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    Paes celebra a reeleição em primeiro turno na residência oficial, a Gávea Pequena, no Alto da Boa Vista Amanda Gorziza

vultos do voto

Tem um vice nesta foto

A trajetória de Eduardo Cavaliere, o colega de chapa que Eduardo Paes escondeu na campanha

Amanda Gorziza, do Rio de Janeiro | 06 out 2024_20h39
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Em seu discurso da vitória, no domingo à noite, o prefeito  Eduardo Paes (reeleito no Rio de Janeiro com 60,47% dos votos válidos) brincou que seu vice Eduardo Cavaliere estava “nervoso” porque não tem mais 29 anos. “Está um velho.” Depois disse que ele tem “uma cabeça antiquada, conservadora”.

A troça (única citação do nome do colega de chapa) veio logo depois de afirmar que continuará na prefeitura nos próximos quatro anos (“minha promessa está de pé”), afastando rumores de que deseja se candidatar a governador na próxima eleição e que deixará a cidade nas mãos daquele que se tornaria o prefeito mais jovem da história do Rio, com 31 anos.

A cena do vice espremido no palco atrás de Paes, eclipsado no discurso, enquanto outros políticos ladeavam o governante com muito mais destaque, é significativa. O jovem passou os últimos meses aparecendo pouco, para não dizer quase nada, na corrida eleitoral.


Em uma carreata de Paes no sábado, 28 de setembro, Cavaliere (PSD), ficou no fundo do trio elétrico que passava pelas ruas de Padre Miguel, na Zona Oeste. Eram cerca de vinte pessoas em cima do carro, entre elas o deputado federal Pedro Paulo (PSD), a candidata a vereadora Joyce Trindade (PSD, eleita neste domingo) e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB). Cavaliere acenou aos apoiadores, mas se misturou no grupo, sem chamar a atenção.

No dia seguinte, completou 30 anos de idade. Na Rocinha, Paes fez uma caminhada na Via Ápia. O locutor avisou que era o aniversário de Cavaliere e pediu aos presentes para cantarem “Parabéns” quando ele chegasse. Uma mulher que passava pela rua fazendo propaganda política perguntou “aniversário de quem?”. O homem ao lado a olhou com cara de quem não tinha a mais vaga ideia. Continuaram sem saber, pois Cavaliere não apareceu nessa agenda (estava percorrendo a cidade em outras ações da campanha). Paes não fez nenhum post celebrando a data do parceiro, apesar de ter compartilhado stories de outras pessoas com essa menção. 

A estratégia de discrição do vice da chapa vencedora vem desde a sua nomeação no início de agosto, quando Pedro Paulo, a primeira opção, abandonou a corrida alegando ter um vídeo pessoal dele que poderia ser explorado durante a campanha eleitoral. Paulo confirmou em entrevistas ter agredido fisicamente a ex-esposa em 2010. Ela depois mudou a versão e o processo foi arquivado. Na manhã de terça-feira, dia 8, ele ligou para a reportagem, disse que nunca a agrediu e que “houve um desentendimento, o que não significa agressão física”. A definição do vice foi informada por Paes a Lula durante uma reunião em Brasília, no dia 1º de agosto, já que o PT pleiteava a vaga (Anielle Franco era cogitada). O prefeito, no entanto, optou por uma chapa puro-sangue do PSD com um nome de sua confiança. Cavaliere foi Secretário do Meio Ambiente e da Casa Civil na gestão do prefeito e eleito deputado estadual com seu apoio. Mesmo assim, muito pouco, para não dizer nada, se falou sobre ele na corrida eleitoral.

“Cavaliere não foi mencionado na campanha porque não acrescenta nada, não tem propriamente uma base eleitoral dele e não tem uma entourage política. Não traz consigo muitos vereadores e lideranças de bairro. É alguém que fala muito mais de uma ausência do que oferta presenças”, afirma Mayra Goulart, professora de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (LAPPCOM). “A indicação dele como vice é sintoma de uma dificuldade do Eduardo Paes de indicar alguém que não esteja sob seu estrito controle, com uma carreira política própria e autônoma. Essa seria uma pessoa com quem ele precisaria negociar e ceder.” Ela ressalta que a opção por Pedro Paulo ia na mesma linha. Este tem toda a trajetória associada à figura do prefeito e portanto “lhe deve uma lealdade quase que automática”.

