Camiseta de alunos do Centro Educacional Uirapuru (CEU), com slogan do candidato à reeleição Jair Bolsonaro
Assédio eleitoral dentro da escola
Colégio da Bahia faz camiseta com slogan de campanha de Bolsonaro
Há um mês, os responsáveis pelos alunos do Centro Educacional Uirapuru (CEU) foram avisados de uma mudança no uniforme a ser usado durante a gincana. A escola no bairro de Periperi, Subúrbio Ferroviário de Salvador, informou que a camiseta da competição seria repaginada, mas manteve em segredo a alteração. Na última segunda-feira (17), mães e pais se surpreenderam ao receber os filhos em casa com uma blusa com a bandeira brasileira e o slogan do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Insatisfeitos, parte dos pais e responsáveis levaram o caso ao Ministério Público do Estado da Bahia, acusando a escola, que é particular, de utilizar a imagem das crianças para fazer campanha em prol de Bolsonaro. O MP vai apurar possíveis crimes eleitorais de coação e captação ilícita de votos ou corrupção eleitoral. O órgão afirmou não ter recebido outras queixas relacionadas ao assunto. A Procuradoria-Geral Eleitoral afirmou que não poderia informar quantas denúncias de crimes eleitorais praticados em escolas recebeu pelo país, já que o banco de dados da instituição não possui aba específica para tratar o assunto. Cada procurador, então, escolhe uma categoria.
Em uma foto enviada à piauí, seis alunos posam sorridentes vestidos de verde e amarelo, com o mantra bolsonarista impresso na blusa, que custou 30 reais e deve ser paga junto à mensalidade deste mês. Os alunos não sabiam como seria a camiseta até o último dia 17, quando ela foi entregue pela escola aos estudantes.
Questionado por mães e pais, o CEU pediu desculpas e respondeu que a estampa não tinha pretensões políticas, era apenas uma divulgação da imagem do Brasil em época de Copa do Mundo. Antes de a camiseta ser entregue para uso na gincana, Thiago Ramos, 21, diz ter estranhado o comportamento do irmão menor, aluno do estabelecimento, e colegas dele.
“Eles já tinham chegado com aquela música de campanha de Bolsonaro. A gente já achou estranho, mas ele disse que aprendeu na escola com Tiktok. Mas quando vimos a farda… Tem mães que não estão deixando usar, mas a escola diz que a camisa é farda, e os estudantes usam por medo de perder ponto”, conta Ramos, supervisor de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Salvador.
O centro educacional onde o irmão dele estuda está localizado na 4ª zona eleitoral. Foi nessa zona que o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve a terceira maior votação na capital baiana, 70,40% dos votos. Reúne crianças do pré-infantil ao último ano do ensino fundamental.
“Eles disseram que seria uma farda da gincana, não deixaram a gente ver, quando a gente viu, as crianças estavam usando”, falou outra mãe, que pediu para não ser identificada temendo que o filho seja prejudicado. A piauí tentou contato com a diretora da escola, que não retornou as ligações nem respondeu as mensagens. O espaço segue aberto.
Não é a primeira vez que escolas são acusadas de utilizarem a imagem de alunos com fins eleitorais. No dia 8 de outubro, o músico Admilson Paiva registrou Boletim de Ocorrência na Delegacia da Criança e do Adolescente, no Distrito Federal, contra uma escola que levou alunos, entre eles sua filha, a uma visita a Bolsonaro, no Palácio da Alvorada.
Aos pais e mães dos estudantes, a escola havia comunicado que produziria um videoclipe em homenagem à Copa do Mundo, em “pontos centrais de Brasília”, no dia 7 de outubro, e por isso as crianças deveriam vestir verde e amarelo. Só esqueceu de mencionar a visita ao presidente.
Essa parte da história seria descoberta depois de uma publicação de Fábio Wajngarten, coordenador da campanha de Bolsonaro. Em um vídeo publicado por ele naquela tarde, o presidente aparece com crianças cantando uma música de apoio à seleção brasileira. O colégio CCI foi questionado pela piauí sobre o uso da imagem dos alunos, mas não respondeu. A postagem de Wajngarten continua no ar, com 32 mil curtidas no Twitter.
O uso de material e uniforme partidário em escolas e a utilização de imagem de crianças, sem consentimento dos pais, para fins eleitorais fere ao menos três legislações, explica Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São elas: a lei eleitoral, devido ao uso da autoridade (a escola) para fins particulares (campanha em prol de um candidato), o Estatuto da Criança e Adolescente, pelo uso da imagem e desrespeito à identidade de crianças e adolescentes, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelo desrespeito à liberdade pedagógica.
“É a explicitação da política educacional bolsonarista, que lança mão de agendas que opõem as ciências da educação ao método da disciplina autoritária”, afirmou Cara, que vê nos casos registrados em Salvador e Brasília uma tentativa de redução da educação a uma “propaganda bolsonarista”.
Em Varginha, no Sul de Minas Gerais, alunos do Colégio Adventista acusam a unidade de ter feito propaganda bolsonarista. A escola produziu uma blusa da seleção brasileira tendo nas costas o número de urna de Bolsonaro. A camiseta deveria ser utilizada nas sextas-feiras de novembro e nos dias dos jogos do Brasil na Copa do Mundo. Como aconteceu em Salvador, o colégio avisou sobre a confecção de uma nova camisa, ao custo de 30 reais. No dia 16 de outubro, um domingo, alunos e professores utilizaram a blusa em uma amostra cultural.
“O primeiro que vi com a camiseta foi o diretor. Pensei: ‘não é possível.’ Daí saí e vi mais pessoas e fiquei chocada”, contou, sob anonimato, a mãe de um adolescente que não quis encomendar a blusa. Segundo ela, o filho evita usar as cores do Brasil, diz que estão “associadas a Bolsonaro”.
Na manhã da última sexta-feira (21), depois de reunião entre o Sindicato dos Professores de Minas Gerais em Varginha, o Colégio Adventista de Varginha, e a Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, ficou decidido que o colégio receberá de volta todas as camisetas – dos professores, que acusam a escola de assédio eleitoral, e dos alunos.
Para o colégio, que se pronunciou por meio de nota, a blusa é uma forma de celebrar a Copa do Mundo e não teve ligação com atividade política. Quanto ao número “22”, seria uma menção ao ano de 2022, não ao presidente. O juiz Wagner Aristides Pereira, da zona 281 da Justiça Eleitoral, entendeu que a camiseta “pode incutir, indiscutivelmente, referência a Bolsonaro”. Arquivou a denúncia depois que a escola afirmou A escola afirmou ainda que a adesão foi voluntária e que o modelo da camiseta foi divulgado com antecedência.
Nos anos anteriores à Copa do Mundo, a escola mineira produziu camisetas com as cores do Brasil, mas, nas costas, utilizou o ano em quatro algarismos. No último torneio, por exemplo, as blusas traziam “2018”, não o número “18”. Naquele ano, Bolsonaro concorreu com o número de urna “17”. O “18” era da candidata Marina Silva (Rede).
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Reportagem atualizada em 28 de outubro de 2022
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