Enquanto somos jovens
Enquanto somos jovens – batata doce com marshmallow
Reunir Henrik Ibsen e Ben Stiller é uma mistura tão ou mais bizarra, que só ocorreria a um americano. Ambos foram incluídos em Enquanto somos jovens, sem o menor pudor aparente, pelo roteirista, co-produtor e diretor Noah Baumbach, que lança mão dos dois na tentativa de conciliar ambição intelectual e resultado comercial. De um lado, está a aspiração de Baumbach e Stiller de obterem reconhecimento artístico; de outro, o modelo de produção industrial no qual atuam, que considera um aval ter à frente do elenco um astro considerado um ímã para o público.
Entre nós, panqueca com bacon e mel de carvalho ou batata doce com marshmallow são consideradas combinações esdrúxulas, digeríveis apenas por estômagos de avestruz. Nos Estados Unidos, porém, são pratos comuns, apreciados no dia a dia ou no de Ação de Graças.
Reunir Henrik Ibsen e Ben Stiller é uma mistura tão ou mais bizarra, que só ocorreria a um americano. Ambos foram incluídos em , sem o menor pudor aparente, pelo roteirista, co-produtor e diretor Noah Baumbach, que lança mão dos dois na tentativa de conciliar ambição intelectual e resultado comercial. De um lado, está a aspiração de Baumbach e Stiller de obterem reconhecimento artístico; de outro, o modelo de produção industrial no qual atuam, que considera um aval ter à frente do elenco um astro considerado um ímã para o público.
Logo de saída, o espectador alerta ficará de pé atrás com a epígrafe de . A citação é longa e difícil de assimilar, sendo projetada na tela por menos tempo do que seres humanos normais precisariam para conseguir lê-la. Trata-se do trecho de um diálogo entre o personagem título e a jovem Hilda no final do primeiro ato de Solness, o Construtor, de Ibsen (1828 – 1906), transcrito a seguir em versão aproximada, traduzida do inglês por mim:
“Solness. Preciso lhe dizer – comecei a ficar com tanto medo – tão terrivelmente amedrontado com a nova geração.
Hilda (com em pequeno riso de desdém). Pooh – a nova geração é algo a ser temido?
Solness. É, de fato. E é por isso que me tranquei e bloqueei a entrada. (Misteriosamente) Eu lhe digo que um dia a nova geração virá e trovejará na minha porta! Ela arrombará minha porta!
Hilda. Então devo lhe dizer que você deve ir abrir a porta para a nova geração.
Solness. Abrir a porta?
Hilda. Sim. Deixe-a vir a você em termos amigáveis, como se fosse.
Solness. Não, não, não! A nova geração – quer dizer retaliação, veja você. Ela vem, como se estivesse sob uma nova bandeira, anunciando o giro da roda da fortuna.”
De duas uma. Ou o espectador não consegue, de fato, ler a epígrafe e ela, portanto, revela-se inútil; ou assistir ao filme que vem a seguir é dispensável. Para os raros graduados em leitura dinâmica, o melhor a fazer, depois de ler a epígrafe, é levantar e ir embora do cinema. Conhecido seu tema, pouco tem a acrescentar. Saindo, evita-se a decepção causada pelo filme que está muito aquém citação de Ibsen.
Consagrado no papel de homem comum aparvalhado, vivendo situações bizarras e escabrosas, Stiller é prisioneiro da sua persona. Faz tentativas de se libertar dela, mas não consegue. Em , no qual apenas atua, fazendo o papel do documentarista Josh Srebnick em plena crise dos 40 anos, ele impregna o personagem da cretinice que o tornou famoso, independente da sua vontade e das intenções de Baumbach. Jamie (Adam Driver), o documentarista iniciante que arromba a porta de Srebnick, não passa, por sua vez, de uma caricatura grotesca de um arrivista. Salva-se do naufrágio apenas o veterano documentarista Leslie Breitbart (Charles Grodin), sogro de Srebnick, retratado e interpretado com dignidade.
Comumente associado a palhaçadas, Stiller ambiciona ser levado a sério e gosta mesmo é de dirigir. Filmou a adaptação do conto A vida secreta de Walter Mitty (2013), de James Thurber, da qual também foi o principal ator – ambiciosa superprodução, com orçamento de 90 milhões de dólares, que fracassou e foi esquecida. Stiller é mais um caso clássico de complexo de Pestana. Como o homem célebre de Machado de Assis, ele não se satisfaz com o que lhe dá fama, mas nunca fez nada de memorável, fora vender mais de cinco bilhões de dólares em ingressos para assistir suas comédias. No perfil de Stiller, publicado em 2012 na New Yorker, Tad Friend escreve que “o segredo peculiar de Hollywood é ser tão difícil inventar um filme comercial memorável quanto um filme independente elogiado pela crítica – de fato, é mais difícil por haver tantos chefs estragando o pudim ao tentarem melhorá-lo demais”.
Baumbach tentou incrementar Enquanto somos jovens adicionando Stiller ao pot-pourri. Só o que conseguiu foi fazer mais um prato indigesto.
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