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    Reprodução de trechos do parecer da Secretaria de Orçamento Federal recomendando o veto ao orçamento secreto

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Equipe econômica pediu que Bolsonaro vetasse orçamento secreto

A piauí teve acesso à nota técnica em que o veto é pedido. O presidente ignorou

Breno Pires | 28 set 2022_16h36
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A equipe econômica do governo informou ao presidente Jair Bolsonaro que o orçamento secreto precisava ser vetado porque não tem “assento constitucional”. Em uma atitude bastante incomum, o presidente ignorou o alerta técnico, elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal, e manteve o orçamento secreto para o ano de 2023. A nota técnica é datada de 2 de agosto e está assinada por Gláucio Rafael da Rocha Charão, coordenador-geral de Processos dos Orçamentos da União, e Clayton Luiz Montes, secretário-adjunto de Orçamento Federal.

O documento afirma que, além de ferir a Constituição, o orçamento secreto “esvazia a prerrogativa do Poder Executivo de elaborar a proposta orçamentária”. A nota é resultado da análise da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelo Congresso em julho. Na LDO, os parlamentares pedem que o governo, além de manter o orçamento secreto, ainda reserve 19 bilhões de reais para que deputados e senadores distribuam as verbas como bem entenderem. Os técnicos da Secretaria de Orçamento Federal concluíram que o texto, tal como foi aprovado no Congresso, não tem “qualquer respaldo constitucional”.

As observações sobre o orçamento secreto integram uma nota de 26 páginas com o conjunto das sugestões de veto à LDO. Os técnicos explicaram que o governo tem o dever constitucional de elaborar a proposta orçamentária, e não pode, portanto, delegar essa tarefa ao Congresso. Literalmente, diz o seguinte:

Tal proposição atenta contra a Constituição Federal de 1988, em especial, seu art. 165, caput e inciso III, que determinam que os orçamentos anuais serão estabelecidos por leis de iniciativa do Poder Executivo. O estabelecimento de reserva à iniciativa do Executivo na elaboração da proposta orçamentária contraria a prerrogativa deste Poder de apresentar o planejamento orçamentário de seus órgãos e entidades, e somente pode ser estabelecida em cumprimento à própria Constituição, e desde que não modifique o núcleo essencial do princípio da separação de poderes, o qual constitui cláusula pétrea, nos termos do inciso III do § 42 do art. 60 do texto constitucional. Não é este o caso da reserva proposta no citado dispositivo, que além de não possuir qualquer respaldo constitucional, esvazia a prerrogativa do Poder Executivo de elaborar a proposta orçamentária para seus órgãos e entidades.

 

Nota técnica da Secretaria de Orçamento Federal - Reprodução de documento
Nota técnica da Secretaria de Orçamento Federal - Reprodução de documento
e, em destaque, trechos explicitando as razões do veto, como a falta de
e, em destaque, trechos explicitando as razões do veto, como a falta de "assento constitucional"
e o fato de contrariar a iniciativa do Executivo na elaboração da proposta orçamentária
e o fato de contrariar a iniciativa do Executivo na elaboração da proposta orçamentária
Nota técnica da Secretaria de Orçamento Federal - Reprodução de documento
Nota técnica da Secretaria de Orçamento Federal - Reprodução de documento
e, em destaque, trechos explicitando as razões do veto, como a falta de
e, em destaque, trechos explicitando as razões do veto, como a falta de "assento constitucional"
e o fato de contrariar a iniciativa do Executivo na elaboração da proposta orçamentária
e o fato de contrariar a iniciativa do Executivo na elaboração da proposta orçamentária

 

Historicamente, as notas técnicas da equipe econômica são respeitadas pelos governantes. Bolsonaro, no entanto, desprezou o alerta. A nota ainda analisa a reserva de 19 bilhões de reais e diz que traz rigidez ao orçamento, dificulta o cumprimento da meta fiscal e do teto de gastos, e conclui afirmando que tem “caráter personalístico”, além de ser “incompatível com o princípio da impessoalidade, que orienta os atos da administração pública”.