Ao escolhê-lo, Paes abriu mão de atrair um vice de outro partido que se comprometesse com a sua eleição, em meio ao franco favoritismo nas pesquisas. Com o crescimento de Alexandre Ramagem (PL) nas pesquisas das últimas semanas, partidos do espectro mais à direita que inicialmente não estavam comprometidos nem a ele e nem a Paes, através de uma vice, podem liberar informalmente suas bases para votarem no candidato da extrema direita. O prefeito chegou a articular com o Republicanos no boca a boca, mas sem amarrar o partido com a figura de um vice. A mesma situação ocorreu com as lideranças evangélicas.

Uma vez instalado como vice no Palácio da Cidade, porém, Cavaliere estará longe de ser uma figura neutra. Pessoas ligadas à administração municipal ouvidas pela piauí o elogiam pela experiência em gestão e o criticam pela inexperiência política. Neste último ponto, não falam apenas em tempo de serviço, mas nas dificuldades de jogar o jogo das articulações. Falta interlocução com vereadores e deputados estaduais, é acusado de não entregar alguns combinados para eles e para muitos “falta trato” no diálogo com os outros políticos (que, como se sabe, são uns príncipes) e também com seus funcionários. “É uma lógica de mimado, tratado como o 01”, disse um parlamentar que preferiu não se identificar. Em parte, o próprio Paes desenhou essa dinâmica. Na Casa Civil, o prefeito o escalou para ser o secretário que fala “não” – e isso gerou desgastes. Apesar de ter apenas 30 anos, ele tem um estilo de alguém mais velho.

Durante a campanha, Cavaliere não falou com a imprensa. Mas na última terça-feira (1), em uma agenda de campanha em Tomás Coelho, na Zona Norte, bairro em que foi mais votado em 2022 para deputado estadual, o candidato a vice conversou com a piauí, mas pediu para que não fossem citadas declarações suas entre aspas. Quando perguntado sobre sua ínfima presença na campanha de Paes, ele se mostrou conformado com sua posição. Disse que o seu papel foi ser candidato a vice, e candidato a vice não fala e não cria problema, e foi o que procurou fazer. 

No meio da conversa, um morador do bairro, conhecido de Cavaliere, o abordou, chamando-o de “meu futuro prefeito”. Sobre esse tema, ele diz que não tem qualquer ansiedade, já que está com 30 anos de idade e o tempo a seu favor. Falou que antes de 2028 ainda haverá a eleição para o governo do estado em 2026 e que é preciso aguardar o que o partido decidirá.

 

Nascido no Rio, em uma família em que a mãe era da Zona Norte e o pai do Leblon (hoje são divorciados), nunca lhe faltaram oportunidades. Estudou no Colégio Santo Agostinho, uma das escolas mais caras da cidade. Cursou o 1º ano do ensino fundamental na sede do Leblon e, um ano depois, ao se mudar para o Recreio dos Bandeirantes, pediu transferência para a filial na Barra da Tijuca. Era um dos alunos com a nota mais alta da sala. 

Graduou-se em direito com concentração em matemática aplicada, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde teve bolsa de estudos pelo desempenho acadêmico. No final da graduação, fez um intercâmbio de um ano para Pequim, onde se especializou em desenvolvimento de tecnologias. Durante esse período na China, conheceu Otávio Miranda, que veio a ser seu parceiro na criação da startup Gabriel, empresa de videomonitoramento que espalhou tótens de vigilância particulares por bairros de grandes metrópoles e criou uma rede de informações “clandestinas” pelo WhatsApp com a polícia do Rio, como mostrou esta reportagem do Intercept Brasil. A empresa diz que, quando a reportagem foi publicada, já havia transformado a comunicação com as polícias em algo formal, para que pudessem solicitar imagens úteis a investigações.

