Presidente Jair Bolsonaro durante comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil, acompanhado de apoiadores - Foto: Leo Bahia /Fotoarena/Folhapress
Comício no trio elétrico, golpismo no gramado
Enquanto Bolsonaro transformou bicentenário da Independência em ato de campanha, seus apoiadores pediam prisão de ministros do Supremo, golpe militar e voto impresso
De vestido verde, all-star amarelo e óculos escuros, a advogada e teóloga Saldanha Pinto, de 33 anos, se enrolou numa bandeira do Brasil e pediu que seu amigo a fotografasse. Posou no gramado da Esplanada dos Ministérios, ao lado da Catedral Metropolitana, enquanto uma multidão de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro caminhava até o ponto de maior aglomeração da manifestação, perto do Congresso Nacional. Pinto quis participar do ato, segundo ela, “em primeiro lugar, por amor à pátria”. Em segundo, porque apoia Bolsonaro – “até hoje não vi outro rosto melhor” – e acredita que “tem, sim, roubalheira nas urnas”.
Também passavam por ali Afonso da Silva e Whagna da Silva Lima, com dois filhos pequenos. O casal – ele de 56 anos, ela de 40 – vestia camisetas verde e amarelas com o nome de Bolsonaro. As crianças usavam camisas da Seleção. “A gente desconfia das urnas”, disse Silva. A mulher, mais prolixa, complementou: “A gente veio mostrar pros nossos filhos que a liberdade é o maior bem que a gente tem. Ele [Bolsonaro] é um pouco duro, parece meio avô. Mas é o jeito dele. É um cara da família.”
Na parte de trás das arquibancadas onde o público assistia à parada militar do Sete de Setembro, uma grande faixa dizia: “MS [Mato Grosso do Sul] quer contagem pública dos votos.” Ali em frente, no gramado da Esplanada, um cartaz de cerca de 5 metros de largura, estendido no chão, pedia: “Presidente Bolsonaro/Acione as Forças Armadas.” Outro dizia: “Queremos a sanitização do Supremo e do Congresso Nacional.” O próprio presidente já tinha começado o dia em tom golpista, quando, no café da manhã no Alvorada, citou o golpe militar de 1964 e disse que a história poderia se repetir.
Por volta do meio-dia, quando a parada militar acabou, Bolsonaro subiu num trio elétrico de 4 metros de altura estacionado perto do Congresso Nacional. Com ele estavam o pastor Silas Malafaia, o empresário Luciano Hang e a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Quando viu Michelle, um apoiador do presidente comentou com sua mulher, na plateia: “Vai ser mais quatro anos de Bolsonaro e depois oito de Michelle. Ela já tá discursando melhor do que ele.”
Hang, o exótico dono da rede de lojas Havan, prometeu uma vitória de Bolsonaro ainda no primeiro turno. Michelle – a mais aplaudida de todos – discursou em tom religioso: disse que o Brasil “pertence ao senhor Jesus Cristo” e que “o inimigo não vai vencer”. Aproveitando a presença da primeira-dama, o locutor de rodeios Cuiabano Lima assumiu o microfone e pediu a todas as mulheres da multidão que levantassem as mãos. Disse, então, como num juramento: “Declaramos todo amor e respeito às mulheres do Brasil!” Nas pesquisas eleitorais, as mulheres são o maior ponto fraco de Bolsonaro, que tem repetido declarações machistas e misóginas. O presidente, ao tomar a palavra, exaltou Michelle como uma “mulher de Deus” para indiretamente atacar Janja Lula, mulher do candidato petista, Luiz Inácio Lula da Silva. Michelle e Bolsonaro se beijaram. Bolsonaro puxou um coro para si mesmo, elogiando a própria virilidade: “Imbrochável! Imbrochável! Imbrochável!”
O presidente aproveitou para mais uma vez lançar indiretas contra o STF. Disse que “hoje todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal” e que, caso reeleito, vai trazer “para dentro das quatro linhas [da Constituição] todos aqueles que ousam ficar fora delas.” Não falou de urnas eletrônicas nem de Forças Armadas – deixou para os apoiadores na plateia essa tarefa. Investiu no discurso eleitoral. Disse que “a vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro” e encerrou com um chamamento: “Até a vitória!” Ao portal Uol, o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto disse que o discurso de Bolsonaro fere a Constituição. Em sua avaliação, há indícios de “que o presidente se apropriou do Sete de Setembro para fins eleitorais” e o apelo de Bolsonaro “configura um pedido de voto.”
