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    O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, durante comemoração da aprovação do texto-base da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados FOTO DE FABIO RODRIGUES POZZEBON/AGÊNCIA BRASIL

questões políticas

Fiador da Previdência, Maia se lança, chora e aprova reforma

Presidente da Câmara faz discurso de candidato, omite Bolsonaro e diz que vitória é do Centrão

Thais Bilenky | 10 jul 2019_11h46
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Eram pouco mais de oito da noite quando, em silêncio, o deputados se viraram para a tribuna para ouvir o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), discursar. “Rodrigo, Rodrigo, Rodrigo”, gritaram parlamentares antes do início da fala em que o presidente da Casa pregou o diálogo, o combate a injustiças sociais e condenou “o ataque às instituições”. De volta à cadeira de presidente, Maia chorou ao proclamar o resultado da votação da reforma da Previdência, com um placar muito mais folgado do que o calculado publicamente pelo governo: 379 votos a favor e 131 contra. São necessários 308 votos para aprovar uma proposta de emenda constitucional. A reforma ainda vai a segundo turno.

Na saída da sessão, deputados comentavam que Maia fez discurso de estadista e provou ter amadurecido nos seis meses de governo Bolsonaro. Ao citar as diferentes regiões do Brasil, reforçou a interpretação de que se prepara para saltos eleitorais no futuro próximo. Fez questão de votar, abrindo mão da prerrogativa garantida no artigo 17 do regimento interno da Casa.

Maia não citou Bolsonaro em seu discurso. Pelo Twitter, o presidente lhe deu os parabéns e, no plenário, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que Maia inscreveu seu nome na História do Brasil. Aliados de Bolsonaro, porém, acusaram o golpe: reclamaram que Maia tenta ofuscar o presidente. Mais cedo, a quarta-feira começara com o desencontro entre Bolsonaro e Rodrigo Maia.

Jair Bolsonaro chegou à Câmara dos Deputados às 8h28 e disparou em direção a um auditório em um dos anexos da Casa onde seria celebrado um culto da Frente Parlamentar Evangélica. Maia havia incluído em sua agenda oficial a recepção de Bolsonaro. Não apareceu. 

“Ah, ouvi qualquer coisa [sobre Maia receber o presidente], mas eles vão conversar, não aqui [no culto], na sala dele”, assegurou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. O ministro, de 71 anos, corria literalmente atrás de Bolsonaro. Não é a primeira vez que a piauí o encontra em movimento; no Palácio do Planalto, em cerimônia de lançamento da campanha publicitária da chamada Nova Previdência, Heleno atravessou o salão a trote. “Estou sempre correndo. É bom, a gente se exercita”, disse, ofegante.

Depois do culto, Bolsonaro foi ao plenário para uma sessão solene em homenagem aos 42 anos da Igreja Universal do Reino de Deus. Lá tampouco o presidente da Casa o recebeu. Em seu lugar, o anfitrião foi o vice-presidente da Câmara, deputado Marcos Pereira, presidente do PRB e bispo licenciado da Universal, aliado de Maia. Bolsonaro deixou a Câmara cerca de uma hora depois, e Maia ainda não havia chegado. A sessão da véspera, em que os debates sobre a reforma foram iniciados, terminou por volta de 1h da manhã de hoje.  Segundo Bolsonaro, Maia mandou uma mensagem lamentando o desencontro, causado, alegou, pelo horário em que foi dormir.

Depois de meses de morde e assopra, Bolsonaro chegou ao dia da votação da Previdência no plenário em sua versão paz e amor. “O Parlamento estará de portas abertas para nós, em especial na pessoa do Rodrigo Maia, que muito bem tem conduzido as questões [pausa para aplausos] de interesse do nosso Brasil, bem como, se Deus quiser, os olhos nossos, né?, de todo mundo se volverão para o Senado Federal na pessoa do grande pequeno Davi Alcolumbre, uma pessoa que tem o coração maior que o peito”, discursou o presidente ainda durante o culto.

O deputado pastor Marco Feliciano (PODE-SP), que se firmou nos últimos meses como um dos principais interlocutores de Bolsonaro na Câmara, andou pela plateia para distribuir o pão da Santa Ceia rezada por Marcos Pereira. No centro do palco, uma mesa comprida foi coberta com uma toalha vermelha cintilante e, por cima dela, outra toalha branca rendada, onde foram dispostos cestos com pão e ramos de trigo e uma taça gigante de suco de uva, simulando o sangue de Jesus. Neste cenário, Bolsonaro fez mais um aceno à numerosa bancada evangélica ao reiterar seu compromisso de indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, em uma das duas cadeiras que deverão vagar no curso de seu mandato. 

Bolsonaro compareceu à Câmara em ambiente amigável, diferente daquele observado na véspera, em que a oposição e o centrão conseguiram adiar o início do debate sobre a Previdência durante toda a tarde. Deputados de legendas não ideológicas, independentes do governo, cobram mais recursos da administração federal para dar seguimento à votação. Segundo a ONG Contas Abertas, só em julho, o governo liberou R$ 2,55 bilhões em emendas parlamentares, mais do que a soma do restante do ano (R$ 1,77 bilhão). Além disso, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, teria prometido R$ 40 milhões para deputados que votarem a favor da reforma, segundo a Folha de S.Paulo.

