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questões cinematográficas

Divertida mente (Inside out) – Raiva e Nojinho

Tristeza é uma das duas principais personagens de Inside out, o que realça a inadequação do título do filme no Brasil, mesmo a outra protagonista sendo Alegria. O quinteto titular de Divertida mente inclui Nojinho, Raiva e Medo, mas esse trio fica em segundo plano, apesar de também ter seus partidários entre as crianças.

| 25 jun 2015_17h32
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Tristeza é uma das duas principais personagens de , o que realça a inadequação do título do filme no Brasil, mesmo a outra protagonista sendo Alegria. O quinteto titular de Divertida mente inclui Nojinho, Raiva e Medo, mas esse trio fica em segundo plano, apesar de também ter seus partidários entre as crianças.

Tristeza é o fato de mais de 50% das salas de cinema do Brasil terem sido ocupadas na semana passada (18/6/2015) pelas estreias de apenas três filmes – Divertida menteDragon Ball Z – O Renascimento de Freeza e Jessabelle – O Passado Nunca Morre. Tristeza que aumenta contando os cinemas nos quais continuaram a serem exibidos Jurassic World – O mundo dos dinossauros, Terremoto – a falha de San Andreas e Tomorrowland – Um lugar onde nada é impossível. Juntos, os seis títulos ocupam, no momento, cerca de 80% do circuito exibidor do país.

Tristeza é Romance policial ser assistido por um único espectador, numa segunda-feira à tarde, no mesmo conjunto de salas que domingo passado (21/6/2015) estava repleto de crianças, mães, pais e avós, baldes de pipoca e refrigerantes, fazendo fila para ver Divertida mente, um produto “intensamente americano”, escreveu Anthony Lane na New Yorker (29/6/2015), “dirigido às ansiedades das aspirações da classe média”. Tristeza que cresce pensando no destino da maioria dos outros doze filmes brasileiros em cartaz, no Rio, em geral com apenas uma ou duas sessões por dia.

Tristeza é perceber que essa competição desigual entre filmes nacionais e superproduções estrangeiras, algumas, como é o caso de Divertida mente, produzidas por mais de 175 milhões de dólares, continua sendo o padrão, tendo deixado de provocar quaisquer reações dos produtores brasileiros e de ser objeto de medidas reguladoras por parte do governo.  

Tristeza é ser lembrado a cada ano que o Festival de Cannes se tornou uma plataforma privilegiada de lançamento de mega produções da Pixar Animation Studios, distribuídos pela Walt Disney Pictures. Tristeza que aumentou este ano diante da recepção eufórica dada a Divertida mente, considerado pelos jornalistas presentes um dos raros pontos alto do Festival.

Tristeza é a puerilidade de Divertida mente ser louvada por críticos supostamente adultos, como A.O.Scott, do New York Times. Quinta-feira passada (18/6/2015), véspera da estreia nos Estados Unidos e dia da estreia no Brasil depois de ter estreado mundialmente na véspera, na França, Scott escreveu que “ é um deleite absoluto – engraçado e charmoso, rápido e cheio de surpresas. É também uma defesa da dor, uma reflexão sobre a necessidade da melancolia revestida com as cores brilhantes do entretenimento. Para os espectadores mais moços será uma farra, enquanto os mais velhos do que Riley [a filha única de 11 anos cujos sentimentos são o tema de Divertida mente] provavelmente ficarão em lágrimas”. A tristeza se torna maior ao constatar que a premissa do filme é exaltada nesses termos por Scott: “Tristeza acaba não sendo rival de Alegria mas sua parceira. Nossa capacidade de sentir tristeza é o que estimula compaixão nos outros e empatia em nós mesmos. Não há crescimento sem perda, nem arte sem ansiedade.” Essa filosofia pedestre chega ao paroxismo na advertência publicada, em corpo menor, logo em seguida à crítica: “ tem classificação PG(Parental guidance suggested[Orientação paterna sugerida]). Crianças pequenas podem ficar moderadamente alarmadas em momentos, especialmente ao verem seus pais chorando durante os últimos 20 minutos.”

Tristeza grande é a possibilidade que algum ser humano adulto, mundo afora, chore durante os 20 minutos finais de Divertida mente.

Na crítica citada daNew Yorker, mesmo reconhecendo a rapidez de Divertida mente, Anthony Lane indica que “o tour guiado pelo diretor Pete Docter é tão eficiente que quase não paramos para pensar nos seus pressupostos”. Lane escreve que “assistiu ao filme com uma multidão de bom tamanho e notou um murmurejo de impaciência entre as crianças menores durante as cenas menos convencionais – como a jornada de Alegria e seus colegas através do Pensamento Abstrato, que primeiro os achata em formas geométricas 2-D e depois as torna meras linhas. [..] Eu senti nesses momentos”, prossegue Lane, “que estava seguindo a transcrição, feita por adultos muito inteligentes, das suas próprias teorizações – literal, frenética e exaustivamente mastigadas – sobre desenvolvimento humano, em vez da história de uma menina em crescimento.”

Para surpresa da mãe e dos avós, a filha e neta de 5 anos disse,  ao sair da sessão, queDivertida mente é sobre os pensamentos de uma menina e elegeu Nojinho como sua personagem preferida. O irmão mais velho dela, de 8 anos, em vez de Tristeza ou Alegria, escolheu Raiva como seu preferido. Pontos para Pete Docter, sem dúvida. Sem mencionar os cumprimentos devidos pela renda mundial na primeira semana de exibição: 154 milhões de dólares, sendo 73.5% no mercado americano.

Retificação: a mãe surpresa e zelosa citada acima pede para esclarecer o seguinte: quem disse que o filme é sobre os pensamentos de uma menina foi o filho mais velho, de 8 anos. A irmã menor, de 5, disse apenas que sua personagem preferida é Nojinho. O avô trocou as bolas ao escrever. Deve ser da idade. Ou da comoção provocada por Divertida mente.

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