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“Filho de Saul” – esplêndido e raro

Eduardo Escorel | 11 fev 2016_10h20
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Tão ou mais excepcional do que fazer do integrante de um Sonderkommando do campo de extermínio de Auschwitz seu personagem principal é o meticuloso projeto estético e rigorosa unidade de estilo que há em Filho de Saul, do diretor estreante László Nemes. Excepcional, no caso, não apenas no sentido de esplêndido, mas também de raro.

Os integrantes do Sonderkommando (unidade especial) não costumam figurar no rol das vítimas do Holocausto transformadas em personagens de ficção. Esses prisioneiros dos campos são tratados habitualmente como meros colaboradores dos carrascos nazistas e condenados em consequência. Forçados a fazerem o serviço que precedia e sucedia a morte na câmera de gás dos demais internados, sabendo que eles próprios também seriam mortos em breve, os membros do Sonderkommando são rejeitados e considerados párias.

Quanto à encenação e estilo, Filho de Saul destaca-se no panorama do cinema contemporâneo. Vão se tornando cada vez mais escassos filmes que escapam da banalidade da linguagem convencional e, ainda assim, além da consagração em festivais e prêmios variados, conseguem obter resultado de bilheteria expressivo. Ainda mais quando são deliberadamente ambíguos, como o filme de Nemes, que deixa no ar, por exemplo, se o “filho” de Saul é ou não filho de Saul. E, além disso, entreabrem a porta para o imaginário, rompendo o tom realista predominante em um final belo e pungente.

O diretor László Nemes
O diretor László Nemes

Depois de receber, em 2015, o Grand Prix em Cannes, segundo prêmio mais importante do festival, e ganhar o Golden Globe de melhor filme não falado em inglês, Filho de Saul concorre na mesma categoria ao Oscar, a ser atribuído no próximo dia 28. Não tendo conseguido financiamento na França, Alemanha e Israel, foi filmado em apenas 28 dias com orçamento de $1.6 milhões de dólares, provenientes do Fundo Nacional de Cinema Húngaro e de um modesto apoio de $50.000 da Claims Conference (Conferência de Reivindicações Materiais Judias à Alemanha). Já rendeu $2.8 milhões no mercado internacional, sendo cerca de $885.000 apenas nos Estados Unidos, um feito para um filme húngaro.

A inteligência de Nemes está em colar a câmera em Saul Ausländer, seu personagem principal, interpretado por Géza Röhrig, ator que em Filho de Saul voltou a atuar no cinema depois de ausente 15 anos.

Os dois enquadramentos dominantes no filme são closes de Ausländer, visto de frente e de trás, em planos longos filmados com a câmera na mão. Acompanhando a movimentação ansiosa dele pelo campo, em um caso mostra apenas sua cabeça, nuca e ombros, reproduzindo a marca registrada dos documentários do cinema direto ao seguirem seus personagens; no outro, a paisagem privilegiada de Filho de Saul é o rosto de Ausländer. O que acontece à sua volta, fora de foco ou fora de quadro, é reconstituído em grande parte pela elaborada trilha sonora. Ao todo, são apenas 85 planos, nenhum com duração acima de 4 minutos.

Dessa maneira, Nemes evita a armadilha na qual costumam cair filmes sobre campos de concentração – transformar o horror em espetáculo. Filho de Saul é um filme sobre um homem obcecado, alheio aos preparativos de uma rebelião, e é nele que a câmera se detém. Fica por conta do espectador imaginar o entorno, não mostrado de forma ostensiva.

Falado em 8 línguas, inclusive em diferentes tipos de Yiddish, de acordo com a região de origem de quem fala, Filho de Saul procura indicar que no inferno do campo, a língua talvez fosse a única morada que as pessoas podiam ter, conforme Nemes declarou.

“Meu filme não é sobre sobrevivência; é sobre a realidade da morte. Sobrevivência é uma mentira, era uma exceção. Não focalizei um grupo, mas antes a experiência de um ser humano. […]”, diz Nemes em uma entrevista.

E prossegue: “Meu diretor de fotografia, Matyas Erdely, e eu decidimos filmar usando película fotossensível por que para nós isso representa a essência do cinema, a alma do cinema. A imagem física projetada é cinema, todo o resto é uma coisa diferente. Nós achamos que não está certo que tendências industriais façam a película desaparecer. […] O efeito que procuramos não teria sido encontrado trabalhando com digital pois buscávamos uma certa instabilidade nas imagens, uma certa forma orgânica; o filme 35mm foi mais eficaz para esse objetivo. Você obtêm menos com digital e isso é um passo atrás, nós queríamos lutar contra isso, e queríamos ter certeza que novas gerações entenderiam o que significa filmar em película. Além do mais, usar filme é também uma questão de disciplina e nos dá a sensação de dirigir; exige que você tome suas decisões de antemão, sem poder empurrar tudo para a sala de edição.” (Entrevista completa disponível aqui).

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