Bolsonaro com a equipe do Pânico: em agosto, o presidente participou de uma conversa na "sabatina" do programa - Foto: Reprodução/Jair Bolsonaro
Campanha de Lula pede que TSE investigue Jovem Pan
Coligação liderada pelo petista protocolou ação questionando falta de isonomia da emissora
A coligação Brasil da Esperança, composta pelo PT e pelos nove partidos que apoiam a candidatura Lula-Alckmin, protocolou hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) contra os canais Jovem Pan, presentes na tevê paga, no sistema UHF e nas rádios, alegando falta de isonomia da emissora na cobertura eleitoral. A coligação argumenta que a cobertura da Jovem Pan é amplamente favorável a Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, e desfavorável à candidatura de Lula, veiculando, inclusive, notícias falsas a respeito do petista. A ação pede, em caráter liminar, que a rede passe a dar cobertura isonômica aos candidatos sob pena de multa, prevista no novo código eleitoral.
Os advogados da campanha do petista listaram episódios de programas como Morning Show, 3 em 1 e Os Pingos nos Is em que comentaristas fazem ataques sistemáticos ao petista e elogios a Bolsonaro. Um dos comentários listados na ação foi feito por Zoe Martinez, no Morning Show: “Agora não é questão de direita e esquerda. É uma questão de caráter. Não tem mais como votar no Lula por inocência. Ou você tem caráter ou você não tem. É inadmissível uma pessoa que tem caráter apoiar e continuar fazendo campanha para o Lula hoje”, disse Martinez, na semana após o primeiro turno, em que o petista liderou a votação com mais de 48% dos votos.
Outro comentário, de Ana Paula Henkel, no Pingos nos Is, enaltece Bolsonaro ao compará-lo com Lula. Diz que o petista “quer censura” e “não consegue sair nas ruas”, enquanto o atual presidente “com um discurso muito orgânico, muito natural” consegue “levar multidões às ruas e também nas praças virtuais”. Num outro episódio, Henkel exalta mais características de Bolsonaro em seus discursos: “Ele mostra a floresta, o todo do que significa a volta da esquerda no Brasil, o Foro de São Paulo, os ditadores que o ex-presidente e ex-presidiário tem esse conchavo: Nicarágua, Venezuela, ditadores africanos.” O comentarista Roberto Motta, também no Pingos nos Is, diz que Bolsonaro está “defendendo a liberdade e os demais defendendo o consenso populista progressista de esquerda”.
A ação também cita um episódio do Pingos nos Is em que são exibidos trechos de comícios de Bolsonaro, com comentários elogiosos a cada inserção, sem dar o mesmo espaço aos demais concorrentes. Em outro programa, há insinuações sem provas sobre a ligação de Lula com a morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, e sobre uma suposta relação entre o PT e o crime organizado. Na ação também constam insinuações, sem provas, de que institutos de pesquisa favorecem deliberadamente candidatos de esquerda. “Qual pesquisa funciona? A gente vai descobrir quando estiver chegando mais perto das eleições. O que a gente sabe é que vários desses institutos […] erraram e erraram muito nas eleições passadas. E sempre na mesma direção, só erram para esquerda”, afirmou o comentarista Paulo Figueiredo no programa Morning Show.
Desde junho a Jovem Pan escalou o advogado Alexandre Fidalgo para dar orientações às equipes de seus programas sobre como seguir as regras previstas na legislação eleitoral, que determina que concessões públicas de comunicação não podem ser usadas em benefício de um ou outro candidato. Reuniões foram feitas com a participação de todos os comentaristas, ao longo dos últimos meses. O temor da direção era não apenas a exclusão de vídeos da programação no YouTube, mas a possibilidade de a emissora ser tirada do ar temporariamente pela Justiça Eleitoral. Desde o início da campanha, 27 vídeos com informações falsas foram excluídos a pedido da coligação Lula-Alckmin, alguns deles produzidos pela Jovem Pan. A campanha também protocolou representações pedindo direito de resposta, mas apenas uma delas foi julgada pelo TSE, sobre um suposto conluio entre a justiça eleitoral e o PT, para beneficiar Lula. O tribunal determinou que o desmentido fosse exibido por 48 dias.
Em outra estratégia de contenção de danos, a direção da emissora não escalou os comentaristas do Pingos Nos Is para sabatinas com candidatos. Mas, ao longo da programação, os ataques ao PT e a Lula e os elogios a Bolsonaro seguiram na mesma toada. Internamente, comentaristas alegam que não terão sua opinião cerceada. Como consequência, candidatos petistas atacados ao longo da programação têm se negado a dar entrevistas aos programas da Jovem Pan, o que acaba por ampliar ainda mais o espaço dado aos expoentes do bolsonarismo. No programa Pânico, em agosto, Bolsonaro falou por quase 3 horas sem ser contestado e o vídeo da entrevista já soma mais de 3,5 milhões de visualizações no YouTube. Depois, o presidente postou nas redes sociais imagens feitas durante a gravação. A piauí_191 fez extensa investigação sobre a radicalização da Jovem Pan e sua adesão ao bolsonarismo. Trechos da reportagem foram reproduzidos na ação protocolada no TSE.
Segundo o documento, ao qual a piauí teve acesso, a coligação pede que Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, dono da emissora, seja investigado por “uso abusivo de meios de comunicação” e que termine o “tratamento privilegiado” dado a Jair Bolsonaro. O texto cita ainda o aumento da receita com publicidade recebida pela Jovem Pan no governo Bolsonaro e o recebimento de recursos do governo federal pela produtora Digital Seven, de Marcelo Carvalho, irmão de Tutinha e diretor comercial da emissora.
A coligação Brasil da Esperança já havia entrado com um pedido de isonomia contra o Google no TSE, depois que uma reportagem da Folha de S.Paulo revelou um relatório produzido pelo NetLab, centro de pesquisa em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrando que o YouTube priorizava a distribuição de vídeos da Jovem Pan aos seus usuários — a maioria críticos a Lula. Na ocasião, a piauí também revelou que o YouTube, pela primeira vez, limitou inserções de publicidade no canal do Pingos Nos Is na plataforma, alegando que o conteúdo era “inadequado” para anunciantes. No dia em que houve a desmonetização, a audiência do canal levou um tombo de cerca de 40%, indicando uma relação entre a monetização de um canal e sua distribuição dentro da plataforma. A Jovem Pan foi procurada pela piauí, mas não retornou o contato até o fechamento da reportagem.