“Estamos fora do país há cinco anos. Se não fosse a tecnologia, nosso trabalho seria ainda mais difícil. Fazemos o que está ao nosso alcance para fazer jornalismo no exílio." Foto: Marcelo Saraiva
Inteligência artificial, uma ferramenta para a imprensa exilada
O jornalista Joseph Poliszuk, fundador do site Armando.info, conta como a tecnologia lhe ajudou a seguir cobrindo a Venezuela mesmo depois de deixar o país
O jornalista Joseph Poliszuk foi feliz pela última vez há seis anos, no derradeiro dia em que visitou a Amazônia venezuelana para apurar uma reportagem. Depois foi forçado a deixar a Venezuela devido a uma investigação que revelou segredos da gestão de Nicolás Maduro, e, desde então, entrar na floresta, como em qualquer outra parte do país, parece impossível. Restou a Poliszuk recorrer a ferramentas digitais para dar prosseguimento ao seu trabalho jornalístico. Assim, no ano passado, ele e a equipe do site Armando.info – que Poliszuk ajudou a fundar – usaram inteligência artificial numa reportagem que identificou a existência de 3.718 garimpos, a maioria ilegais, na Amazônia venezuelana. A apuração do material foi um dos assuntos tratados na conversa que Poliszuk teve com os repórteres da piauí Allan de Abreu e Bernardo Esteves no início da noite de domingo (3), na mesa de encerramento do Festival piauí de Jornalismo.
O Armando.info foi fundado em 2014. “Na época, eu trabalhava no jornal El Universal, e vi o regime de Nicolás Maduro começar a comprar os veículos de imprensa”, disse. A certa altura Maduro comprou o veículo em que Poliszuk trabalhava. “Eu e colegas fundamos o Armando.info num momento que os jornalistas do país batizaram de ‘primavera da mídia digital venezuelana’. Hoje, há 22 sites de notícias e reportagens venezuelanos considerados independentes do regime de Maduro.” O site de Poliszuk é mantido como uma organização não governamental, o que implica estar sempre atrás de financiamento.
Em seu país, não se fala de inteligência artificial ou democracia, Poliszuk disse. “Só se fala de comida e de fome.” O jornalista só sabe disso porque mantém contato com os amigos e os familiares que continuam na Venezuela; ele mesmo não vai lá desde fevereiro de 2018, quando foi forçado a deixar o país, com medo de perseguição do regime, depois de ter sido processado por um executivo ligado ao partido de Maduro.
Tudo começou em 2017, quando o Armando.info revelou que o empresário colombiano Alex Saab estava vendendo produtos superfaturados para um programa de alimentos administrado pelo governo venezuelano (como apontam os textos “Empresarios cuestionados en Ecuador y EEUU le venden comida al gobierno venezolano” e “Peña Nieto, no te rajes”). Mais tarde, os repórteres da equipe chefiada por Poliszuk testaram o leite distribuído pelo programa de assistência e descobriram que, em vez de cálcio, havia sal na composição do líquido. O empresário Saab, que o Armando.info afirmara ter laços estreitos com o partido do presidente Nicolás Maduro, moveu uma ação contra eles, obrigando Poliszuk e três de seus colegas a deixarem o país para proteger a investigação e a si próprios. “Mesmo de longe, nosso propósito é continuar investigando as histórias desse país que as pessoas pensam que está melhor depois da crise, mas na verdade não melhorou.” Tem sido um desafio, ele reconhece. “Estamos fora do país há cinco anos. Se não fosse a tecnologia, nosso trabalho seria ainda mais difícil. Fazemos o que está ao nosso alcance para fazer jornalismo no exílio.”
Poliszuk fez um curso de Inteligência Artificial na Universidade Stanford. “À época, me ocorreu a ideia de encontrar nos dados o que os meus olhos não podiam ver”, disse. Aliar as ferramentas tecnológicas com a reportagem de campo tem sido a sua obsessão. No caso da reportagem sobre a Amazônia, o uso da inteligência artificial foi decisivo para o sucesso da investigação. A pesquisa foi feita por uma tecnologia automatizada, a partir de registros de satélites. Jornalistas do veículo espanhol El País ajudaram na visualização de dados em mapas e cartografias. “Tudo começou com fontes humanas indicando que havia minas de exploração no meio da floresta, em regiões onde qualquer tipo de minério era proibido pela legislação venezuelana”, lembrou. “Com a ajuda do Pulitzer Center, criamos um algoritmo que pudesse identificar a existência de minas. Quando havia dados suficientes, partimos para as entrevistas no local, em meio aos garimpos.”
O jornalista Bernardo Esteves perguntou como foi a integração do trabalho operacional com a ida dos repórteres a campo. “Como todo trabalho jornalístico, o do Armando.info começa na hipótese, parte para a apuração – nesse caso, a inteligência artificial – e termina na atividade de campo”, Poliszuk disse. “Enviar repórteres para as minas de exploração nos deu uma dimensão do problema que os dados não revelavam: condições precárias e exploradoras das atividades laborais e presença forte de brasileiros entre os garimpeiros.”
O trabalho com inteligência artificial foi feito através da análise de imagens do Google Earth, além de um algoritmo de análise de visão computacional nas fotografias de satélite fornecidas pela Earthrise Media. A investigação também serviu de inspiração para um projeto com uma metodologia similar. O jornalista brasileiro Hyury Potter uniu-se à equipe da Earthrise para publicar Pistas do Desmatamento: A Expansão da Mineração Ilegal na Amazônia, um trabalho que identifica pistas de atividades ilegais na Amazônia brasileira. A reportagem foi destacada como uma das melhores histórias de jornalismo de dados de 2022.
O Brasil enfrenta um desafio com a entrada do narcotráfico na Amazônia, lembrou Allan de Abreu. O repórter da piauí avaliou que, na cobertura de fatos como esse, há pouca colaboração entre os jornalistas dos oito países sul-americanos sobre os quais a Amazônia se distribui, opinião que Poliszuk compartilha. “Somos oito parceiros dividindo o mesmo problema, mas olhamos pouco uns para os outros”, disse ele.
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