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    "Enquanto rola o voltar-ou-não-pra-lá entre os degredados do X, uma galera do Bluesky já afirmou que vai ficar por ali mesmo, que é um local mais civilizado e sem nazistas recreativos." Ilustração: André Dahmer

anais da abstinência

Escondam suas democracias: o X voltou

Mas não tenham pressa de reativar seus perfis. Vão por mim

Gilberto Porcidonio, do Rio de Janeiro | 10 out 2024_14h33
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Elon Musk desembolsou o equivalente a 0,003% de sua fortuna, pagou a multa cobrada pelo Supremo Tribunal Federal e o X pôde, enfim, cantar “livre estou”. Mas como isso aqui é Brasil, não Disney, um dilema moral me acomete: depois de todo o show de horrores, devo exercer o meu direito ao volto?

 

Sábado, 5 de outubro

8h – Sonhei uma cena de filme noir. Era tarde da noite. Um detetive de sobretudo entra num inferninho de Copacabana e se depara com uma mulher loira, de batom vermelho, que canta jazz sentada na cauda de um piano. Todos a aplaudem hipnotizados. Concluída a apresentação, ela senta no bar. O detetive se aproxima e lhe mostra uma foto. Nela, um passarinho azul está morto com um X cravado no peito. Serena, a loiraça faustofawcéttica olha a foto, acende um cigarro e diz: “X… Não vejo esse nome há mais de um mês.” O detetive pergunta se ela sabe dos rumores de que ele está de volta. A mulher se aproxima e, ao pé do ouvido, sussurra que não confia em ninguém que não é verificado. Tiros irrompem no bar. O detetive saca a arma enquanto um vulto some na escuridão. A loira cai em seus braços, em agonia. Suas mãos trêmulas tocam o rosto do detetive, que grita por ajuda. Ela diz, bem baixinho, antes de desfalecer: “O pix, mon coeur. Espere cair o pix.” 

9h01 – Acordei. Sinto que algo acontecerá por esses dias.

20h15- Soube que o exame toxicológico fraudado por Pablo Marçal contra Guilherme Boulos causou ojeriza até no pastor Silas Malafaia. Isso me fez lembrar da época em que a Al-Qaeda se manifestou contra o extremismo do Estado Islâmico.

 

Domingo, 6 de outubro

10h- Quando menos se espera, chegam as eleições municipais. Saí para votar na minha terra de nascença, o esplendoroso condado de Jacarepaguá. É uma região da Zona Oeste do Rio que, além de ter ficado famosa por causa da série Vale o escrito, é conhecida pelos jacarés-de-papo-amarelo. E pelo papo verde e amarelo também.

11h- Cheguei na minha seção eleitoral, que estava com bem menos gente de camisa da seleção do que de costume. Na verdade, não tinha quase ninguém vestido assim. Mau sinal para o candidato bolsonarista. Para ele, perder ali equivale à esquerda perder em Laranjeiras. Ou ao Fluminense perder em Laranjeiras.

20h – Descarrilou a chance de Pablo Marçal se tornar o seu novo alcaide de São Paulo. O candidato que faz o M foi prejudicado por ter feito uma campanha de M.

21h- No Rio, conforme as pesquisas antecipavam, Eduardo Paes afastou o fantasma-do-Crivella-passado e se reelegeu no primeiro turno com uma grande margem em cima de um pequeno Ramagem. Além da campanha meia-bomba, o que envergonha qualquer armamentista, o candidato do Bolsonaro chegou a afirmar, numa entrevista para a Globo, que percorreu várias áreas da cidade, inclusive a inexistente Zona Leste. Ele deve ter se confundido com Comando Militar do Leste.

21h10- Elegendo pela quarta vez o embaixador do Cachambeer, o Rio demonstra que realmente não precisa de um candidato de extrema direita na prefeitura. As candidaturas mais ao centro também são plenamente capazes de ceder áreas públicas da cidade à iniciativa privada, de armar a Guarda Municipal e remover famílias pobres de suas casas.

 

Segunda-feira, 7 de outubro

11h – Enquanto rola o voltar-ou-não-pra-lá entre os degredados do X, uma galera do Bluesky já afirmou que vai ficar por ali mesmo, que é um local mais civilizado e sem nazistas recreativos. Fui indagado: “Você voltará?” Falei que estava pensando, pensando…

16h – Enfim caiu o piX. As multas de 28,6 milhões de reais pagas pelo Elon Musk foram devidamente transferidas à conta bancária correta, do Banco do Brasil. Parece que agora vai.

 

Terça-feira, 8 de outubro

9h45- Ainda estou pensando.

18h30 – Fui jogar o lixo fora. Passava pelo portão da vila quando uma vizinha, ao me ver, perguntou se eu iria voltar. Titubeei e disse que estava em dúvida, pois, por um lado, aquela é uma rede importante para a divulgação do meu trabalho e para a apuração jornalística. Por outro, eu me sentia cada vez mais estranho em fazer parte de uma plataforma lobotomizada e transformada em um experimento neofascista para servir de playground a um plutocrata cujo ego não cabe em apenas um planeta. A vizinha ficou congelada. Ela só queria saber se eu iria voltar para a vila depois que eu levasse o lixo, para que ela pudesse fechar o portão.

 

Quarta-feira, 9 de outubro

12h- Escondam suas democracias. O X está plenamente de volta no BR.

16h- Depois de pensar, pensar e pensar, não resisti e disse ao povo que eu voltaria ao X, mas com parcimônia. Ao abrir o app, o primeiro tweet com que dei de cara falava da ocorrência de uma tal… cadeirada. Fica a recomendação: caso você pense em voltar para lá também, não precisa correr tanto, viu? Vai na minha. Ainda está rolando um delay.

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