Montagem de Amanda Gorziza sobre fotos de Alan Santos/PR e Lola Ferreira/UOL/Folhapress
Depois do comício, a ressaca
Vitória inicial de Bolsonaro nas redes se dissipou diante de críticas ao abuso de poder e às falas machistas do presidente; atores de fora da política aderiram ao discurso antigoverno
A principal postagem no Twitter no dia 7 foi logo após a meia-noite, na virada de terça para quarta-feira. E não tinha nada a ver com o que aconteceria horas depois em todo o país e nas redes. Cabos eleitorais lulistas se juntaram a bolsonaristas e fizeram um passinho muito bem coordenado na Bahia. Tinha mesmo que ser lá.
Talvez haja, no engajamento dessa postagem, um desejo incontido de que “isso tudo” – disputas, rachas na família, discussões acaloradas, manifestações, crises, xingamentos – acabe logo. Se for no primeiro turno melhor? O povo ainda terá um caminho árduo a percorrer, como mostra o desdobramento do restante do dia após o espírito baiano servir de alento.
Como não poderia deixar de ser, durante todo o dia de ontem Bolsonaro mobilizou seu agrupamento nas redes em torno do Sete de Setembro. Apesar do esforço e da quantidade considerável de gente na rua, mais uma vez dialogou principalmente com seu público e não conseguiu “furar as bolhas” nas redes e nas manifestações. Ao contrário, na imprensa foi muito criticado e até ridicularizado pela postura machista explícita em sua fala sobre ser “imbrochável”. Suas declarações foram consideradas machistas, e houve críticas ao uso do dinheiro público para promoção pessoal numa data que deveria ser de “todos os brasileiros”.
Bolsonaro se apropriou dos festejos do bicentenário da Independência e conseguiu visibilidade ímpar no noticiário. Além disso, a mobilização de ontem foi importante para o presidente-candidato manter seus apoiadores coesos e confiantes, além de produzir imagens que serão reproduzidas e veiculadas à exaustão ao longo da semana nas redes. Esses “cortes” servirão para os principais argumentos de defesa do bolsonarismo nesta campanha: as pesquisas estão erradas e não são confiáveis, vide o tamanho das mobilizações; e o “sistema” está contra Bolsonaro.
Ontem mesmo vários comentários de jornalistas foram pinçados e jogados na rede com dizeres como: “eles estão desesperados”; na linha de que a vitória de Bolsonaro “vai ser no primeiro turno”, “toda a imprensa está criticando Bolsonaro” por motivos fúteis (vide a questão da impotência masculina, por exemplo).
O que fica: Bolsonaro conseguiu o “gás” que precisava para manter seu cluster em “ordem unida”. Vai aumentar a produção de conteúdo nas redes, ainda que de forma descoordenada e nem sempre em linha com o que precisa – como dialogar para além de sua bolha, com as mulheres, por exemplo. Perdeu novamente uma boa oportunidade de angariar uns votinhos “não radicais”. Além do mais, o tempo está passando depressa demais para ele. Faltam 23 dias.
Das 10 principais publicações do Instagram em língua portuguesa, 4 foram do próprio Jair Bolsonaro. Nenhuma do campo Lulista. No Facebook, das 10 com maior alcance, também em língua portuguesa, foram 8 de bolsonaristas, sendo 6 de Bolsonaro e duas do campo lulista (uma do Lula e outra do Boulos).
Nas redes da oposição, nem tudo foi perdido. Pelo contrário. Lula deu a senha no início do dia ao falar das cores da bandeira e dos símbolos da Independência: a data é de todos e não só dos bolsonaristas.
Ednaldo Pereira @oednaldopereira: Independência do Brasil isto não é apoio a Bolsonaro Ednaldo Pereira (216 mil interações no Twitter) https://bit.ly/3BqCNzO
Lula 13: @LulaOficial: 200 anos de independência hoje. 7 de setembro deveria ser um dia de amor e união pelo Brasil. Infelizmente, não é o que acontece hoje. Tenho fé que o Brasil irá reconquistar sua bandeira, soberania e democracia. Bom dia. (39 mil interações no Twitter) https://bit.ly/3x6siz4
Mas, para a oposição, a defesa das cores da bandeira não foi o que mais deu resultado nas redes ontem.
