Esquina da Avenida Garibaldi com a rua São Pio X. A varanda de Helena Onuka fica no lado azul do prédio FOTO: MARLETH SILVA
Esperando Lula
Há meses, emissoras de tevê e jornais alugam uma varanda em frente à Justiça Federal em Curitiba para garantir o melhor ângulo da chegada do ex-presidente para depor na Lava Jato
Por três anos, moradores daquela vizinhança escutaram a mesma cantilena: quando ele chegar, haverá baderna, confronto e barulho. O dia de som e fúria teve a data marcada: 10 de maio, uma quarta-feira, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai subir a imponente escadaria do prédio envidraçado da Justiça Federal em Curitiba, onde deve se apresentar diante do juiz Sérgio Moro para depor na Operação Lava Jato.
Se boa parte dos vizinhos continuou reclamando do indubitável pandemônio que pode se instalar na pacata rua durante a chegada de Lula, houve quem tenha visto no episódio uma rentável oportunidade financeira.
Há meses, Helena Onuka, de 58 anos – baixa, cabelos grisalhos, sisuda e de traços orientais – subloca para a imprensa sua varanda – que tem vista privilegiada para o edifício onde trabalha Moro. Cinco equipes de televisão estão pagando, cada uma delas, 1 mil reais por mês para posicionarem seus holofotes num espaço de pouco mais de um metro de largura, localizado no terceiro andar de um pequeno prédio na esquina da Avenida Garibaldi com a rua São Pio X.
O pacote oferecido pela proprietária do imóvel dá direito a um mês de uso contínuo e inclui garagem, café, água e um banheiro construído especialmente para a ocasião. Mas o contrato pode ser estendido, já que conta com a possibilidade de que Lula tenha que voltar a Curitiba várias vezes. Se Moro e os advogados de defesa não entrarem em acordo, o ex-presidente terá que estar presente nas oitivas das 86 testemunhas arroladas no inquérito que apura se ele ganhou ou não um apartamento da construtora OAS, no Guarujá.
A TV Globo foi a primeira a identificar o ponto privilegiado. Uma pessoa da equipe viu um papel anunciando o aluguel de outras salas do prédio, que exibia o telefone dos proprietários. Entraram em contato. A emissora tem usado a varanda desde março, quando ocorreu um protesto contra a nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Em breve, estarão disputando cotovelo com cotovelo com concorrentes como a TV Cultura, de São Paulo, a Record, e o SBT, além de uma agência de notícias cujo nome ela não se lembra.
Nos últimos dias, técnicos das equipes de filmagem apareceram para definir exatamente qual ponto ocuparão no “dia D” da Lava Jato. A varanda é distante cerca de 20 metros, em diagonal, do prédio da Justiça. E a grande vantagem é que não há nada à frente para atrapalhar a vista. Um edifício ao lado – que também tem varandas teoricamente perfeitas para a função – é circundado por frondosas moringas, coreutérias e algumas palmeiras butiás de médio porte. Ou seja, a proprietária não tem concorrentes.
O esquema para o jornalismo de varanda está pronto: a forma de pagamento, as obrigações e direitos das partes, e o que vem incluído no aluguel. “Avisei que café e água eu forneço, mas o resto é por conta deles”, disse a proprietária. Para dar mais conforto aos inquilinos do mês de maio, ela mandou instalar um lavabo na cobertura e distribuirá cópias das chaves para que a turma possa ter livre acesso. Cinegrafistas e repórteres vão ser acomodados no que ela chama de “salão de festas” – uma sala onde ainda faltam janelas e forro no teto e que deve ser inaugurada, segundo ela, em breve.
Toda burocracia do negócio está em suas mãos. “Se ficasse por conta do meu marido, ele deixaria todo mundo usar as salas de graça.” A seu lado, Fernando Onuka, de 59 anos, riu sem contestar.
Ainda que se pague pela reserva do espaço com antecedência, a proprietária não garante exclusividade. “Deixo claro para cada jornalista que me procura que se aparecer mais gente interessada eu alugo”, explicou. A renda do casal Onuka provém do aluguel de outras salas comerciais no edifício de três andares: um salão de cabeleireiro, uma clínica de fisioterapia, um escritório de arquitetura e uma firma de contabilidade. O maior cliente era uma loja de móveis, que há pouco desocupou várias salas, causando um baque no orçamento da família. Quando um cinegrafista insinuou que ela não deveria alugar a varanda para mais de uma rede de tevê, ela foi enfática: “É o meu negócio, o meu ganha-pão. Vivo disso.”
Eles gostariam de usar o dinheiro do aluguel para fazer melhorias no imóvel, mas com algumas salas térreas vazias, o valor talvez tenha que ser usado para bancar os custos dos filhos na universidade. Nem em seu mais remoto sonho, Helena Onuka disse ter imaginado o futuro uso do prédio, construído há 22 anos, erguido dos escombros de um barracão de madeira. Ela se disse admirada de poder cobrar um valor equivalente “aos de aluguéis à beira-mar”.
Mesmo com o dinheiro no bolso, ela parece tensa com a movimentação vindoura. “Os petistas vão chegar nervosos”, comentou. Por via das dúvidas, recomendou aos inquilinos das lojas do térreo que fiquem de portas fechadas no dia 10. A maioria deles não levou o conselho muito a sério e devem trabalhar normalmente. Às equipes de tevê, ela demarcou as vagas na garagem e recomendou que ninguém estacione em frente ao prédio. “Todas as ruas aqui em volta estarão tomadas pelos manifestantes”, prevê, já sabendo que a Secretaria Municipal de Trânsito deve isolar a área, como costuma fazer quando há grandes manifestações.
Ainda que o aluguel lhe tenha sido muito vantajoso, ela parece estar cansada da Lava Jato. “Isso não acaba nunca…”, suspirou. Enquanto falava, identificou o barulho de uma ambulância com escolta policial rodando na rua ao lado. “Quem será que vai lá dentro? Deve ser alguém que passou mal durante o interrogatório”, disse demonstrando sua nova expertise. Sempre que a escolta é grande ou há equipes de televisão circulando na quadra, ela e o marido conferem na tevê ou na internet quem é o “figurão” do dia.
Da varanda, eles não conseguem identificar quem entra ou sai da Justiça Federal. Os réus e as testemunhas entram em veículos pretos com vidros escurecidos, em viaturas ou ambulâncias, e desembarcam dentro da garagem. Ao contrário do que acontece no prédio da Polícia Federal, ninguém entra caminhando, com as mãos unidas nas costas e escoltado pelos agentes federais.
Helena Onuka jamais viu o juiz Sérgio Moro pessoalmente. Ela tem curiosidade em saber a posição da sala em que ele trabalha: se é voltada para a rua, se ele está atrás de uma das janelas de vidros azuis. Seu gabinete fica no segundo andar, no fim de um corredor que é permanentemente vigiado por seguranças. De sua janela, na lateral esquerda do prédio, enxerga-se um edifício residencial – o que faz supor que os moradores dos apartamentos também podem ver o vizinho famoso.
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