"A eleição vai ser definida por quem conseguir conquistar o brasileiro da classe C, as mulheres e a região Sudeste", diz Felipe Nunes, diretor da Quaest. ILUSTRAÇÃO: CARVALL
O que falta para decidir o voto
Na eleição com menor parcela de indecisos dos últimos anos, inflação, Covid e corrupção são temas lembrados por quem ainda não escolheu candidato a presidente
A quinta-feira, 8 de setembro, amanheceu quente no Rio de Janeiro. No começo da tarde, Lilia de Souza — uma mulher negra de 27 anos, baixinha — se escondia do sol embaixo da marquise de uma banca de jornal no calçadão de Madureira, na Zona Norte da cidade. Ela tinha acabado de voltar de uma entrevista de emprego mal-sucedida. Estava com as moedas contadas para fazer um lanche e voltar para casa, mas arriscou a sorte e investiu o dinheiro da comida numa raspadinha cujo prêmio era 50 mil reais, um carro e uma casa. “Vamos lá, vamos lá”, repetia baixinho, quase inaudível, enquanto raspava com uma moeda o bilhete premiado. O sorriso tímido de seu rosto foi encolhendo conforme o resultado do jogo era revelado, até que sumiu. “Não ganhei nem um real”, disse a mulher, de ombros encolhidos.
Moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Souza está desempregada há um ano. Solteira, mãe de um menino de 6 anos, passa os dias pensando no vencimento das contas de luz, de água e na dívida acumulada do aluguel. Só lembra de política quando os telejornais mencionam as eleições de outubro. Ainda não faz ideia dos candidatos em quem votará para governador, senador e deputado. Para presidente, considera duas opções: Jair Bolsonaro (PL), sua escolha em 2018, ou Lula (PT). “Tá muito difícil”, ela assume. “Um debochou de gente que morreu de Covid. O outro, todo mundo diz que roubou. Só Deus na causa.”
A eleição de 2022 tem uma peculiaridade: desde 2002, nunca houve, na reta final antes do primeiro turno, tão poucos indecisos sobre o voto para presidente quanto este ano. Os que ainda não escolheram um candidato variam entre 3%, segundo o Datafolha, 4% na pesquisa Ipec da última semana e 6% na Genial/Quaest, divulgada hoje (14).
Para Maurício Moura, da Ideia Big Data, a explicação do fenômeno é um tanto óbvia — “Por dois motivos”, ele diz. “É a primeira vez que a gente tem um ex-presidente com a musculatura do Lula na disputa. Isso estabelece um núcleo duro de apoiadores, como nunca aconteceu antes. Outro fator importante é que essa campanha eleitoral foi antecipada, até mesmo pelo próprio Bolsonaro. O eleitor foi obrigado a se engajar muito antes do que nos outros anos.”
O levantamento Genial/Quaest publicado nesta quarta-feira mostra que Souza se encaixa perfeitamente no perfil do eleitor que continua indeciso quanto ao voto para presidente. A três semanas do pleito, 29% disseram ainda não ter escolhido um candidato ao Planalto nas respostas espontâneas — quando o pesquisador pergunta em quem o entrevistado votará e não apresenta os nomes dos candidatos. A essa altura do campeonato, as respostas espontâneas compõem o quadro mais fidedigno das intenções de voto, de acordo com o diretor da Quaest Felipe Nunes. “Na semana do Sete de Setembro, o percentual de conhecimento dos principais candidatos ultrapassou 50%. Jair Bolsonaro, Ciro Gomes, Lula e Simone Tebet já são nomes conhecidos. Nesse patamar, o eleitor consegue ter um grau de intenção mais consistente”, ele explica.
Segundo os dados da pesquisa, mais da metade dos indecisos é mulher, de baixa renda, mora na região Sudeste e votou em Bolsonaro em 2018. A menor proporção de indecisos está entre os homens que ganham mais de cinco salários mínimos e quem mora no Nordeste. “Isso explica onde a eleição pode ser definida”, diz Nunes. “Não será entre homens, que aderem ao Bolsonaro, nem no Nordeste, onde o PT domina, muito menos no público de alta renda. A eleição vai ser definida por quem conseguir conquistar o brasileiro da classe C, as mulheres e quem mora no Sudeste.”
Nunes destaca que, de modo geral, o número de indecisos tem caído enquanto cresce o apoio a Lula, o que indica uma adesão do grupo hesitante ao petista. No Sudeste, a situação é diferente. “A maior mudança da pesquisa Genial/Quaest de 31 de agosto para a de 7 de setembro foi uma queda de oito pontos no voto indeciso espontâneo do Sudeste e um crescimento de seis pontos no voto pró-Bolsonaro. Ou seja: nos estados do Sudeste, houve uma migração significativa que impulsionou o crescimento do Bolsonaro no gráfico”, avalia.