Ainda que a esquerda tenha (desde 2013) dificuldades em entender que a “direita” é hoje uma força que pode sim ocupar as ruas; ainda que os bolsonaristas sejam parte importante da população, as falas de Bolsonaro (misóginas, machistas e desrespeitosas) reverteram em boa parte a reação temerosa inicial da oposição, em especial petista, com a ocupação bolsonarista nas ruas e nas redes.
O bolsonarismo venceu no Instagram e Facebook, como de costume. Também chegou a ter mais volume no Twitter ao longo do dia. Mas, com as falas de Bolsonaro, as análises da imprensa e, principalmente, a ajuda de atores de fora da política ao cluster antigoverno, essa vitória bolsonarista inicial no Twitter se dissipou.
Grafo de menções às manifestações de Sete de Setembro no Twitter
Entre 00h00 e 23h59 de 07 de setembro de 2022
A oposição foi em duas frentes: a primeira, mais óbvia, atacando a fala machista de Bolsonaro: a discussão sobre o presidente mostrar uma certa masculinidade frágil deu gás ao cluster. O imbrochável, que pode ter animado os governistas, também inflamou petistas: “Ele precisa do voto das mulheres, precisa dialogar com esse grupo e fez o contrário.” O vídeo de Bolsonaro gritando “imbrochável”, expressão muito criticada pela imprensa, obteve mais de 4 milhões de visualizações só no Twitter, em reprodução na postagem do jornalista Bernardo de Mello Franco.
Aliás, a relação entre Bolsonaro e Michelle despertou curiosidade e gerou engajamento. Outro vídeo muito visualizado foi o do beijo de Bolsonaro em Michelle e sua suposta reação negativa (2,7 milhões de visualizações no Twitter). Ou o que mostra uma suposta briga entre o casal na saída do Alvorada (1 milhão de visualizações).
Outra frente de críticas tratou da desigualdade: brancos e ricos em sua maioria participaram das manifestações. Estavam nos hotéis de Brasília e na Zona Sul do Rio com suas motos reluzentes: “quem anda de ônibus não entrou nessa”, era a mensagem da foto feita pela repórter Lola Ferreira, do Uol. A foto foi a de maior alcance postada no Twitter.
Toda a grande imprensa – exceto Jovem Pan e a mídia bolsonarista – condenou as atitudes de Bolsonaro: “se apropriou de uma data nacional importante”, “usou a máquina pública em benefício próprio” e “foi ultrajante com o público feminino”, foram as conclusões. Por outro lado, Lula, ao criticar Bolsonaro, falou de fome e miséria no Jornal Nacional. Apontou para o futuro e soluções, além de cutucar a questão dos imóveis mal explicados pelo presidente. Bolsonaro apostou tudo no antipetismo e na promoção pessoal.
Lula 13 @LulaOficial: Nunca utilizamos um Dia da Pátria para campanha eleitoral. Ao invés de discutir os problemas do Brasil, Bolsonaro me ataca, ao invés de explicar como a sua família juntou 26 milhões em dinheiro vivo para comprar 51 imóveis. O Brasil precisa de amor, não de ódio. (95 mil interações no Twitter) https://bit.ly/3TSKrKH
G1: Lula reage a ataques de Bolsonaro: “Ele deveria estar explicando pro povo como é que a família juntou R$ 26 milhões de dinheiro vivo para comprar 51 imóveis” (18 mil interações no Facebook) http://glo.bo/3DpOjNF
O problema é que eventos marcantes como o de ontem (7) dão um enorme trabalho de convocação e preparação, além de custarem muito caro, para depender da dinâmica da disputa de pauta online que vem a seguir. Nas redes, o dia seguinte, ou mesmo horas seguintes a esses eventos “grandiosos” podem ser cruéis. O Flamengo foi para a final da Libertadores e dominou o Twitter ainda na noite após as manifestações. Hoje Steve Bannon foi preso. O mundo está de olho nisso (nas redes também). E a rainha? Morreu. A vida segue. E os problemas que Bolsonaro tinha no dia 06 de setembro continuam existindo no dia 8 de setembro.
Advogado, mestre em Ciências Sociais pela UnB e pesquisador associado do Cepesp/FGV
Sócio da Arquimedes, consultoria de análise de mídias sociais. É mestre e graduado em administração pela Fundação Getulio Vargas.