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Questões da Ciência

Fiscalização continuada

Na semana passada, pesquisadores americanos anunciaram uma tentativa bem-sucedida de obter células-tronco a partir de embriões humanos clonados – um feito que a ciência vinha perseguindo há mais de uma década. Poucos dias depois, uma denúncia anônima publicada num site dedicado ao escrutínio dos resultados científicos apontou irregularidades no trabalho. Os problemas talvez não comprometam as conclusões do estudo, mas chamam a atenção para novos mecanismos para a transparência na prática científica.

Bernardo Esteves | 24 maio 2013_14h36
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Na semana passada, pesquisadores americanos anunciaram uma tentativa bem-sucedida de obter células-tronco a partir de embriões humanos clonados – um feito que a ciência vinha perseguindo há mais de uma década. Poucos dias depois, uma denúncia anônima publicada num site dedicado ao escrutínio dos resultados científicos apontou irregularidades no trabalho. Os problemas talvez não comprometam as conclusões do estudo, mas chamam a atenção para novos mecanismos para a transparência na prática científica.

Publicado na revista no último dia 15, o estudo foi realizado pela equipe de Shoukhrat Mitalipov, da Universidade de Ciência e Saúde do Oregon, que assina o trabalho ao lado de 22 colegas. A equipe conseguiu clonar embriões humanos usando a mesma técnica que gerou a ovelha Dolly em 1996, a transferência nuclear de células somáticas. O método já havia sido usado com sucesso para clonar outros mamíferos, mas jamais com embriões humanos (uma tentativa anunciada em 2004 por cientistas coreanos mostrou-se mais tarde ser uma fraude).

O trabalho foi festejado por abrir as portas para a clonagem terapêutica de embriões, que poderia levar a novos tratamentos para uma série de doenças. Foi amplamente divulgado na imprensa mundial. No Brasil, foi destacado na manchete do Globo – é raro que notícias de ciência recebam esse destaque em nossos jornais.

Poucos dias depois, porém, denúncias anônimas publicadas no site PubPeer questionaram detalhes técnicos do artigo. Em duas ocasiões, uma mesma imagem teria sido usada de forma repetida no artigo para ilustrar processos diferentes. Num dos casos, a mesma imagem que ilustra as células-tronco clonadas aparece mais adiante apresentada como uma linhagem de células criadas por fertilização in vitro.

A denúncia chamou atenção para a rapidez com que o estudo foi aceito para publicação – três dias, um intervalo extremamente curto. Como lembrou uma reportagem da Popular Science, a revisão de um trabalho anterior do mesmo autor sobre células-tronco embrionárias se estendeu por seis meses. O processo pode ter sido conduzido às pressas diante do impacto potencial dos resultados e de seu apelo midiático, conforme deu a entender o denunciante. “[O trabalho] recebeu cobertura maciça da imprensa e certamente se coloca como forte candidato para publicação científica do ano”, afirmou o comentarista anônimo.

A revista Cell reconheceu as irregularidades por meio de um comunicado da editora-chefe Emilie Marcus publicado na caixa de comentários do artigo. “Parece que houve erros menores feitos pelos autores ao preparar as figuras para a submissão inicial do artigo. Estamos em discussão com os autores, mas não acreditamos que esses erros afetem os achados de modo algum”, escreveu. Marcus negou ainda que a rapidez do processo de revisão tenha comprometido o seu rigor.

Em entrevista ao site da revista Nature, o líder da equipe reconheceu três “erros inocentes” no artigo e negou que houvesse problemas com uma quarta acusação de irregularidade. “Os resultados são reais, as linhagens celulares são reais, tudo é real”, declarou Shoukhrat Mitalipov. O autor disse ainda que discutirá com a Cell a publicação de uma errata.

Pode ser que as irregularidades apontadas sejam de fato apenas erros de boa fé, e que em nada comprometam as conclusões e implicações do trabalho. A lição que fica é que, mesmo nos estudos publicados em revistas de alto impacto, é saudável questionar a revisão por pares, especialmente no caso de estudos com grande potencial para atrair a atenção da mídia, como já havia mostrado o caso das “bactérias extraterrestres” publicado pela Science.

O caso chama a atenção também para fóruns de crítica à ciência como o site PubPeer, iniciativa lançada em 2012 para fazer o escrutínio de artigos publicados na literatura especializada – ou a “revisão por pares pós-publicação”, como eles preferem denominar. As contribuições publicadas ali são anônimas – assim como na revisão promovida pelos periódicos – e notificadas aos autores do artigo analisado.

De acordo com o site, o PubPeer “foi elaborado por uma equipe diversa de cientistas no início de carreira em colaboração com programadores que coletivamente decidiram permanecer anônimos a fim de evitar a personalização do site e evitar circunstâncias em que o envolvimento com o site pudesse produzir efeitos negativos em sua carreira científica”. Iniciativas como essa tendem a estimular o rigor e a transparência na prática científica e merecem ser saudadas.

(foto: Alexandre Moleiro – CC 2.0 BY-NC-SA)

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