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    Tarcísio de Freitas durante encontro com evangélicos realizado na cidade de São Paulo no dia 19 de outubro Foto: Tomzé Fonseca/Futura Press/Folhapress

questões de poder

O templo dos Bandeirantes

Se Tarcísio de Freitas for eleito governador de São Paulo, Igreja Universal terá papel central no comando do estado mais rico do país

Consuelo Dieguez | 25 out 2022_08h30
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Se Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro, vencer as eleições para o governo de São Paulo, como sugerem as pesquisas, sua vitória será dividida com um personagem crucial nesse processo: o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). O Republicanos, partido pelo qual Freitas concorre, é o braço político da Universal, criada e comandada com mão de ferro por Macedo. Dessa forma, o mais rico e poderoso estado brasileiro estará, em parte, a partir de janeiro do ano que vem, sob influência direta da Igreja Universal. Algo semelhante aconteceu em 2016, no Rio de Janeiro, quando o bispo Marcelo Crivella, sobrinho de Macedo, tornou-se prefeito da capital fluminense.

Mas o salto agora é muito maior. “Trata-se de um ganho espetacular para a Igreja Universal e o seu partido, o Republicanos”, disse a pesquisadora Lívia Reis, do Instituto de Estudos de Religião, o Iser. “Saltar da prefeitura do Rio para o governo do estado de São Paulo é uma demonstração de força impressionante. Ainda não é possível prever o impacto que isso terá sobre São Paulo, mas a se repetir o que se viu no Rio, o controle da Iurd sobre a administração pública paulistana será imenso”, diz.

Se eleito, Tarcísio aterrissará no Palácio dos Bandeirantes acompanhado da mais conservadora coalizão já vista no estado nas últimas décadas. Junto com o Republicanos, que fez cinco deputados federais por São Paulo, estarão o PL de Bolsonaro e de Valdemar Costa Neto, que elegeu dezessete deputados – entre eles Carla Zambelli, Ricardo Salles e Eduardo Bolsonaro –, o PTB de Roberto Jefferson e do “padre” Kelmon, o PSD, de Gilberto Kassab, que fez três deputados, além de outros partidos nanicos e vorazes por cargos. O PTB foi o primeiro a embarcar na candidatura de Tarcísio, em maio, seguido do PSD, que declarou apoio em julho.

Por essa razão, segundo um dos líderes dos partidos da coalizão, estes serão os primeiros a ter direito a indicar quadros para as secretarias. Segundo esse líder, a negociação, no momento, está sendo feita entre os integrantes do Republicanos. “O Tarcísio não pertence à Iurd, mas terá que dividir o comando do governo com a Universal”, afirma. O que se estima é que Tarcísio e a ala bolsonarista ficariam com as secretarias de Governo, da Casa Civil, da Justiça, da Segurança Pública e da Saúde. A ala evangélica teria prioridade nas pastas relacionadas às áreas de direitos humanos e educação, além de outras que vierem a reivindicar. Os outros partidos da coalizão já receberam a garantia de participação no governo. “A orientação é de que os partidos indiquem apenas nomes técnicos”, disse esse político ligado a uma das legendas da coalizão. Ele preferiu não se manifestar afirmando que cabe a Tarcísio fazer os anúncios.

Um importante coordenador da campanha de Tarcísio de Freitas, que também preferiu não se identificar, evita falar da influência da Universal no governo. “Composição de governo é como mineração, só se sabe depois de apurada”, brincou. Mas afirmou que haverá muito espaço para participação de outros partidos, principalmente o PSD, que tem Felicio Ramuth, ex-prefeito de São José dos Campos, como vice de Tarcísio. “Eu acredito que o PSD terá influência no governo caso o Tarcísio vença, já que o Gilberto Kassab conhece bem a máquina, porque já foi prefeito de São Paulo, e tem também bons contatos com o pessoal do PSDB que continuou no governo”, disse. Além disso, continuou, “Tarcísio é um candidato universal e não da Universal”.

Um fator importante para o caráter liberal do governo, segundo ele, é a presença do empresário e político Guilherme Afif Domingos na coordenação da campanha. Afif deixou o Ministério da Economia, onde atuava como assessor do ministro, a pedido do próprio Paulo Guedes. De acordo com esse integrante da campanha, o ministro teria dito a Afif para ajudar Tarcísio que, em sua opinião, era o melhor ministro do governo Bolsonaro. O atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), que embarcou na candidatura de Tarcísio mal foi anunciado o resultado do primeiro turno, também deverá ter uma participação na gestão. 

Outra discussão em andamento é a fusão dos partidos menores como PTB, PSC, PSD e Solidariedade para formar um partido mais forte capaz de dar sustentação ao governo de Tarcísio e, ao mesmo tempo, garantir acesso ao fundo eleitoral. “É claro que todos esses partidos terão que ser contemplados no governo Tarcísio. Se ele não tivesse ido para o segundo turno com a Universal e essas outras legendas, Bolsonaro ficaria sem palanque em São Paulo no segundo turno. Não teria quem o defendesse. Nada mais justo que sejam contemplados com alguma secretaria”, diz esse líder partidário.

O deputado Alexandre Frota (PROS-SP), não reeleito este ano, diz não ter dúvidas de que uma possível vitória de Freitas transformará São Paulo em um estado mais conservador, evangélico e bolsonarista. “O Palácio dos Bandeirantes vai se transformar numa filial do Templo de Salomão”, ironiza ele, em alusão ao grande templo da Igreja Universal inaugurado na capital paulista, em 2014. “A vitória do Tarcísio não é só a vitória de Bolsonaro. É a vitória de Edir Macedo e do pastor Marcos Pereira, o presidente do partido, que se reelegeu deputado, e que era o braço direito de Macedo na Universal”, afirma. Frota conviveu com os bolsonaristas em 2018, quando apoiou fervorosamente a candidatura do atual presidente da República, com o qual romperia logo no início do governo. “O Tarcísio chega com o bolsonarismo e com os evangélicos. Vão transformar o Bandeirantes em um bunker da Universal”, prevê.