“Aí é natural, é o jogo político e os deputados são mestres nisso e a gente tem que ficar escapando”, afirmou Augusto Heleno.

Nos corredores da Câmara, deputados do PSL, sigla de Bolsonaro, reclamavam em voz alta do governo por ter, nas palavras pronunciadas, prometido mais do que podia. 

“Nunca ouvi falar disso. Nunca ouvi falar”, disse Onyx à piauí, na terça, de braços cruzados, fazendo não com a cabeça, sentado em uma das fileiras de deputados na Câmara. “O que tu tá me trazendo é novidade. O que está acontecendo aqui, como em toda votação de matéria complexa, [é que] estão acertando a emenda das meninas. Ainda há alguns ajustes a serem feitos, provavelmente tem uma emenda de correção de texto. O relator vai anunciar”, afirmou o ministro.

Por “meninas”, ele se referia à bancada feminina (77 deputadas dos 513), que negociou com sucesso uma mudança no cálculo de aposentadoria para as mulheres, reduzindo de 20 para 15 anos o tempo mínimo de contribuição.

Despedindo-se da articulação política – Bolsonaro deu a atribuição ao general Luiz Eduardo Ramos, pastor evangélico, novo ministro da Secretaria de Governo, Onyx é deputado federal licenciado e usa o bottom da Câmara mesmo quando despacha do Planalto. Ele e os outros três ministros que são deputados federais retomaram posse de seus mandatos para votar a Previdência.

Onyx, na terça,  achava que a votação seria simples. “Não há impasse, vamos votar e vamos aprovar com mais de 330 votos. Ao longo da noite. Vou ficar aqui a noite toda.” Errou a previsão.

Ainda na manhã de terça, Rodrigo Maia chegou à Câmara com uma proposta para que o cronograma – repetido pelo ministro da Casa Civil – pudesse se realizar. Fez uma proposta aos partidos de esquerda, os quais não chama de oposição, porque deram apoio à sua reeleição como presidente da Casa e lhe dão sustentação. Sugeriu que o plenário fizesse cinco horas de debate sobre a Previdência na tarde de terça e começasse a votação no início da noite. Com isso, pretendia evitar que os opositores da reforma fizessem obstrução, retardando o início dos trabalhos. Legendas de esquerda como PSOL e PCdoB recusaram o acordo, e a Câmara passou a tarde de ontem discutindo um projeto de lei sobre vaquejada. 

Até que, às 20h48, ele se levantou, aumentou o volume da voz e anunciou: “Está aberta a sessão. Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro, iniciamos os nossos trabalhos”. Maia travou uma batalha regimental com deputadas do PCdoB, partido que o apoia no xadrez interno da Câmara, para evitar o adiamento da análise da reforma. 

Alice Portugal (PCdoB-BA) queria fazer uma questão de ordem, e Maia foi firme ao controlar o acesso ao microfone para não perder o controle da sessão. “Acho que temos que ter um mínimo de calma”, ela falou, ao  expor argumentos a favor de sua proposta. “Quem não está sendo calmo não sou eu, não, deputada”, respondeu.

Mais adiante, em um raro momento de silêncio no plenário, Maia afirmou que todas as suas decisões foram baseadas no regimento. Foi aplaudido ao dizer que deputados que ergueram cartazes contra a reforma desrespeitaram as regras da Casa. E emendou: “Tem coisas que ainda precisam ser resolvidas, benefícios daqueles que ganham muito, como a regra de transição do regime próprio”.

Jandira Feghali (PCdoB-RJ) pegou o microfone: “O primeiro desrespeito do regimento é que o presidente da Câmara não deveria fazer defesa de mérito sentado no microfone da presidência”, protestou. “Deveria estar no microfone de aparte fazendo isso.”

Em alguns momentos, conversas privadas de Maia vazaram pelo microfone, como quando atendeu ao telefone. “Eu propus o acordo, vocês não quiseram”, disse a quem estava do outro lado da linha. “Não foi meia hora, não…”

Maia gastou capital político com as legendas de esquerda para garantir o fim dos debates com o intuito de conseguir, no dia seguinte, iniciar a votação da reforma, sua agenda prioritária. Mas não perdeu o humor.  Mostrou uma medalha que levava no bolso: “Eu estou protegido também, meu amigo, não é só você, não”, disse para um deputado.

Às 23h36, para manter o quórum alto, anunciou: “Aviso ao plenário que vamos ter votação nominal só para que alguns que estão saindo aí por trás…” E à 00h11, sorrindo, observou que  “a Natália não falou, está aqui angustiada e, para que ela não durma angustiada, ela primeiro usa a palavra, tá bom? Pode ir”. Era a deputada Natália Bonavides, do PT do Rio Grande do Norte.

Com seu empenho político para a aprovação da reforma da Previdência, Maia não quer dividir os louros de sua potencial vitória com Bolsonaro, que não agiu em sintonia com a presidência da Câmara ao longo do processo. Ao contrário, Maia foi muitas vezes criticado pelo presidente e por seus aliados. “A construção do texto foi uma construção parlamentar, e a construção da vitória, se ela acontecer, será uma construção do Parlamento, não será uma construção do governo”, afirmou Maia em seu podcast semanal, que entrou no ar na segunda-feira.

Ao proclamar o resultado, Maia mostrou que estava certo.

 

 

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