Diariamente, Lilia de Souza acompanha as discussões políticas pelas redes sociais, mas não se lembrava de que a data de votação está tão perto. Perguntada sobre o que a levará a escolher um candidato, foi enfática: “Tem que garantir que vai melhorar o preço da alimentação e dar emprego. Sem isso, não tem jeito. Eu lembro que na época do Lula a gente tinha menos sofrimento, mas quem me garante que ele não vai roubar se for eleito?”, ela perguntou, antes de se despedir para pegar o ônibus de volta para casa.
Na mesma calçada, Juliana Amaral, carioca de 37 anos, passava a caminho da loja de roupas onde trabalha como vendedora. Ela votou em Bolsonaro na eleição passada, mas se decepcionou com o governo do presidente e agora não sabe se vai repetir o voto. “Ele deixou muito a desejar na pandemia, mas ainda penso em dar uma chance porque o Bolsonaro está do lado da verdade”, explicou. “E tem o Lula, né? Ele é bom com essas coisas de dinheiro, de emprego, oportunidades de melhorar a vida.”
Diante da mesma pergunta — o que um dos dois candidatos precisa fazer para conquistar o seu voto? —, Amaral respondeu: “Tem que baixar o preço das coisas. E abrir mais oportunidade para as pessoas. Se um dos dois fizer isso, de repente consegue chamar a minha atenção.”
Maurício Moura, da Ideia Big Data, percebe uma característica do pleito de 2022 que o diferencia bastante do de 2018: “Estamos com um grau de decisão maior. Nessa mesma época, há quatro anos, só pouco mais da metade dos eleitores já tinham decidido o voto. Hoje, em qualquer pesquisa, isso é dito por mais de 80% dos entrevistados.”, ele pontua.
A rejeição ao governo de Jair Bolsonaro ajuda a explicar a mudança. Nas eleições passadas, uma fatia significativa dos indecisos optou pelo capitão reformado do Exército porque queria fazer oposição ao petismo. “Hoje, esse é um grupo que, em maioria, desaprova o governo”, diz Moura. “Bolsonaro não lidera as pesquisas porque perdeu apoio, portanto intenção de voto, nesse grupo. Num contexto de rejeição como esse, o Lula aparece como a melhor alternativa para o eleitor.”
No trem que leva à Zona Oeste do Rio, o ar-condicionado não aplacava o calor das duas da tarde naquela quinta-feira. “Bananada tijolão, bananada tijolão. Vai, senhora?”, gritava uma vendedora, por cima do falatório do vagão. Era uma mulher pequena, magra, que carregava um bebê pendurado por um canguru nos seus ombros. Ela se chama Thamires Costa, tem 29 anos e o menino, oito meses.
“Tenho nem tempo de pensar nisso”, a vendedora respondeu ao ser indagada sobre o seu candidato para as próximas eleições. Moradora de Senador Camará, no subúrbio carioca, Costa trabalha de segunda a sábado como camelô. Assistiu às sabatinas de Lula e “daquela mulher morena” — Simone Tebet (MDB) — no Jornal Nacional, mas nenhum dos candidatos a transmitiu confiança. Sem saber quando e onde assistir aos debates eleitorais, ela tem se informado principalmente pelo Facebook e pelo WhatsApp.
“Na última vez que acreditei na palavra de um político, votei no Witzel e ele não fez nada por [Senador] Camará. Ainda por cima foi corrupto”, contou Costa, referindo-se ao ex-governador do Rio de Janeiro, eleito em 2018 e retirado do cargo em 2020 por suspeitas de desvios de verbas da saúde durante a pandemia.
A comerciante também votou em Bolsonaro naquele ano, por indicação do marido, mas não aprova o que o presidente fez na área econômica. “Quem tem filho pequeno não gosta do Bolsonaro. Ou então nunca viu o preço do leite”, ela disse, sacudindo o menino, que choramingava em seu colo.
Na semana passada, enquanto descansava do trabalho sentada na estação de trem de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Costa ganhou um adesivo com o rosto petista, mas não teve coragem de colar na camisa. “Até senti vontade, mas tenho medo de ele fazer um governo ruim e eu me arrepender [do voto]. E nunca se sabe o que pode me acontecer na rua, essa gente não bate bem”, disse, se referindo aos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
“Que isso!”, Costa exclamou, quando eu disse que faltam poucos dias para a eleição. “Vou acabar decidindo no dia. Pego o primeiro papelzinho que me derem na porta e pronto, seja feita a vontade de Deus.” Em seguida, se mostrou animada. “Vou levar bananada pra vender lá [no local onde ela vota]. Ou melhor, vou levar biscoito. Coloco uma cadeira de praia na porta e fico o dia inteiro vendendo. Dá pra fazer um dinheirinho bom”, disse, com um sorriso no rosto.
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