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A era da desconfiança

Pesquisa inédita do Ibope revela nova queda da confiança dos brasileiros nas instituições e em seus conterrâneos e parentes

José Roberto de Toledo | 09 ago 2018_13h59
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A cada ano os brasileiros confiam menos uns nos outros e desconfiam mais ainda das instituições que os governam. A série de pesquisas do Índice de Confiança Social, o ICS do Ibope, começa em 2009. Como é recente, soa exagerado falar em recorde histórico, mas o quadro pintado pela nova edição do índice é o de uma nação que olha mais e mais por cima do próprio ombro. Não há registro de um ano com desconfiança maior do que 2018. É nessa pista esburacada que se dá a atual corrida eleitoral.

Todas as instituições perderam confiança aos olhos da população em comparação a 2017, com uma única exceção: o Congresso Nacional, que ficou na mesma. Mas a “mesma” é tão baixa que não chega a ser vantagem. Dos Bombeiros à Presidência da República, passando pela Polícia, Ministério Público, meios de comunicação, Justiça, sindicatos, partidos, sistema eleitoral e pelas Forças Armadas, nenhuma instituição está funcionando melhor agora do que no ano passado. A imensa maioria está pior do que em 2009.

Para grande parte das instituições essa queda é só mais um degrau escada abaixo, numa descida quase ininterrupta desde que a série de pesquisas começou a ser feita pelo Ibope há dez anos.

A que desabou mais rapidamente foi a Presidência da República: foi do céu ao inferno entre 2010 e 2015, ensaiou uma recuperação em 2016 após o impeachment de Dilma Rousseff, mas, depois de os brasileiros conhecerem Michel Temer de perto, a confiança na Presidência caiu em 2017 abaixo do patamar a que foi com a petista – e desceu outro degrau este ano. Foi sob a gestão do emedebista que a Presidência roubou dos partidos políticos o título de instituição menos confiável da República – um legado que ressuscitou a força eleitoral de Lula e contribuiu decisivamente para fomentar a candidatura Jair Bolsonaro.

 

Tudo isso soa conhecido, parece notícia velha. Tão longo e repetitivo é o período de decadência institucional do Brasil que nem dá vontade de prestar atenção em mais uma cavoucada no poço. Mas há novidades, péssimas.

Alçadas ao protagonismo político pelo governo Temer, as Forças Armadas começam a pagar um preço por isso. Foi o presidente e seus auxiliares que usaram as tropas federais para reprimir manifestação em Brasília no ano passado e, em 2018, nomearam um general interventor no Rio de Janeiro. Talvez por perceber o risco, oficiais de alta patente têm estimulado Bolsonaro, um capitão reformado, a dizer que, se eleito, nomeará também civis.

Embora grande – especialmente se comparada às instituições políticas –, a confiança nas Forças Armadas perante a população voltou a cair em 2018, após três anos de alta. Regrediu ao patamar de 2013, ano em que a insatisfação eclodiu em centenas de protestos espontâneos nas ruas de todas as regiões do país.

Aquele mês de junho foi um ponto de inflexão na confiança dos brasileiros nas instituições que os governam bem como em seus conterrâneos. Desde então, vizinhos, amigos e até familiares começaram a perder confiança social. Ali começou a aumentar – pouco a pouco, mas constantemente – a desconfiança das pessoas umas nas outras. Foi quando os grupos familiares de WhatsApp destamparam as divergências partidárias abafadas por anos durante os almoços de domingo. Foi quando robôs, maliciosos e militantes transformaram Facebook e Twitter numa trincheira.

Mas 2013 foi menos causa do que sintoma.

A universalização dos smartphones e seus aplicativos de mídias antissociais colaboraram com esse processo de desconfiança recíproca e de acirramento da polarização política. Mas, dificilmente teriam alcançado o grau de hostilidade que alcançaram se os sistemas partidário e eleitoral brasileiros não sofressem uma crise crônica de representatividade.

Quando a política não deu mais conta de resolver os conflitos, as pessoas voltaram-se para as telas de seus telefones em busca de solução. Calhou de essas pequenas telas terem se tornado majoritárias nas mãos dos brasileiros justamente nesse período. Foi a proverbial tempestade perfeita: Lava Jato, crise de representatividade, polarização política, celulares mais espertos e mídias sociais para as massas – tudo ao mesmo tempo.

Como é que a desconfiança generalizada vai impactar o resultado das urnas? Os sinais já estão aparecendo nas pesquisas, tanto as de opinião quanto as feitas pelos brasileiros no Google. De um lado, taxas excepcionalmente altas de eleitores sem candidato a presidente (quem diz que vai votar em branco, nulo ou não sabe responder). De outro, um crescimento lento mas constante das buscas na internet pela expressão “como anular o voto”.

O establishment político foi muito eficiente na sua reação aos protestos de 2013. Com a desculpa de aprimorar o sistema eleitoral, fez uma reforma que concentrou o poder de distribuir os principais recursos de campanha – dinheiro e tempo de propaganda – nas mãos de uma dúzia de caciques partidários. O resultado esperado é uma taxa de reeleição que vai frontalmente de encontro à desconfiança do eleitor nas instituições. Ao clamor por mudança a resposta da urna tende a ser mais do mesmo.

Qual a chance de isso dar certo? Qual a probabilidade de as eleições de outubro servirem para desanuviar o clima de pesar na opinião pública? Talvez a mesma de Temer eleger Henrique Meirelles seu sucessor. A tempestade está só começando a se aperfeiçoar.

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