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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões ambientais

E se o Brasil sair do Acordo de Paris?

O que Bolsonaro precisa fazer para abandonar o tratado climático, e como o recuo ameaça a parceria comercial bilionária com a União Europeia

Bernardo Esteves | 16 out 2018_23h28
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O candidato a presidente Jair Bolsonaro, do PSL, afirmou em mais de uma ocasião ao longo da campanha a intenção de tirar o Brasil do Acordo de Paris. Assinado em 2015 por 195 países, o tratado foi o primeiro a reunir praticamente todas as nações em torno de compromissos para limitar o aquecimento global. A proposta não consta, porém, no programa de governo registrado por Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral – uma apresentação de slides que trata tangencialmente de questões ambientais. A campanha do candidato não retornou os pedidos da piauí de informações sobre seus planos para o meio ambiente e o aquecimento global.

Sair do Acordo de Paris seria um movimento extremo da parte do Brasil, mas não sem precedente. No ano passado o presidente Donald Trump anunciou que os Estados Unidos deixariam o Acordo de Paris, num movimento que deixou perplexa a opinião pública internacional. O governo americano comunicou a decisão às Nações Unidas, mas o país continua a fazer parte do acordo, cujas regras estipulam que a saída só se efetivará em novembro de 2020.

O mesmo prazo valeria para uma eventual decisão do Brasil de abandonar o tratado. Mas Bolsonaro teria um caminho mais complicado que o de Trump. Os diplomatas que elaboraram o Acordo de Paris tomaram o cuidado de formulá-lo de maneira que sua aprovação pelos Estados Unidos dispensasse uma consulta ao congresso, onde ele talvez fosse rechaçado. Por isso, Trump tampouco precisou submeter a medida ao parlamento.

No Brasil, a adesão ao acordo foi ratificada pelo Congresso em agosto de 2016, em meio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff (na Câmara, a aprovação foi unânime, incluindo Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, ambos filiados à época ao PSC). Da mesma forma, o processo de abandono do acordo precisaria ser aprovado por maioria simples na Câmara e no Senado.

Agora, quando se manifesta sobre o tema, Bolsonaro alega questões de soberania nacional para justificar sua intenção. Mas ele parece confundir o Acordo de Paris com a proposta de um grande corredor ecológico – o chamado Triplo A – que ligue os Andes ao Atlântico, passando pela Amazônia. “Uma vez confirmado [esse corredor ecológico], pelo Acordo de Paris, nós perderíamos a soberania nessa área, ou seja, perderíamos toda a região amazônica”, disse o candidato numa entrevista a jornalistas em Rondônia no fim de julho. Mas o candidato fala sem conhecimento de causa: não há, nas 27 páginas do Acordo de Paris, qualquer menção à Amazônia ou a esse corredor ecológico – que de fato foi cogitado, mas nunca saiu do papel (e nem sairia sem a adesão do Brasil).

O Acordo de Paris foi fruto de um processo de negociação iniciado na Eco-92, a conferência sobre o meio ambiente realizada no Rio de Janeiro, que contou com participação ativa dos diplomatas brasileiros. “Vamos abrir mão do nosso papel de protagonista nas negociações”, disse à piauí o economista Francisco Gaetani, que foi secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e é presidente da Escola Nacional de Administração Pública. Gaetani disse que o país construiu credenciais ancorado numa política bem-sucedida de combate ao desmatamento. “No Acordo de Paris assumimos uma posição que o mundo inteiro achou ambiciosa”, afirmou. Abandoná-lo, continuou o economista, seria um “retrocesso absurdo”.

Em seu discurso na assembleia-geral da ONU realizada em setembro passado, o presidente da França, Emmanuel Macron, defendeu que os países que desrespeitassem o Acordo de Paris fossem excluídos de acordos comerciais. “A fala de Macron deveria chamar a atenção dos ruralistas brasileiros que torcem pela eleição do Bolsonaro e por sua licença para destruir sem preocupação”, afirmou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma coalizão que reúne dezenas de ONGs da área ambiental. Para ele, abandonar o tratado climático seria um tiro no pé para os interesses econômicos do Brasil. Uma tal decisão poderia comprometer o acordo comercial que o Mercosul está negociando atualmente com a União Europeia, com o potencial de movimentar dezenas de bilhões de euros anualmente. “Quando o bife e a saca de soja brasileira chegarem à Europa e os importadores e consumidores souberem que estão associados ao aumento do desmatamento, à emissão de gases do efeito-estufa ou à violência, não vão querer comprar”, afirmou o ambientalista. “O Brasil vai perder mercados.”

