilustração: André Dahmer
A vida sem dar um pio – parte II
Zapeando a tevê, descobri que o Ricardo Nunes estava sendo entrevistado no Roda Viva. Em seguida, descobri que ele é prefeito
Segunda semana. Ainda me sinto bem, apesar da LER – Lesão por Esforço de Repostar. É que, na falta do X, entrei de cabeça em outras plataformas Y e Z semelhantes e menos danosas ao meio ambiente. Agora, em vez de lidar com uma só rede tóxica, tenho várias, e haja – H A J A – aba para comportar tantos aplicativos. Mas beleza, não é nada mais do que uma fase. E ainda há tempo de sobra pra postar nessas redes coisas das quais vamos nos arrepender amargamente no futuro.
Sexta–feira, 6 de setembro
9h – Percebi que criei um ranço do X parecido com o de ex-fumantes: não posso nem sentir o cheiro que fico enjoado. Como eu pude consumir uma porcaria viciante, envenenadora e sem filtro como aquela por tanto tempo?
12h – Depois da repulsa, sou tomado por uns momentos de nostalgia. Penso na época em que tudo era mato, e o mato ainda se chamava Twitter. Qualquer coisa “baleiava”, como a gente dizia nos áureos tempos, e a postagem podia ter no máximo 140 caracteres. Depois, vieram os mau-caracteres.
14h – Consulta médica na Barra da Tijuca. Da janela do carro, acompanhei a paisagem: o shopping Downtown, os outlets, as office towers, o New York City Center, a Estátua da Liberdade. Num impulso, abri o aplicativo do X para ver se ele estava funcionando ali, fora do Brasil. Me frustrei.
Sábado, 7 de setembro
16h – Assim como faziam os gutenberguianos, me informei sobre o ato na Paulista por meio da imprensa. Bolsonaro, ao que parece, foi ofuscado pelo autoproclamado coach. É como diz o ditado: crie corvos e eles te arrancarão os votos.
20h – Me impressionei com uma reportagem da piauí sobre o ato. Em uma das fotos, há uma faixa com as neopalavras BOLSELONTRUMP e TRUMPONAROMUSK. Parecem nomes de substâncias que se encontram nos ultraprocessados. Faz sentido.
Domingo, 8 de setembro
4h – Recebi prints de estrangeiros reclamando que, depois que nós, brasileiros, fomos impedidos de usar o X, aquilo lá virou um enterro. Concordo em gênero, número e grau. Se meme fosse uma moeda de valor, o Brasil seria Dubai. Não é um elogio.
Segunda, 9 de setembro
10h – Dia quente demais e sem nenhum lugar onde eu possa xingar muito sobre isso. Apelei para conversa de elevador. E o meu prédio nem tem um.
21h – Vi que começou uma novela das nove com alta possibilidade de ser comentada redes afora, espetáculo que infelizmente estamos perdendo. Está faltando um folhetim novo que una todas as tribos. Como foi Avenida Brosil.
22h – Ao zapear a tevê, descobri sem querer que o Ricardo Nunes estava sendo entrevistado no Roda Viva.
22h15 – Descobri que o Ricardo Nunes é prefeito de São Paulo.
Terça-feira, 10 de setembro
10h – Fiz uma citação errada numa conversa: “Como dizem os jovens, isso vai dar beyblade.” Não me liguei que o jovem de hoje não assistiu a Beyblade. Sem o X, o millennial que aqui vos escreve não tem mais onde aprender os termos da Geração Z, como delulu e poggers. Se me sinto desatualizado, imagina a Geração X, sem o X.
10h30 – Pesquisei no Google o que é delulu. E poggers.
Quarta-feira, 11 de setembro
1h – Sonhei que eu morria tragicamente, um bilionário comprava o meu corpo e o transformava em uma máquina que seria usada para os seus trabalhos sujos. Acordei assustado, mas entendi o recado. O Musk fez do Twitter o seu Robocop.
10h – Falei sobre o X na terapia. Fiquei feliz ao perceber que nunca tinha feito o contrário.
12h – Acomete-me uma reflexão: muito se fala da depressão que famosos enfrentam quando saem dos holofotes, mas ainda está por vir um estudo que contemple a raça mais sofrida, humilhada e depauperada das redes sociais: os ex-verificados.
15h – Lancei uma ideia meio diferentona num grupo de zap. É delirante, mas pode dar bom: e se, todos nós, os 20 milhões de eXilados, fizermos uma vaquinha pra comprar o X do bilionário? A ideia não me parece tão inequexível. Desde que ele comprou o Twitter, a plataforma tem se desvalorizado vertiginosamente. Sinto que, daqui a pouco, vai dar pé para a gente virar sócio-proprietário-dono do pedaço e reabilitá-lo. Quem está dentro? A Narcisa eu já sei que está.
Quinta-feira, 12 de setembro
9h30 – Passei um café. Fitando o céu amarelado pelas queimadas, cocei os olhos lacrimejantes e refleti: o Bluesky estar cheio de brasileiros neste momento é uma triste ironia. Mas ânimo, galera. Tudo vai melhorar depois da COP29.
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