Antes disso, ambos participaram da fundação da Brasa Ásia, primeira organização de estudantes brasileiros oficialmente registrada no continente asiático. Em 2017, organizado pela FGV em parceria com a Universidade de Pequim e com a Brasa Ásia, criaram um evento chamado Fórum Brazil+China Challenge, “nos moldes da Brazil Conference, mas com a agenda do outro lado da moeda”, segundo Miranda. 

O professor de direito da FGV Gustavo Schmidt apresentou Paes para Cavaliere, a fim de que o atual vice-prefeito o convidasse para o evento na China, mas Paes não disponibilizou um espaço na agenda. No final do ano, Cavaliere e Miranda foram a Washington participar de uma conferência da Brasa e então conheceram Paes pessoalmente. Jantaram com o político e ambos sinalizaram que, se ele se candidatasse ao governo do estado em 2018, se demitiriam para trabalhar na campanha. No começo de 2018, Paes efetivou esse convite. “Do dia zero em que conheci o Cavaliere, a meta dele era entrar pra política”, disse Miranda, que elogia as ideias do amigo, à piauí. “Ele tem opinião sobre tudo. Qualquer coisa que discutir, ele tem uma opinião formada sobre o assunto.”

Em 2018, ano em que fez 24 anos, Cavaliere auxiliou na elaboração do plano de governo estadual de Paes, que perdeu a disputa para Wilson Witzel, então no PSC. O jovem passou então um ano no Circo Crescer e Viver, no bairro Cidade Nova, para ajudar a pensar novos modelos de negócio para o local. Neste mesmo ano, retornou à China para a produção da série Expresso Futuro, de Ronaldo Lemos, exibida no Fantástico. A Gabriel foi fundada no final de 2019, em sociedade com Miranda e Erick Coser. Ambos seguiam sócios, enquanto Cavaliere virou secretário municipal de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro. Essa movimentação é semelhante ao que César Maia fez em 2001 ao colocar Eduardo Paes como secretário da mesma pasta. Cavaliere não tinha experiência na área ambiental, mas aproveitou essa experiência como plataforma da eleição para deputado estadual na eleição seguinte. Foi eleito com 33.688 votos e em janeiro de 2023 deixou o posto para virar secretário da Casa Civil, função na qual permaneceu até junho.

De volta à casa, escreveu dois projetos para a concessão da medalha Tiradentes destinada a pessoas e entidades que prestaram serviços relevantes à causa pública do Estado do Rio de Janeiro a Sidnei Gonzalez, diretor da FGV Conhecimento, e Julia Dias Leite, diretora-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, e do título de benemérito ao ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. As três propostas ainda não tramitaram na Alerj. 

Sidnei Gonzalez, segundo investigação da Polícia Federal, recebeu 20,6 milhões de reais da FGV por meio de empresas de fachada. Ao menos uma dessas empresas, aponta a PF, remeteu dinheiro ilegalmente para o exterior, sobretudo para Portugal, onde Gonzalez tem imóveis – um deles, por coincidência, fica no mesmo prédio onde o ministro Gilmar Mendes, do STF, tem apartamento, em Lisboa. Uma reportagem publicada em março deste ano na piauí revelou como a FGV enterrou investigações de corrupção de seus diretores.

Paes e Cavaliere têm mais algumas semelhanças além do primeiro nome. Ambos estudaram no Santo Agostinho, se formaram em direito, começaram cedo na política, se vestem de forma parecida. No encontro com a piauí em agenda de campanha, o vice brincou que ele passou no exame da OAB e Paes não realizou a prova.

Para os aliados, o novato é uma aposta. “Paes escolheu um cara do time que tem possibilidade de dar continuidade na gestão. É uma aposta para o futuro, talvez para 2028. É comprometido, disciplinado e tem ações inovadoras”, diz Daniel Soranz, secretário de saúde do município e integrante do grupo de confiança do prefeito.

Junior Perim, ex-secretário de cultura na gestão Paes, em 2016, e amigo do vice, diz que este “sabe esperar a vez” e que “será um corte na dinâmica política no Rio”, por trazer um olhar para inovação, mas pontua que ele não tem o swing do prefeito.

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