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    Com 99% das urnas apuradas neste domingo, Lula tinha 48% dos votos contra 43% de Bolsonaro Fotos: Rovena Rosa e Marcello Casal/Agência Brasil

questões eleitorais

Ficou para dia 30

Lula e Bolsonaro disputarão segundo turno, e bolsonarismo mostra que continuará forte mesmo se perder o presidente

Luigi Mazza | 02 out 2022_22h36
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Às oito da noite – oito e dois, para ser exato – , quando Lula ultrapassou Bolsonaro na apuração dos votos, houve gritos de comemoração na feira da Torre de TV, em Brasília, e sinalizadores vermelhos foram acesos. Cerca de quatrocentos apoiadores do ex-presidente estavam reunidos ali para acompanhar o resultado num telão. A celebração foi um momento isolado de alegria. Logo depois, a temperatura do ambiente voltou a baixar. “Ainda tô com esperança [de Lula vencer no primeiro turno]”, disse Suzana Pereira de Souza, uma psicóloga de 65 anos que acompanhava a apuração vestida de vermelho. Mas 90% das urnas já estavam apuradas, e Lula não passava de 47% dos votos. Ao ser questionada sobre o provável segundo turno, respondeu de forma mais pé no chão: “Como dizia Brizola: agora é lamber as feridas e recomeçar.”

Com 99% das urnas apuradas, às dez da noite Lula tinha 48,2% dos votos contra 43,3% de Bolsonaro. Foi a diferença mais apertada no primeiro turno de uma eleição presidencial desde a redemocratização. Uma surpresa, já que diferentes pesquisas projetaram, até a véspera, uma possível vitória de Lula em primeiro turno. No levantamento do Ipec divulgado no sábado, Lula aparecia com 51% dos votos válidos, e Bolsonaro, com 37%. No Datafolha, Lula tinha 50% e Bolsonaro 36%.

Lula ficou à frente de Bolsonaro por 6 milhões de votos. O número de votos brancos e nulos caiu em relação a 2018, mas a taxa de abstenção continuou num patamar alto (20,9%). Em todas as eleições presidenciais em que houve dois turnos, o candidato que venceu o primeiro turno também venceu o segundo. Também nunca houve um presidente que disputou a reeleição estando em desvantagem, como Bolsonaro está.

Pode-se dizer então que, ao menos pela experiência histórica, Lula tem uma vantagem crucial para ser o próximo presidente. Mesmo assim, o resultado de hoje foi um balde de água fria na militância do petista – menos por ele não ter atingido o patamar necessário para vencer no primeiro turno e mais pela subida de Bolsonaro na reta final. E os resultados do Congresso, que foram surgindo ao longo da noite, colaboraram para essa surpresa.

Três ex-ministros de Bolsonaro se elegeram para o Senado: Damares Alves (Republicanos-DF), Marcos Pontes (PL-SP) e Tereza Cristina (PP-MS). Somam-se a eles o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e o ex-senador Magno Malta (PL-ES). No Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ) se reelegeu em primeiro turno, assim como Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais. Principal aposta de Bolsonaro na eleição deste ano, o ex-ministro Tarcísio Freitas (Republicanos) ficou praticamente sete pontos percentuais à frente de Haddad na disputa pelo governo de São Paulo. A maioria dessas vitórias do campo bolsonarista não estava prevista nas pesquisas de véspera, ou estava subestimada.

A votação para a Câmara também mostrou que a onda bolsonarista de 2018 permanece viva. O general Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde, foi um dos mais bem colocados no Rio, com 205 mil votos. Em São Paulo, Carla Zambelli (PL-SP) recebeu 946 mil votos, também uma das mais votadas. Nikolas Ferreira (PL-MG) se elegeu como o deputado mais bem votado da história de Minas Gerais, com 1,5 milhão de votos. 

Mesmo que Bolsonaro seja derrotado no dia 30 de outubro, o bolsonarismo, ao que tudo indica, ainda será um força política importante no Brasil durante os próximos anos.  

