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questões cinematográficas

Direto.doc em Belo Horizonte – granulação e ruídos (II)

Glaura Cardoso Vale, uma das organizadoras e coordenadoras do forumdoc.bh 2010, iniciativa da Associação Filmes de Quintal que termina domingo, completa o relato, iniciado no último post, sobre a mesa redonda do dia 20 dedicada ao cinema direto

| 26 nov 2010_21h39
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Glaura Cardoso Vale, uma das organizadoras e coordenadoras do forumdoc.bh 2010, iniciativa da Associação Filmes de Quintal que termina domingo, completa o relato, iniciado no último post, sobre a mesa redonda do dia 20 dedicada ao cinema direto. Agradeço a colaboração da Glaura. Ela, por sua vez, dedica seu texto a todos que realizam o forumdoc.bh. 



Filmar o mundo independente da presença da câmera. Um filme verdadeiro consegue entrar no mundo verdadeiro. O mundo real não tem granulação, como também não tem os ruídos da câmera digital. Cada vez mais surgem novas tecnologias que nos possibilitam novas formas de captar a realidade, diz Pincus, com um largo sorriso e com os olhos atentos, olhos de quem trilhou a estrada larga, para lembrar mais uma vez Walt Whitman. Uma das lições do cinema direto de Pincus de que podemos tomar nota é a generosidade do cineasta perante o mundo. E nos perguntamos: é o cineasta que observa o mundo ou é o mundo que o observa? Conscientes de que o mundo existe independentemente da câmera e despidos das nossas verdades podemos empreender um olhar mais aguçado e perspicaz, um olhar menos direcionado, menos ideológico, mas não por isso menos político. Filmar é também uma forma de experimentar a realidade. 



Sobre o motivo de “Faces” estar dentre os filmes da mostra, Paulo Maia diz que a verdade do cinema de Cassavetes é filmar a representação dos atores. Pincus complementa dizendo que Cassavetes utilizava o equipamento para redefinir o teatro, que havia experimentos no cinema com atores que conversavam com a platéia. A intenção era fragmentar a parede invisível entre os atores e a platéia.    



João Salles, lembrando Wiseman, diz que para este o cinema direto existe em algum lugar entre a tela e a platéia. Um cinema menos eficiente com relação à doutrinação ideológica. Resta saber se é uma valorização do espectador e uma tomada de consciência do cineasta como mais uma peça nesta construção de realidades. 



Com mudança de planos desconcertantes – comentário de Cláudia Mesquita durante a exibição de “High school” –  temos a certeza de que o mundo conformado está dentro das instituições, e que para as pessoas que as gerenciam não há e não pode haver outra verdade a não ser a regra. Aula de francês, culinária, datilografia, moda, educação física, literatura. Não há diferença, tudo parece a mesma coisa. A postura e formalidade dos professores de “High school” é a mesma independente de suas escolhas. Como se não houvesse alteridade. Como se no mundo não coubesse a diferença. A professora coloca uma música de Paul Simon depois de ler o poema. Do aparelho de som, a câmera migra para os corredores quase vazios, desolados, e a música persiste para além da aula. Talvez para mostrar a diferença entre ouvir e sentir. Se adaptar às regras parece ser uma questão de tempo. Num retrato cruel desta conformidade, um jovem diz em carta que se tornara apenas um corpo que sai para morrer na guerra, conforme lembra Salles. 



Em Wiseman, todos encenam para a sociedade. Assim constata a mesa que se formou no dia 20 de novembro para debater o Direto.doc.



Pincus pergunta a Ruben Caixeta se ele vê etnografia nos filmes de Wiseman e ele diz que sim. “Wiseman faz uma etnografia das instituições modernas”.



Respondendo à questão se filmaria um inimigo, Pincus diz que só se submeteu a isso quando foi pago para fazer câmera: “eu gosto de filmar pessoas que eu possa amar, me relacionar e não alguém que eu tenha como inimigo. Tornar as pessoas mais adoráveis a partir dos meus filmes”.    



Existir antes de ser, despir-se de todos os seus preconceitos e filmar o mundo.  Olhar para as pequenas coisas que fazem este mundo.   



Durante a primeira semana, fomos tomados por essa forma de fazer cinema, tão sonhada pelos fundadores do forumdoc.bh, e que nos chega em 2010 com filmes que nos apresentam um mundo em que parece não sobrar nada, o mundo das instituições, mas também mundos possíveis, como o dos habitantes de um vilarejo cuja compreensão da vida soaria ingênua, não fosse o gesto cuidadoso de Perrault e Brault em captar e montar essa riqueza, também um mundo que confronta a própria língua, como em “Éloge Du Chiac”, e um mundo que quer trilhar um caminho independentemente das convenções sociais, como “One step away”.  Cabe ao cineasta fazer sua leitura do mundo e cuidar para que seu material não demonstre uma falsa impressão de que o mundo não existe para além do filme, e ao espectador julgar aquilo que vê, agora sem alguém a lhe dizer sobre como deve ver: “a pé e de coração leve enveredando pela estrada larga”.

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