 

Sair do acordo climático não é a única medida aventada por Jair Bolsonaro que provoca calafrios nos ambientalistas. Seu plano de governo defende flexibilizar o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura, e ele já afirmou que pretende fundir o Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente, dando a entender que este seria subordinado àquele. O candidato disse em campanha que o Brasil tem áreas de proteção ambiental em excesso e tem sinalizado que deve suspender a demarcação de terras indígenas. Defende também a exploração dos recursos naturais encontrados nessas áreas – fala que soa como música aos ouvidos daqueles que estão de olho nos minérios presentes em reservas como a Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Bolsonaro tem um histórico de desavenças com órgãos de fiscalização ambiental no país como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Depois de ter sido multado em 10 mil reais pelo Ibama por pesca irregular em 2012, o deputado propôs um projeto de lei que proibia o uso de armas de fogo pelos fiscais ambientais, uma proteção de que se valem no trato com caçadores e desmatadores em áreas remotas (a proposta soa surpreendente vinda de um deputado que sempre defendeu que os cidadãos pudessem se armar). Durante a campanha, tem dito que pretende acabar com a “indústria das multas ambientais do Ibama e do ICMBio”.

As posições de Bolsonaro sobre o tema foram repudiadas numa carta aberta assinada por servidores públicos federais da área ambiental, divulgada três dias depois do primeiro turno. Mas os opositores à sua política ambiental têm motivo para se preocupar. “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, declarou o candidato na noite do primeiro turno.

 

A intenção de abandonar o Acordo de Paris ecoa declarações dos filhos de Bolsonaro que contestam a existência do aquecimento global, na contramão do que sustentam praticamente todos os cientistas que estudam o clima. Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro, faz posts irônicos nas redes sociais em dias de inverno de muito frio. “O aquecimento global proporcionando o dia mais frio do ano no Rio de Janeiro!”, escreveu o parlamentar em julho de 2017.

Em janeiro, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo estado de São Paulo, publicou um vídeo em que, vestindo um gorro em meio a uma paisagem com neve nos Estados Unidos, afirma que o aquecimento global é uma mentira. Mas a ocorrência de dias de frio extremo não é incompatível com o aumento da temperatura média da superfície do planeta: medições robustas ao redor do globo mostram que esse aumento foi de quase 1ºC desde a Revolução Industrial no século XIX.

O desprezo pelo conhecimento especializado não é novidade na trajetória de Jair Bolsonaro. Um dos raros projetos de lei aprovados pelo deputado em seus sete mandatos na Câmara – que depois teve sua validade suspensa pelo Supremo Tribunal Federal – autorizava a produção e uso da fosfoetanolamina (a “pílula do câncer”), a despeito da falta de evidências clínicas da sua segurança ou eficácia em pacientes humanos.

No caso do aquecimento global, um reforço da convicção dos cientistas veio por ironia logo no dia seguinte ao primeiro turno da eleição presidencial. Nessa data foi divulgado um novo relatório do IPCC, o painel da ONU que reúne pesquisadores do aquecimento global de todo o mundo. Elaborado por 91 especialistas de 40 países, incluindo o Brasil, o relatório foi o primeiro elaborado pelo IPCC após a assinatura do Acordo de Paris, nos quais os países signatários se comprometeram a limitar a 2ºC o aumento da temperatura média desde 1850, esforçando-se para mantê-lo abaixo de 1,5ºC. “Ficou bem claro que tem uma diferença grande entre um mundo com 1,5 ou 2 graus de aquecimento”, disse o engenheiro florestal Fabio Scarano, pesquisador da UFRJ e coautor do relatório anterior do IPCC, de 2014. “Um mundo com 1,5ºC a mais é tolerável, mas com 2ºC já não dá”, continuou. “Temos muito pouco espaço para erro.”

Com o aquecimento, afirmam os autores, virá um pacote que inclui mais incêndios, secas e inundações, espécies deslocadas ou extintas, uma maior disseminação de vetores de doenças e impactos na produção de alimentos. “Tomara que o relatório nos dê o senso de urgência que até hoje não temos tido”, disse Scarano. O pesquisador espera que os candidatos a presidente leiam o documento e debatam o aquecimento global no segundo turno. “Não dá para ficar fazendo bravata ou especulação. Ouçam quem entende.”

O relatório do IPCC concluiu que é tecnicamente possível manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC, mas isso requer uma transformação profunda da economia global num curto intervalo de tempo, com um custo de dezenas de trilhões de dólares até 2050. Para os recifes de corais, a diferença não bastará: a previsão é que até 90% deles sejam dizimados se a temperatura aumentar 1,5ºC. Caso as emissões de gases do efeito estufa se mantenham nos níveis atuais, chegaremos lá em 2040. Eduardo Bolsonaro estará com 56 anos; seu irmão Carlos, com 58.

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