Foto acima: Hank Skinner, cuja pena de morte foi suspensa quando se encontrava deitado na cadeira letal, em entrevista para o filme
Encontro com Werner Herzog
Depois do relato de Paola Prestes, publicado há um ano (21 e 25 de março de 2011), sobre a escola itinerante de cinema de Werner Herzog, a Rogue Film School, agora é a vez de Julia Levy dar seu depoimento sobre o encontro com Herzog, ocorrido na 62ª Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim), encerrado em 19 de fevereiro, ocasião em que ela fez a foto de Herzog no palco.
Julia Levy é pós-graduada em cinema documentário pela Fundação Getúlio Vargas e atualmente é Superintendente do Audiovisual da Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro. [EE]
Death Row, de Werner Herzog
Depois do relato de Paola Prestes, publicado há um ano (21 e 25 de março de 2011), sobre a escola itinerante de cinema de Werner Herzog, a Rogue Film School, agora é a vez de Julia Levy dar seu depoimento sobre o encontro com Herzog, ocorrido na 62ª Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim), encerrado em 19 de fevereiro, ocasião em que ela fez a foto de Herzog no palco.
Julia Levy é pós-graduada em cinema documentário pela Fundação Getúlio Vargas e atualmente é Superintendente do Audiovisual da Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro. [EE]
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De passagem pela Berlinale, só consegui assistir a três filmes, um dos quais – Death Row, mais recente filme de Werner Herzog [foto ao lado] – era o que mais queria ver.
Desde 2005, quando redescobri Herzog fazendo um trabalho sobre Grizzly Man (Homem urso), vendo e revendo o filme, me deparei com um labirinto de perguntas para tentar entendê-lo e sistematizá-lo em um texto. Aquilo me dera um certo desespero que acabou se transformando num enorme interesse por sua obra. Desde então persigo cada novo projeto dele.
A versão de Death Row apresentada na Berlinale é formada de quatro episódios ou retratos (portraits) da série do mesmo nome produzida para a TV americana. O primeiro retrato narra a história de James Barnes, condenado por diversos crimes, incluindo um assassinato no qual queimou o corpo e a cama da vítima para não deixar vestígios. O filme investiga a história de sua família e a conturbada relação do acusado com seu pai. Localizado pelo diretor, recusou-se a gravar entrevista para o filme, mas mandou um recado ao seu filho por intermédio de Herzog.
O segundo episódio apresenta a história de Hank Skinner, cuja pena de morte foi suspensa quando o acusado já se encontrava deitado na cadeira letal.
O terceiro é dedicado a Linda Carty, afro-americana condenada pela morte de Joana Rodrigues. Embora seja tida como a mentora do crime, Carty não estava presente na hora do assassinato, sendo a única suspeita a receber uma sentença.
Por último, o quarto episódio, narra as histórias de Joseph Garcia e George Rivas. O primeiro, condenado a cinquenta anos de prisão, e Rivas condenado quinze vezes à pena de morte. A dupla conseguiu fugir, de maneira espetacular, de uma prisão de segurança máxima. Pouco tempo depois, ambos foram presos e condenados novamente. Herzog narra como encontrou por acaso um deles, enquanto o condenado esperava ser retirado da cabine de comunicação com os visitantes.
Cada episódio começa com a mesma sequência, mostrando a sala de execução da pena de morte, a cela onde o condenado passa seus últimos momentos de vida, um corredor, um banheiro e um telefone que pode ser acionado a qualquer momento cancelando a execução da pena. Narrando essas cenas, a voz de Herzog, com seu sotaque característico, explica que esse tipo de pena existe em mais de trinta estados americanos, dos quais dezesseis ainda a aplicam. Posicionando-se como alemão, considerando a história do seu país e o fato de, nos EUA, ser um estrangeiro, afirma discordar, respeitosamente, da pena capital.
Todos os episódios acabam com legendas informando a situação atual de cada personagem – todos aguardando o dia em que sua pena será executada.
Essa não é a primeira vez que Herzog investiga a pena de morte nos EUA (seu último documentário, Into the Abyss, aborda o mesmo tema). Por que essas historias foram selecionadas entre tantos casos de pena morte? Além das histórias dos entrevistados, chamam também atenção as paisagens fora das prisões, mostrando um EUA mais próximo da imagem de país em crise, falido, do que de uma potência. Na verdade, as paisagens se assemelham aos portraits e às histórias contadas, imagens de degeneração social e humana.
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A sessão na qual assisti Death Row fazia parte das projeções especiais dentro do programa Talent Campus da Berlinale (o programa reúne anualmente 350 jovem diretores e realiza diversas atividades durantes seis dias), num cinema distante do coração do festival na Potsdamer Platz. No final da exibição, Herzog conversou com o público por aproximadamente meia hora. Como era uma plateia formada por jovens diretores, ele se dispôs a dar dicas, e procurou levar os que estavam presentes a questionamentos que considera importantes.
Ao responder uma das perguntas, Herzog [na foto ao lado tirada por Julia Levy] explicou como produziu as entrevistas, como padronizou a forma de filmar cada personagem, de abordá-los e interagir com eles, já que não poderia dispor de muito tempo – não mais do que meia hora para cada um.
Para Herzog, entrevistas são uma questão de “casting” e para entrevistar é preciso alcançar o “coração do homem”. Exemplificando o que queria dizer, contou que em uma das entrevistas, o entrevistado se apresentou interpretando um personagem que criara de si mesmo. Começou a contar uma história e Herzog falou da sua dificuldade em “furar” a barreira colocada pelo entrevistado. Ouvindo o que estava sendo narrado sobre um esquilo, ele perguntou ao personagem “mas o que pensava o esquilo?”. Eis que viu o personagem desmoronar diante da câmera e pôde enfim, se aproximar dele. Foi nesse momento que lançou a pergunta à plateia: “quando numa escola de cinema vocês receberiam a dica de perguntarem numa entrevista sobre um esquilo? Isso jamais será ensinado numa escola”.
Perguntado sobre a forma como realiza seus filmes e projetos para TV, o tempo que cada projeto demanda, Herzog disse que produz tudo de forma muito rápida. Em 2011, realizou seis projetos e ao falar do seu processo de montagem, disse que também costuma realizar essa etapa em pouco tempo, passando muitas horas na sala de edição – o que o fez voltar a fumar.
Mesmo numa sessão de gala do festival, cheia de (curiosos) rituais de apresentação do diretor e momentos específicos para ele subir ao palco e interagir com o público, chamou minha atenção a simplicidade de Herzog diante das questões apresentadas pela plateia.
As ambiguidades e contradições que Herzog assinala em seus personagens e nas histórias narradas, levam a pensar até que ponto são verdadeiras ou ficcionais; causam sentimentos contraditórios, e dúvidas se simpatizamos ou não com seus personagens.
Foi emocionante a oportunidade de vê-lo tão de perto, falando de forma aberta e apaixonada sobre sua livre investigação da natureza humana.
Leia também:
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Seminário Herzog – visto por dentro ( II )
Werner Herzog – contador de histórias
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