Prefeito de Jacobina, Tiago Dias, denuncia blitz da PRF Foto: Reprodução/vídeo
No Nordeste, barreiras da PRF bloqueiam estradas e dificultam votação
Metade das operações da PRF hoje aconteceu em cidades nordestinas, região onde Lula vence por ampla vantagem
Na manhã deste domingo (30), antes mesmo de ir votar, o prefeito de Jacobina, Tiago Dias (PCdoB-BA), recebeu ligações e mensagens de eleitores contando que estavam sendo barrados em blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na entrada da cidade. Na BR-324, carros, motos e ônibus estavam sendo parados por agentes rodoviários. Quando Dias chegou no local, segundo ele, havia oito carros e uma motocicleta apreendidos pelo guincho da PRF. A rodovia, que corta ao meio a zona urbana da cidade, é uma via importante para locomoção dos pouco mais de 80 mil habitantes de Jacobina, na região norte da Bahia e de municípios vizinhos. A barreira montada pela PRF dificultava o acesso dos eleitores às principais vias da cidade. Policiais pediam documentos das pessoas e conferiam a documentação dos veículos.
Dias levou carros da Guarda Municipal de Jacobina para fazer uma espécie de barricada contra a barreira da PRF e impedir que os carros apreendidos fossem levados pelo guincho da polícia. Segundo o prefeito, os agentes alegaram que estavam cumprindo ordens vindas de Brasília. Para impedir a barreira, Dias ficou até uma hora da tarde no local negociando com os policiais para que os donos dos veículos tivessem as suas chaves devolvidas pelos agentes. “Se eles quiserem voltar amanhã, com cinquenta viaturas, podem vir, mas hoje os cidadãos terão acesso às urnas”, declarou à piauí. O prefeito postou um vídeo nas redes sociais narrando o ocorrido. “É claro o movimento de atrapalhar e atrasar a população nas cidades nordestinas, nenhuma das pessoas abordadas estava de forma ilegal”, complementa. “É a primeira vez na vida que vejo uma blitz em dia de votação”.
Ao longo de todo o domingo, circularam nas redes sociais reclamações sobre barreiras da PRF como a realizada em Jacobina em muitas estradas do Nordeste – região onde o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem conseguido larga vantagem na corrida eleitoral. Reportagem do portal uol mostrou que, das 552 operações realizadas até as 14h de hoje, metade ocorreram no Nordeste, região que tem 27% do eleitorado. Em agosto, a piauí mostrou em reportagem como a PRF virou linha auxiliar do presidente.
Na noite de sábado (29), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, proibiu qualquer operação da Polícia Rodoviária Federal que impedisse a condução de transportes públicos de eleitores.
Nova reportagem da piauí publicada neste domingo mostrou um agente da PRF zombando da decisão de Moraes e dizendo que as operações foram ordem da cúpula da corporação. O diretor da PRF Silvinei Vasques, publicou suas redes sociais fotos e apoio ao candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Com a repercussão, ele logo apagou a publicação. Na tarde de domingo, Vasques, após reunião no TSE, disse que as operações seriam interrompidas. Se o diretor da PRF não cumprir a nova determinação, poderá receber multa pessoal e horaria de R$ 100 mil, como também afastamento imediatamente das funções – e até mesmo ser preso em flagrante por crime eleitoral. A piauí entrou em contato com a Coordenação-Geral de Comunicação da PRF. Em nota, a instituição afirmou que a PRF “respondeu no prazo determinado a notificação do TSE”
O resultado causado pelas ações da PRF, porém, será difícil de calcular, ainda que o dado oficial sobre abstenção possa ajudar a dimensionar o impacto disso. O advogado Marcelo Filho foi uma das pessoas que presenciaram as blitze nas estradas que cortam o Sul do Piauí. Perto dos municípios de Amarante, Cajueiro da Praia e na localidade Estaca Zero, entre as BRs 316 e 343, barreiras se amontoavam parando carros de grande porte e ônibus escolares. No início da semana, a governadora do estado, Regina Sousa (PT), assinou um decreto autorizando transporte intermunicipal gratuito no estado. No primeiro turno, o Piauí foi o estado que mais garantiu votos ao candidato do PT, com cerca de 74% da votação. “Eles querem impedir que os piauienses, as pessoas do interior, cheguem às urnas até o horário permitido de votação”, relatou Marcelo Filho. “Eles abordam sem motivos claros, pedem documentação, alugam as pessoas por horas para que elas cheguem atrasadas”.