 

Em sua tese Igreja Como Partido: Capacidade de Coordenação Eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus, a pesquisadora Claudia Cerqueira do Nascimento, da Escola de Administração de Empresas, a Eaesp, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, mergulha na criação da Universal e do seu partido. Inicialmente batizado como PRB, o partido mudou o nome para Republicanos em 2019. A pesquisadora procura entender a influência política da Iurd sobre os fiéis, além de mostrar como é o trabalho da igreja para que seu rebanho apoie candidatos indicados por ela.

Os dados do IBGE mostram o aumento contínuo do número de evangélicos no país. Até 1970, os católicos representavam 91,8% da população brasileira. Em 2010, 22,2% da população já se declarava evangélica. Em 2020, segundo pesquisa Datafolha, o percentual chegava a 31%. Na cidade de São Paulo, em dez anos, o número de templos evangélicos cresceu 34%; o de igrejas católicas, 20%. A presença evangélica na política, diz a pesquisadora em sua tese, foi sentida inicialmente no Legislativo. Mas foi a Igreja Universal que instrumentalizou sua atuação política ao criar o seu próprio partido. Na análise de Nascimento, a Iurd “garante o poder e controle da legenda ao ocupar os principais postos na direção do partido, assegurando uma estrutura hierárquica tal como ocorre em sua estrutura eclesiástica”. Com isso, a Iurd restringe a formação das lideranças partidárias, de forma a garantir a centralização decisória. Cabem ao bispo Edir Macedo e seus subordinados mais próximos tarefas como a escolha dos candidatos do Republicanos e os locais por onde irão concorrer. 

Nascimento traça um paralelo do que ocorreu no Rio, com Crivella, com o que poderá ocorrer no estado de São Paulo. “Embora em São Paulo o partido tenda a se desvincular da Universal, ao contrário do Rio, onde Crivella era imediatamente associado à igreja, o fato é que, hierarquicamente, toda a orientação do Republicanos vem de Edir Macedo”, afirma.

Em relação à composição do governo de São Paulo sob a gestão de Tarcísio, a pesquisadora faz algumas ponderações. “A Universal tem quadros que devem ir para o governo. Não tenho dúvida de que eles colocarão gente da igreja em lugares estratégicos.” Ela dá como exemplo o bispo Atílio Francisco, vereador pelo partido em São Paulo, que sempre é indicado para postos chaves. É sempre ouvido para indicar os representantes da Universal que irão ocupar cargos nas secretarias municipais. A Universal tem também grande influência na escolha de dirigentes dos Cras, os Centros de Referência e Assistência Social, e dos conselhos tutelares.

O Republicanos vem crescendo expressivamente desde a sua fundação. Chegou a fazer 43 deputados federais em 2018 e, agora, 41. No Congresso, além das pautas de costume, a Universal participa ativamente das comissões que lhe interessam, principalmente as que tratam de concessões de rádio e tevê e que estudam regulação de mídia. “Não é mais só conquistar fiéis e sim conquistar espaços políticos para aumentar o poder da igreja e dos seus negócios.”

Na análise da pesquisadora, o Republicanos tem uma estrutura partidária organizada que tem passado despercebida. “Tirando o PT, o PSDB e o MDB, que são os partidos mais tradicionais, o Republicanos é o que tem a estrutura mais organizada. Eles não fazem muito estardalhaço. Não fazem muita publicidade. Mas têm abocanhado um pedaço grande do eleitorado”, afirma. “Primeiro, porque tem um grupo de fiéis que votam nele. Fazem um trabalho de base. Segundo, porque tem uma característica governista de se colar a todos os governos. Terceiro, não afasta quem poderia repelir um partido vinculado a uma igreja.”

Sobre um eventual governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, Nascimento diz não acreditar em uma gestão de viés abertamente religioso. “O propósito da Universal não é evangelizar. É ganhar poder e influência política, o que não ocorreria se se preocupassem apenas em ampliar a base de fiéis.”

O cientista político George Avelino Filho, do Cebrap e da Fundação Getulio Vargas, também mostra grande preocupação com o avanço da Universal em São Paulo. “O Republicanos sempre foi o cavalo da Iurd. Os evangélicos são um grupo grande, 30% do eleitorado. Mas são desunidos. Quem consegue se unir é a Universal porque é centralizada. A maior igreja é a Assembleia de Deus, mas é descentralizada. Se alguém quer abrir um templo da Assembleia, ganha uma espécie de franquia e paga por isso, com um CNPJ diferente do da matriz. Na Universal, o CNPJ é único. “Essa hierarquia dá um nível de organização inusitado”, afirma.

A Iurd sempre funcionou hierarquicamente. E levou essa prática para o partido. Quando a igreja indica os candidatos para concorrer pela legenda, Edir Macedo evita competição entre eles. O Republicanos tem evitado criar diretórios municipais e estaduais, o que garante à Universal a manutenção do controle do partido – que funciona basicamente com comissões provisórias, desmontadas após as eleições. O PT, que é o partido mais organizado, tem 3.485 diretórios municipais nos 5.570 municípios brasileiros. É uma capilaridade grande, sinal de uma vida partidária. O Republicanos só tem 9. Já o PT tem 693 comissões provisórias, enquanto o Republicanos tem 2.947. “Isso mostra que a organização do Republicanos está na igreja. O Republicanos tem uma relação umbilical com a igreja. E essa relação será levada para o governo do estado de São Paulo.”