Imagens de conteúdos de desinformação publicados no Telegram neste domingo Reprodução/Redes sociais
Golpismo e desinformação em alta no Telegram
Nos últimos sete dias, menções a urnas e a uma suposta fraude eleitoral explodiram em grupos de extrema direita; volume de mensagens é o dobro do Sete de Setembro
“Começaram os problemas. Só no JB [Jair Bolsonaro] eles disseram que não conseguiram votar…” Essa mensagem foi publicada hoje à tarde num grupo de Telegram intitulado “Bolsonaro reeleito VACINA = LIXO URNA ELETRÔNICA FRAUDE”. Junto com a mensagem, veio um vídeo supostamente gravado em Tucuruí, cidade do interior do Pará. Na gravação, uma mulher que diz se chamar Francisca reclama repetidamente: “Não consegui votar no meu presidente!” Outra mulher relata, de forma confusa, que algo estranho teria acontecido na urna quando ela votou em seu candidato a governador.
O grupo, como o próprio título deixa claro, é uma fábrica de informações falsas que põem sob suspeita a eleição. “ATENÇÃO!! URNAS EM SALVADOR, A CIDADE MAIS PETISTA DO BRASIL, NÃO APERTAM O NUMERO 2!! FRAUDE! ESPALHEM!”, diz uma mensagem publicada também hoje à tarde. “Qualquer tipo de urna eletrônica é fraude”, diz outra. O grupo tem 2.160 usuários. Desde o final de setembro, aumentou de forma significativa, em canais como esse, o volume de mensagens sobre urnas eletrônicas e uma suposta fraude eleitoral que estaria sendo tramada contra o presidente Jair Bolsonaro.
A pedido da piauí, pesquisadores do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisaram 1,5 milhão de mensagens compartilhadas num universo de 152 grupos e canais de Telegram, entre os dias 1º e 30 de setembro. O levantamento mostra que, desse total de mensagens, 2.672 continham as palavras urna e fraude, ou urna e golpe. Na última semana de setembro, foram 1.320 mensagens contendo esses termos – uma média de 188 por dia, ou oito por hora. É mais que o dobro da média registrada na semana do Sete de Setembro, quando as redes bolsonaristas estavam em polvorosa devido aos atos de apoio ao presidente. Em números absolutos, circulou mais conteúdo golpista nos últimos sete dias de setembro do que no restante do mês, nesses grupos de Telegram.
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O gráfico acima mostra como o volume de menções aumentou à medida que se aproximou a eleição. O pico de mensagens de teor golpista se deu nos dias 27 e 28 de setembro, quando o levantamento captou, respectivamente, 461 e 332 mensagens desse tipo nos grupos analisados. A análise considera mensagens de texto e imagens, que são lidas por meio de um algoritmo de inteligência artificial. Vídeos e áudios não são levados em conta.
“Nos últimos sete dias explodiu o volume de conteúdo. Já havia muito material pronto, e estão produzindo muito conteúdo novo”, diz Leonardo Nascimento, professor da UFBA. Ele coordena o grupo de análise do Telegram junto com a pesquisadora Letícia Cesarino, professora da UFSC, e Paulo Fonseca, da UFBA. O trio monitora grupos no aplicativo de mensagens desde 2018 e publicou, na última sexta-feira (30), a segunda edição do relatório “Democracia Digital – Análise dos ecossistemas de desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022”. A iniciativa, financiada pelo InternetLab, é referência na análise de dados sobre o Telegram, uma plataforma pouco transparente que se tornou um polo difusor de fake news e discurso de ódio, sobretudo por parte de grupos de extrema direita.
O relatório abarca dados que vão de 1º de agosto a 14 de setembro. Os números mais recentes, que refletem o acirramento do golpismo às vésperas da eleição, foram solicitados pela piauí. A análise feita pelos pesquisadores conclui que o Sete de Setembro teve menos engajamento no Telegram este ano do que em 2021. “Desde então”, diz Nascimento, “o cenário mudou. As redes da direita estão se aproximando da ideia de que é tudo ou nada. É a luta do bem contra o mal. O tom é esse.”
Segundo Nascimento, o tipo de conteúdo que mais tem sido compartilhado para jogar dúvida sobre a lisura da eleição são depoimentos pessoais, como no caso da mulher em Tucuruí que diz não ter conseguido votar em Bolsonaro. “O que a gente mais vê são figuras como um homem se dizendo juiz aposentado do TRE, afirmando que não há segurança na votação. Na pandemia, foi a mesma coisa: os vídeos mostravam sempre um médico ou enfermeiro mostrando que os hospitais na verdade estavam vazios.” Em 2018, tanto no Telegram quanto em outras redes, o expediente foi o mesmo: pessoas gravavam vídeos dizendo não ter conseguido votar em Bolsonaro. Nenhum dos relatos foi provado até hoje.
A tática está a mil nos grupos de Telegram neste domingo. No grupo “Os Patriotas Br”, onde há 13,7 mil participantes, foi compartilhado um vídeo em que uma senhora alega não ter conseguido votar para presidente. A explicação dada por ela é confusa. Ela se limita a dizer que “cancelaram” o voto dela. “Tá vendo, Brasil?”, diz o homem que gravou o vídeo. Outra filmagem que circulou mostra um homem vestindo camisa da seleção brasileira de braços cruzados em frente a uma urna. A mensagem que acompanha o vídeo diz: “Urna está com fraude e o rapaz não aceita continuar votando, pois ele digita 22 e aparece para o Lula.”
Entre um e outro vídeo, há mensagens de incitação à violência. “EXIJAM VOTO IMPRESSO!! SE NÃO DEIXAREM SAQUEM SUAS ARMAS!!! AS POLÍCIAS MILITARES ESTÃO CONOSCO!! HOJE É DIA DE PRATICAR TIRO AO ALVO!”, escreveu um usuário do grupo “Bolsonaro reeleito VACINA = LIXO URNA ELETRÔNICA FRAUDE”. Ele prosseguiu logo depois: “BOLSONARO NÃO VAI DEIXAR E AS FORÇAS ARMADAS ESTÃO DE PRONTIDÃO! TUDO VAI ACONTECER HOJE À NOITE!”