Em Garanhuns, município do agreste pernambucano, pelo menos duas das principais entradas da cidade estavam bloqueadas pela operação da Polícia Rodoviária Federal. Moradores relataram que a blitz começou por volta das 8h30, parando, principalmente, ônibus e carros de passageiros. Marcos Roberto de Sousa, motorista de uber, mora em um sítio próximo ao local da operação e viu as apreensões de veículos na manhã deste domingo. “Eles estavam atrapalhando o direito de ir e vir dos cidadãos. Eu nunca vi esse tipo de coisa em uma eleição. É complicado porque é uma disputa acirrada e os cidadãos estão com medo até de sair de casa. Muitos moradores de sítios trabalham duro para conseguir comprar um carrinho, mas não conseguem manter o IPVA em dia, e quando ficam sabendo da operação desistem de cumprir o seu papel para a democracia com medo de perder o seu bem particular”, contou à piauí.
Por volta das 10h, o motorista de caminhão Cristiano Matias, postou um vídeo no Facebook compartilhando o que viu na blitz da PRF na BR-424, em uma das entradas da cidade pernambucana. O vídeo mostrava um ônibus com eleitores sendo parado pela PRF, foi compartilhado pelo Senador Humberto Costa (PT) e já tem cerca de 19 mil curtidas e reações. “Eu percebi a prática absurda da PRF hoje pela manhã tentando impedir, ou, pelo menos, atrasar a população que estava tentando ir votar. Eu sou caminhoneiro, admiro o trabalho da Polícia Rodoviária Federal e sei que eles são muito necessários, mas hoje, definitivamente foi uma prática abusiva. Eles não queriam que o povo nordestino chegasse ao seu local de votação a tempo”, explicou à piauí Matias, que foi candidato a deputado federal pelo PDT e não se elegeu.
A vereadora Fany Bernal (PT) foi acionada pelos moradores para ir ao local e conseguiu falar com os agentes. “Eles informaram que são operações normais, de rotina. Quanto ao ônibus do vídeo, informaram que o veículo estava quebrado e eles saíram de onde estavam para prestar socorro”, informou Bernal. Contudo, Matias, que viu a operação, afirma que o ônibus estava funcionando perfeitamente. “O ônibus não estava parado, eles que mandaram parar. Eu estava no posto e logo percebi o que estava acontecendo, fui filmar e graças a Deus as pessoas se mobilizaram para resolver a questão”, afirmou. A tentativa de barrar a passagem dos eleitores foi denunciada, pela vereadora do PT, à juíza responsável pelo cartório eleitoral. “Quando entrei em contato, ela afirmou que já estava ciente e que estava se dirigindo à sede da Polícia para resolver a questão. A magistrada disse que os agentes não poderiam estar fazendo esse tipo de operação e que esperava que não houvesse maiores danos aos eleitores”, declarou Bernal.
Quando a piauí chegou ao local onde a barreira da PRF fora montada, havia uma mobilização popular para impedir novas abordagens. Os agentes, porém, já tinham ido embora. Alberto Cândido, garanhuense e empresário, reclamou da blitz. “É um local de acesso dos distritos, de onde vêm os mais pobres, como os agricultores que vêm votar na cidade. São pessoas que dependem do transporte para se deslocar da zona rural e exercer seu direito. Foi tocado um terror aqui, alguns carros foram presos, outros foram averiguados… Eu recebi a informação pelo WhatsApp e vim checar, sei que dessa forma estou contribuindo para a democracia”, disse Cândido. Em um intervalo de quinze minutos, pelo menos dez moradores chegaram à localidade para ajudar a liberar quem estava barrado. Mas a operação já havia sido desmontada. Só ficaram os cones que a PRF esqueceu quando saiu às pressas.
Jornalista, é autora de Prostituta é comunidade: a história de uma mulher que fez do sexo ganha-pão e luta (Ed. Arisca). Foi estagiária de jornalismo na piauí, repórter no G1 PI e na revista Revestrés
Estagiária de jornalismo na piauí e produtora do Foro de Teresina.
