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    Intervenção de Paula Cardoso em foto/reprodução de redes sociais

questões judiciais

Down no high society

Em duas das mais influentes famílias paulistanas, Scarpa e Goldman, briga por pensão alimentícia opõe a mãe e os avós paternos de uma criança

João Batista Jr. | 30 abr 2021_11h44
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A mais urgente e corriqueira das demandas no direito de família, a pensão alimentícia de um menor, vem contrapondo dois sobrenomes reluzentes da alta sociedade paulistana. De um lado, estão os Goldman. De outro, os Scarpa. No meio, um menino de 5 anos. Filha de Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo, a cineasta Paula Goldman teve a criança durante a união com o produtor rural Fernando Scarpa, que se estendeu de 2012 a 2018. O pai do garoto é filho da socialite Renata Scarpa e do empresário Luciano Leite Julião. A batalha, que se desenrola há dois anos, chama atenção sobretudo pelo alvo do processo: são os avós paternos do menino, e não o pai dele, que se encontram hoje sob a mira da Justiça.

Em maio de 2019, como seu ex-marido não ajudava com as despesas do garoto, Paula moveu uma ação de alimentos contra três pessoas. Ela solicitava uma pensão mensal de 13 mil reais, que deveria ser paga pelo ex-companheiro (1 mil reais) e pelos avós paternos (6 mil cada um). Em agosto do mesmo ano, a Justiça tirou os avós da disputa. O entendimento foi de que primeiro deveriam ser analisadas as condições financeiras do pai da criança.

Fernando acabou condenado a pagar 1 mil reais de pensão em abril de 2020 – pouco menos que o salário mínimo da época, fixado em 1.045 reais. A cifra, modesta para alguém cuja família possui uma casa que está sendo vendida por 60 milhões de reais, decorre do fato de o produtor rural alegar ter rendimentos muito baixos. Aos 43 anos, ele mora numa fazenda em Porto Feliz, no interior paulista, onde planta uvas para a produção de suco orgânico.

Como o valor estipulado da pensão não cobre nem 30% dos 3.300 reais que o menino gasta em mensalidade escolar, Paula iniciou um novo processo. Dessa vez, se voltou apenas contra os ex-sogros. Em junho de 2020, pediu aproximadamente 14 mil reais por mês, que deveriam ser pagos meio a meio pelos avós, divorciados. Também em junho, o Ministério Público deu parecer favorável à demanda, mas recomendou que a pensão fosse de 5 mil reais para cada uma das partes. Três meses depois, a Justiça se posicionou em prol do garoto, só que em caráter provisório e com um decréscimo no valor sugerido pelo MP. Os avós paternos teriam que rachar um total de 8 mil reais. Insatisfeitos, eles recorreram e conseguiram suspender os pagamentos. A criança, agora, recebe somente os 1 mil reais do pai.

No dia 15 de abril de 2021, houve uma audiência virtual de conciliação entre Paula e os ex-sogros. Não deu nada certo. O advogado dos avós paternos, Cassiano de Paula Campos, argumentou que a cineasta de 42 anos não se casou com nenhuma das partes, mas com o filho delas, que já morava na fazenda antes da união. No processo, há fotografias que mostram o sofisticado estilo de vida do casal: jantares em restaurantes badalados de São Paulo, como o Gero, aparições em festas black tie e prática de atividades esportivas caras, como o aeromodelismo.

Durante a audiência, o advogado dos avós paternos pediu que Deuzeni Goldman, a avó materna, também participe do rateio da pensão alimentícia. O caso está atualmente na fase de instrução, em que se levantarão os extratos bancários e as declarações de imposto de renda de todos os envolvidos. Na ação, o advogado dos avós paternos afirma que Paula quis dar “um golpe despudorado” quando requereu pensão aos ex-sogros. E que ela é “herdeira do conhecido político e ex-governador Alberto Goldman, certamente uma das maiores fortunas do Brasil”. Em razão do que considera uma agressão à sua família e sua filha, Deuzeni rompeu com Renata Scarpa.

Paula Goldman e Fernando Scarpa já tinham amigos em comum quando, em 2012, engataram um romance. Logo nas primeiras semanas de namoro, ele se mudou para a residência da cineasta, em São Paulo, mas os dois também costumavam ficar na fazenda do produtor rural. Inicialmente, depois da separação, se estabeleceu um relacionamento harmonioso entre as famílias. Paula, inclusive, almoçava duas vezes por semana com a ex-sogra. À medida que o menino crescia, porém, os gastos começaram a aumentar.

No primeiro semestre de 2019, Alberto Goldman ligou separadamente para Renata Scarpa e Luciano Julião pedindo que colaborassem com as despesas da criança. Julião havia bancado as mensalidades escolares do neto, no valor de 1.700 reais, quando o menino tinha 3 anos, mas suspendeu o auxílio espontâneo assim que Paula moveu a ação de alimentos. O político e Deuzeni passaram, então, a ajudar a cineasta. O casal recebia 5,5 mil reais pelo aluguel de um apartamento no bairro de Higienópolis. Com a separação da filha, os dois abriram mão do inquilino e puseram Paula e a criança no lugar dele. A cineasta pôde, assim, colocar sua antiga casa para alugar e começou a usar o dinheiro da locação.