O conteúdo da nota – sobretudo no trecho em que critica o desrespeito ao “princípio da impessoalidade” – tem um peso ainda maior por ser a primeira análise técnica feita pelo Ministério da Economia depois que o Congresso aprovou uma Resolução Conjunta, em 29 de novembro passado. A resolução tentou institucionalizar o orçamento secreto, na medida em que autoriza o relator-geral do Orçamento a fazer indicações para inclusão de despesas – algo que não está previsto na Constituição.

A nota da equipe econômica é uma evidência de que os técnicos não concordam com a Resolução Conjunta do Congresso – e concordam com a posição da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal. Ao tratar do orçamento secreto em novembro do ano passado, a ministra criticou sua natureza secreta: “Reputa-se violado o princípio republicano em face de comportamentos institucionais incompatíveis com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado.”

Em recente entrevista, o próprio secretário de Orçamento Federal, Ariosto Culau, apontou consequências negativas do orçamento secreto e lembrou, sutilmente, que as emendas do relator-geral não estão previstas na Constituição. “Um outro ponto particular na Proposta Orçamentária de 2023, trazido pela LDO de 2023, é a necessidade de constituição de reservas específicas para atendimento de emendas parlamentares, no caso, emendas de relator, além daquelas que já são previstas constitucionalmente, que são as emendas individuais e as emendas de bancadas estaduais”, disse o secretário. 

“Então nós temos um conjunto expressivo de recursos que são destinados para essa finalidade, devem ser identificados na proposta orçamentária. Essa rigidez adicional trazida por essas reservas faz com que nós tenhamos uma diminuta margem para expansão de despesas discricionárias, aquelas despesas relativas a projetos e investimentos da administração pública”, disse Culau, em entrevista ao podcast Orçamento Sem Segredo, feito pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor). No release de divulgação do podcast, no qual o secretário foi o primeiro entrevistado, a Assecor disse que se trata de “um podcast contra o orçamento secreto”.

 

A nota da equipe econômica desmonta as alegações de Bolsonaro de que o orçamento secreto é “coisa do Congresso”. Confrontado com o assunto nos debates presidenciais, Bolsonaro tem dito que não tem responsabilidade sobre o tema. “Eu não tenho qualquer acesso ao orçamento secreto. Então realmente esse dinheiro, 18 bilhões atualmente, poderia, seria muito melhor distribuído para outras áreas do governo”, disse ele durante o debate presidencial realizado por um pool de veículos de comunicação em 24 de setembro. Durante o mesmo debate, disse ainda: “Esse orçamento é privativo do parlamento brasileiro. Nós apenas executamos. Eu não posso indicar tantos milhões para fazer tal obra em tal local. Quem indica são deputados e senadores.”

O presidente da República não é obrigado a seguir uma orientação dos técnicos da equipe econômica, embora isso seja a regra, mas a situação se complica ainda mais quando a recomendação dos técnicos fala em ilegalidades. Bolsonaro decidiu ignorar um alerta segundo o qual estava aprovando uma medida inconstitucional. “Parece-me que o alerta da Secretaria de Orçamento Federal permite a imputação de conduta dolosa em relação aos abusos e inconstitucionalidades no manejo do orçamento secreto”, diz Élida Graziane, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo.

Ao ignorar a nota técnica da equipe econômica e sancionar a LDO, no dia 10 de agosto, Bolsonaro também atropelou os alertas feitos pelo Tribunal de Contas da União sobre a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Em junho passado, ao analisar a prestação de contas da Presidência da República referente a 2021, o TCU aprovou por unanimidade um parecer que afirma que o orçamento secreto fere a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Complementar 141, que trata do Sistema Único de Saúde (leia reportagem da piauí sobre o tema).

O Supremo Tribunal Federal deverá julgar ainda neste ano as ações que pedem o fim do orçamento secreto.

A piauí pediu ao Ministério da Economia e ao Palácio do Planalto explicação sobre a posição do presidente. O ministério disse que não ia se manifestar. O Planalto não respondeu.

 Leia aqui a nota técnica na íntegra.

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