Na plateia que se espalhava pelo gramado, cartazes repetiam frases golpistas. “Presidente, acione as FFAA e faça valer a LEI”; “#VOTOIMPRESSO”; “Supremo é o povo”; “Prisão para o Xandão”. Perto da Catedral Metropolitana, um homem careca, vestindo capa preta e maquiagem de palhaço, caminhava segurando uma faixa que dizia: “XANDÃO, O MINISTRO PALHAÇO MAIS COVARDE DO BRASIL.” Até mesmo a falta de sinal nos telefones na Esplanada, problema causado pela aglomeração, foi atribuída ao ministro. “Tá sem internet porque tem o bloqueio dos drones que o Xandão mandou fazer”, comentou, sem qualquer lastro na realidade, um senhor de camisa do Brasil.
Enquanto Bolsonaro discursava, a pouco mais de 3 km dali, nos arredores do estádio Mané Garrincha, alguns homens embarcavam os tratores que pouco antes haviam desfilado na Esplanada. Este foi o primeiro ano em que esse tipo de veículo participou do desfile. Foram ao menos 28 máquinas, representando os produtores agrícolas dos 26 estados e do Distrito Federal. Ao som do hino nacional, os tratores desfilaram por volta das 10 horas. Eram máquinas de diferentes modelos, que custam de 300 mil reais até 5 milhões de reais.
O “tratoraço” – que, dessa vez, não teve a ver com a compra superfaturada de máquinas pesadas, como em alguns escândalos do orçamento secreto – foi organizado por um grupo de produtores para manifestar apoio a Bolsonaro. Quando os tratores atravessaram a Esplanada, a plateia gritou: “agro, agro!” O cabeça do movimento foi o candidato ao Senado pelo Mato Grosso Antônio Galvan (PTB), presidente licenciado da Aprosoja Brasil (Associação de Produtores de Soja) e um dos líderes do movimento “Brasil Verde Amarelo”. “Vamos manter a nossa independência a qualquer custo e a nossa liberdade”, disse Galvan, num vídeo publicado esta semana nas redes sociais.
Um dos produtores que atenderam ao chamado foi Paulo Roberto Melo, de 26 anos, morador da Cidade Ocidental, em Goiás, distante 50 km do Centro de Brasília. Dono de uma fazenda que produz grãos de soja e cria gado para corte, ele se ofereceu para vir à capital depois de receber uma mensagem num grupo de uma cooperativa de compra e venda. “A partir daí, a gente se ofereceu para ser voluntário no evento”, contou Melo.
O gerente de loja Junior Felisberto Machado, de 37 anos, não trabalha no campo, mas aproveitou para pegar carona na excursão que saiu de Nova Olímpia (MT) para Brasília. Segundo ele, foram cinco ônibus pagos pelo Movimento Verde e Amarelo. Ele vestia uma camiseta onde se lia: “O agro não para.” Ele concorda com as críticas de Bolsonaro ao STF. “Tá havendo muita politicagem ali. Tem que mudar.” Sobre as urnas, respondeu: “Eu fico neutro.”
Ao final do evento, quando a multidão se dispersava, uma viatura passou em frente à Catedral Metropolitana. De dentro do carro, os policiais militares cumprimentaram amistosamente os manifestantes e receberam de volta gritos de apoio. Durante o desfile militar, evento que foi capturado como comício eleitoral de Bolsonaro, alguns integrantes da Força Nacional se sentiram à vontade para acenar para as arquibancadas. Um deles, montado numa moto, carregava nas costas uma bandeira do Brasil.
Uma multidão de policiais fez a segurança do evento. As medidas de proteção dos prédios públicos, sobretudo aqueles localizados na Praça dos Três Poderes, aumentaram muito em comparação com o ano passado, quando caminhões conseguiram romper o bloqueio da PM e se aproximar perigosamente do STF. Antes do desfile começar, na manhã desta quarta-feira (7), mais de vinte viaturas da PM, além de cinco ônibus, cercavam a área onde fica o Museu da República. Havia agentes de segurança no terraço de vários ministérios. Em frente ao Ministério da Saúde, já perto do Congresso, uma barreira humana de vinte policiais impedia o acesso à Praça dos Três Poderes. Atrás do trio elétrico, onde discursou Bolsonaro, mais trinta policiais, três viaturas, dois ônibus, duas vans e vinte cavalos.
O deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), candidato ao governo de Goiás, tirou selfies com apoiadores no fim do evento. Questionado pela piauí se a manifestação foi pensada para ser mais amena que a de 2021, quando a possibilidade de golpe era iminente, o deputado disse apenas que “foi maravilhosa”. Saiu andando e não respondeu – ou não ouviu – ao ser perguntado se Bolsonaro aceitará o resultado das urnas caso seja derrotado.
Editor do site da piauí
Foi produtor do Foro de Teresina e repórter na piauí.
Repórter da piauí, baseado em Brasília