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    O presidente da Câmara, Arthur Lira, em sessão na terça-feira, 17 de dezembro Ton Molina/ Fotoarena/ Folhapress

anais do orçamento secreto

Golpe de Lira vira caso de polícia

Flávio Dino manda PF investigar a última manobra do presidente da Câmara para sequestrar a distribuição de emendas - e cita até “malas de dinheiro” no despacho

Breno Pires, de Brasília | 23 dez 2024_11h10
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O termo “orçamento secreto” apareceu pela primeira vez em 9 de maio de 2021. Nos três anos e meio que se passaram desde então, essa prática – a distribuição de bilhões de reais em recursos para cidades de todo o Brasil sem o registro dos deputados e senadores por trás de cada indicação – deu potência máxima às máquinas de manutenção de poder na política nacional. Houve uma eleição geral com um índice histórico de reeleição de parlamentares, a recondução de Arthur Lira como presidente da Câmara, as eleições municipais de 2024 com índice incomum de manutenção dos prefeitos em seus cargos. Tudo com a anuência do Executivo – antes Jair Bolsonaro, depois Lula.

Foram necessários 1324 dias – e o descumprimento de diversas determinações do Supremo Tribunal Federal para dar transparência a essa distribuição de recursos públicos – para que as manobras do andar de cima do Congresso com o orçamento secreto se tornassem alvo de investigação da Polícia Federal. Na manhã desta segunda-feira, em decisão inédita, o ministro do STF Flávio Dino determinou que a PF abra um inquérito policial sobre as irregularidades na distribuição de emendas. 

O estopim para a investigação foi a revelação das “emendas de liderança”, em reportagem da piauí da segunda-feira, 16 de dezembro. Trata-se de uma manobra pela qual Arthur Lira e dezessete líderes partidários tomaram para si a decisão sobre a destinação de verbas, fazendo parecer que estava tudo sendo feito com a anuência da comissões que devem propor a destinação das verbas. Após a reportagem, o STF foi acionado pelos partidos Psol, Novo e as entidades Transparência Brasil, Transparência Internacional Brasil e Instituto Não Aceito Corrupção.

Em sua decisão, Flávio Dino não cita o nome de Lira e de outros possíveis investigados, mas há pistas claras sobre os alvos. Ele publicou o link para acesso da reportagem O Sequestrador, da edição de novembro da piauí, que mostra como Arthur Lira capturou o orçamento secreto em seu favor, ao derrubar verbas para obras de água encanada em um município da Bahia que sofre com a seca. 

Depois disso, em outra manobra orientada por Lira, os líderes partidários enviaram um ofício ao Executivo com 5.449 indicações de emendas de comissão, totalizando  4,2 bilhões de reais, sem a devida aprovação prévia e registro formal pelas comissões – Alagoas, o Estado que elegeu Lira, foi priorizado na estratégia. 

“Não é compatível  com a ordem constitucional, notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas, a continuidade desse ciclo de (i) denúncias, nas tribunas das Casas do Congresso Nacional e nos meios de comunicação, acerca de obras malfeitas; (ii) desvios de verbas identificados em auditorias dos Tribunais de Contas e das Controladorias; (iii) malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas, em face de seguidas operações policiais e do Ministério Público. Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável quadro de inconstitucionalidades em série, demandando a perseverante atuação do Supremo Tribunal Federal”, justificou Flávio Dino na decisão.

A entrada da Polícia Federal para investigar as irregularidades no “andar de cima” é inédita e histórica. A decisão de Dino vem depois de mais de três anos e meio de denúncias da imprensa sobre o escândalo do orçamento secreto, a começar pelo jornal O Estado de S. Paulo*, que denunciou a prática e cunhou o termo em maio de 2021. 

 

As interferências “de cima” (da Presidência da Câmara e lideranças), para aprovar emendas sem seguir os trâmites previstos foram tema de pronunciamento de parlamentares críticos ao esquema, como Glauber Braga (PSOL-RJ), a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), o deputado José Rocha (União Brasil-BA) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). Este último sugeriu a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI, que tem membros das duas casas do Congresso) para investigar as emendas. O relator Flávio Dino determinou, desde já, a tomada de depoimento desses parlamentares.

A investigação da PF deverá:

– Apurar a veracidade das denúncias de “apadrinhamento” de emendas e a participação de líderes partidários no esquema.

– Identificar os reais beneficiários das emendas de comissão (RP 8) e a destinação dos recursos públicos.

– Averiguar a existência de desvios de verbas, obras malfeitas e outras irregularidades na execução do orçamento secreto.

– Determinar a responsabilidade criminal de parlamentares, servidores públicos e outros envolvidos em eventuais ilícitos.

Até agora, os inquéritos existentes sobre orçamento secreto eram destinados apenas à apuração dos desvios de dinheiro nos locais de destinação, como, por exemplo, prefeituras e estatais como a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) e Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS). 

Coincidentemente, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagraram, nesta segunda-feira, a segunda fase da Operação Overclean para desarticular organização criminosa responsável por desvios no DNOCS, com movimentação de recursos de 1,4 bilhão de reais. Foi nesta apuração que a Polícia Federal flagrou a movimentação de mala de dinheiro com mais de 1 milhão de reais, entre um dos investigados, citada por Dino na decisão.

Na decisão, Flávio Dino também determinou a suspensão do pagamento das 5.449 emendas de comissão (RP 8) indicadas no Ofício nº 1.4335.458/2024, que totalizam R$ 4,2 bilhões, até que a Câmara cumpra as seguintes determinações:

– Publicar em seu site, no prazo de 5 dias corridos, as Atas das reuniões das Comissões Permanentes nas quais as emendas foram aprovadas. Ao lado de cada emenda (RP 8) informada no Ofício nº 1.4335.458/2024, deve ser indicada a Ata exata em que consta a aprovação da emenda, para cotejo. Cada Ata também deve indicar o meio que foi utilizado para a sua publicidade na época de sua produção e aprovação.

– Encaminhar à Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Poder Executivo, por ofício, cópia de todas as Atas das reuniões das Comissões Permanentes. A Câmara deve informar nos autos o cumprimento da determinação, com a indicação do link de acesso para as informações e cópia do ofício enviado à SRI, para nova deliberação judicial.

O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, declarou em entrevista à GloboNews nesta manhã que o governo cumprirá integralmente o pedido para suspender o pagamento de 4,2 bilhões de reais em emendas.

Em seu despacho, Dino enfatizou também que a execução das emendas parlamentares de 2025 só será possível após a conclusão de todas as medidas já ordenadas pelo STF, incluindo a adequação dos portais de transparência e o registro completo das informações sobre as emendas. Nesse ponto, Dino faz uma cobrança não ao Legislativo, mas ao Executivo: o Ministério da Saúde e os municípios devem agir para criar contas bancárias específicas para o repasse das emendas fundo a fundo na saúde. 

O relator também agendou audiências de conciliação para fevereiro e março de 2025, com o objetivo de promover um diálogo institucional produtivo sobre o tema.

*O jornalista Breno Pires é autor da primeira reportagem sobre o orçamento secreto no jornal O Estado de S. Paulo

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