 

“Se tiver segundo turno, vai ser aquilo: Lula vai jogar parado, sem arriscar perder voto, fingindo que tá fazendo campanha sem fazer. A chance de o Bolsonaro reverter essa eleição é próxima de zero”, cravou o cientista político Fernando Limongi numa conversa na última quinta-feira (29) – antes, portanto, de saber que a eleição mostraria um resultado muito mais apertado do que o previsto. “Em 2002, quando o Lula passou para o segundo turno contra o [José] Serra, o que ele fez foi compor com o Ciro, que teve uma votação boa, e dar ministérios antes de terminar a eleição. Dessa vez, acho que não vai ter essa necessidade. Ele mesmo falou no debate da Band: ‘Ciro, você pode me xingar, mas vai estar comigo no meu governo.’ Acho difícil que o Lula faça isso com o Ciro, depois de tudo o que aconteceu, mas ele poderia fazer com a Simone Tebet, por exemplo. É um aceno.”

O segundo turno, agora, certamente não se apresenta como um cenário tão tranquilo para a campanha do petista. Lula terá de buscar apoios de Ciro e de Tebet, de quem vinha tentando roubar votos. Ao comentar o resultado do primeiro turno, Ciro se disse profundamente preocupado com o país e pediu tempo para anunciar sua decisão. Tebet afirmou esperar que os líderes dos partidos de sua coligação tomassem logo uma decisão sobre o segundo turno – “a minha já está tomada. Não esperem de mim omissão”, afirmou.

Mesmo um futuro governo Lula, caso se concretize, terá vida mais difícil do que se imaginava até aqui. O PL de Valdemar Costa Neto, que abrigou Bolsonaro e sua militância, terá a maior bancada tanto na Câmara quanto no Senado em 2023. Junto com o Republicanos e outros partidos menores, forma um Centrão radicalizado à direita. “Vai ser um cenário difícil, porque o Brasil não tem mais centro. MDB e PSDB vão se sair muito mal nas urnas. Eles poderiam colaborar minimamente, ser uma oposição crítica a um governo Lula, mas hoje eles contam muito pouco”, avaliou o cientista político Jairo Nicolau, numa conversa na semana passada. “Mesmo o antigo DEM foi golfado para essa coisa do União Brasil, que não sei o que vai ser. E tem uma oposição de direita que é novidade.”

Caso Bolsonaro se reeleja, continuará tendo uma base parlamentar forte. E caso não se reeleja? “Na visão otimista de que o Bolsonaro perca a eleição, entregue o cargo e tudo seja bacana, acho que a gente vai ter um líder que não tivemos na oposição ao PT”, afirmou Nicolau. “Eu imagino que o Bolsonaro deva virar um líder público, rode o Brasil em motociatas, fazendo críticas ao governo. Hoje ele mantém um terço renitente do eleitorado com ele. Não acho que ele vá perder isso a curto prazo.” Depois acrescentou: “Esse é o cenário mais plausível, mas não significa que vá acontecer. Pode ser também que ele fique na casa dele na Barra da Tijuca fazendo live uma vez por semana e andando de jet ski.”

Para Nicolau, “essa foi a campanha mais pobre que já tivemos”. “As críticas [da oposição] não foram ao governo, foram ao Bolsonaro. Foi um confronto de personalidades e seus feitos.” Do ponto de vista do marketing eleitoral, faz sentido que seja assim. “Hoje, a rejeição é ao Bolsonaro, não tanto ao governo. O governo é mais bem avaliado do que ele”, explicou. “Mas eu esperava um debate mais forte sobre o que foi o governo Bolsonaro, os erros na pandemia… essa é mais uma eleição em que o Brasil não é discutido. Não se discute política. Eu não faço ideia de qual vai ser a política econômica do governo Lula, caso ele se eleja. A gente tem uma ideia, mas não há nada delineado.”