O ex-governador, que chegou a presidir o PSDB, morreu de câncer em setembro de 2019. Ele deixou seis herdeiros: Deuzeni, a esposa, ficou com 50% do patrimônio, e os cinco filhos dividiram os outros 50% em partes iguais. Paula alega que, a partir de então, sua situação financeira piorou. Formada em cinema pela Faap, ela está fora do mercado audiovisual desde o nascimento do filho. No fim de 2020, a mãe e o menino deixaram o apartamento de Alberto, que foi colocado à venda. Os dois moram hoje num imóvel alugado na Zona Oeste de São Paulo. A locação custa 5 mil reais por mês (Paula ganha cerca de 7,5 mil reais com o aluguel de sua antiga casa).

“Por questões legais, não posso dar detalhes de um processo que está em segredo de Justiça. No entanto, afirmo que, segundo uma corrente forte do direito de família, uma criança precisa viver dentro dos parâmetros de seus pais, e não de seus avós. Fernando Scarpa sempre teve uma vida alternativa, de comer o que planta. Os avós só devem ser acionados em situações extremas, quando a criança passa necessidade, o que não é o caso”, ressalta o advogado Cassiano de Paula Campos. Lais Amaral de Andrade, advogada de Paula Goldman, também não fornece detalhes do processo. Diz apenas que está invocando o artigo 1.698 do novo Código Civil, em vigor desde 2003. “O artigo admite o pedido de pensão aos ascendentes caso os genitores não possam arcar total ou parcialmente com a subsistência do próprio filho”, explica. Em outubro de 2017, o Supremo Tribunal de Justiça aprovou uma súmula, a 596, que reitera a posição do novo Código Civil. “Antes de envolver os avós, segundo alguns juízes, é mandatório esgotar a análise sobre a condição econômica dos pais: não adianta acionar os avós de imediato porque não acatarão o pedido”, resume a advogada Fernanda Tartuce, autora do livro Processo Civil no Direito de Família: Teoria e Prática.

Raro no Brasil, o pagamento de pensão alimentícia pelos avós é menos incomum quando se trata de disputas entre famílias com poder aquisitivo elevado. Tartuce lembra que, nas classes baixas, os avós costumam ajudar os netos de maneira informal, principalmente se todos moram sob o mesmo teto. “Entrar na Justiça contra os avós é mais frequente quando os pais da criança não trabalhavam durante o casamento e viviam do patrimônio familiar.” Desde 2005, a advogada orienta o Departamento Jurídico XI de Agosto, instituição que presta assistência legal à população carente de São Paulo. “Nos últimos dezesseis anos, me recordo de pouquíssimas vezes em que genitoras pobres acionaram os avós paternos, igualmente pobres. Numa das ocasiões, o pai da criança havia se mandado para o Japão e deixado o filho à míngua.”

O Tribunal de Justiça de São Paulo não sabe informar quantas ações de alimentos têm envolvido avós. Mas o juiz Homero Maion, da 6ª Vara de Família, estima que casos do gênero representem 1% de todas as demandas por pensão alimentícia no estado. “O Código Civil prevê esse tipo de ação como forma de garantir o bem-estar dos menores. Por isso, mesmo que seja pouco usado, trata-se de um recurso muito importante”, avalia. Antes da pandemia, o Tribunal de Justiça paulista recebia até 17 mil ações de alimentos por mês. Já em março de 2021, o número de processos caiu para 9.236. A redução se justifica especialmente pelo fato de a crise sanitária ter empobrecido uma parcela significativa dos brasileiros. As mulheres estão sem dinheiro para contratar advogados ou sabem que os ex-parceiros não conseguirão assumir mais despesas neste momento. 

No dia seguinte à audiência de conciliação, em que nada foi conciliado, Renata Scarpa concedeu uma entrevista à revista Veja São Paulo para falar de seu novo ofício, o de influenciadora digital: “Resolvi me dedicar às mulheres maduras, com dicas de beleza e lifestyle.” A socialite tem 64 anos e 54 mil seguidores no Instagram, onde compartilha fotos ao lado dos irmãos Chiquinho e Fátima. Suas postagens de maior engajamento discorrem sobre etiqueta, organização e estética. Renata ensina como guardar taças de vinho, exibe sua coleção de corujas de cristal e se proclama apaixonada por seus pets: dois cachorros, um macaco-prego e uma alpaca chamada Timothy. A influencer adora publicar imagens de Timothy aparando os pelos num salão de beleza chique, com uma coleira cor de laranja.

Ela diz, no processo, que não tem condições de pagar pensão ao neto. Declara que sua família amarga muitas dívidas. Os Scarpa devem, por exemplo, 3 milhões de reais relativos ao IPTU de uma propriedade no Guarujá (SP). Na ação de alimentos, consta que, em agosto de 2020, Renata vendeu uma casa nos Jardins, um dos bairros mais ricos de São Paulo, por 15 milhões de reais, conforme a escritura do imóvel.

Embora Paula Goldman e os ex-sogros não se falem mais, a cineasta e o ex-marido mantêm boas relações. Não há data para uma nova audiência.

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