Ilustração: Carvall
Fuxico Gospel versão 2023: contra golpistas
Portal evangélico perde seguidores ao denunciar pastores e cantores que apoiaram ataque terrorista
“Pastor defende golpistas e sugere a fiéis ‘pegar em armas’.” “Identificado mais um pastor que participou dos atos golpistas no DF.” “Quem é Fernanda Ôliver, cantora gospel bolsonarista que virou musa das manifestações.” Essas foram algumas das matérias publicadas pelo Fuxico Gospel, site voltado para o público evangélico, após o ataque de bolsonaristas no dia 8 de janeiro, em Brasília. Ao contrário de portais como Gospel Prime, Pleno News e Assembleianos de Valor, que após os atentados seguiram com apoio fiel a Jair Bolsonaro e aos golpistas, o Fuxico Gospel atuou de forma diferente. Passou a veicular nome e sobrenome de líderes evangélicos envolvidos nas invasões.
Como seu público é majoritariamente evangélico, ir contra a corrente tem um custo. Só no Instagram, onde soma 204 mil seguidores, o Fuxico Gospel perdeu 4 mil seguidores nos dois dias seguintes aos ataques. Quem deixa de seguir ou critica a página argumenta se tratar de uma traição entre evangélicos. A despeito da fuga de seguidores, a publicação dobrou a aposta e reiterou sua linha editorial contra a barbárie em uma matéria com o seguinte título: “Os prejuízos para a igreja evangélica com a adesão ao bolsonarismo – o vandalismo e os atos terroristas que aconteceram em Brasília contou com a presença de pastores, cantores e centenas de evangélicos.”
“Fizemos um trabalho de X-9, digamos assim”, conta Izael da Silva Nascimento, de 34 anos, sócio do portal ao lado de seu sobrinho, Micael Batista Nascimento. Izael entende que a adesão maciça de evangélicos ao bolsonarismo se deve à construção de uma guerra entre o que muitos pastores consideram ser o bem (Bolsonaro) e o mal (Lula, PT, comunismo, pautas progressistas). Em sua avaliação, o apoio não se deu por questões políticas, mas porque parte significativa de fiéis acredita fazer parte de uma guerra espiritual. “É uma lavagem cerebral. Colocaram na cabeça das pessoas que se trata de um embate entre Satanás e a família. Estão envolvidas nesse projeto de lavagem cerebral pastores de várias denominações, inclusive as clássicas. Eu me sinto envergonhado enquanto evangélico”, diz Nascimento, que frequenta a Igreja Batista Betesda. O Fuxico Gospel nunca se manifestou a favor ou contra Lula ou Jair Bolsonaro. “Mas como publicamos a verdade, fazendo críticas, me acusam de ser comunista e contra os valores da família.”
Na semana passada, Izael da Silva Nascimento recebeu uma mensagem da cantora gospel Fernanda Ôliver. Ela pedia a remoção da matéria que dizia que a artista convocou e transmitiu o ataque terrorista. “Ela me chamou no WhatsApp pedindo ‘pelo amor de Deus’ para tirar [a matéria do ar]. Ela entende que não convocou para o vandalismo. E, sim, para um ato, e que eles foram usados. Pediu em nome de Jesus para não expô-la, pois diz que não tem culpa”, contou Nascimento – que manteve a publicação em seu site.
Fernanda Ôliver nasceu em Araguaçu, Tocantins, mas vive hoje em Goiânia. Na tarde do dia 8, ela não só estava presente no ataque aos Três Poderes como fez uma live da ação para os seus mais de 130 mil seguidores. Dada a repercussão negativa, Ôliver fechou a opção de permitir comentários em suas fotos. A cantora vinha em uma crescente golpista e se sentia orgulhosa por ter criado o “hino da manifestação”. No caso, a canção Então eu me levanto, que ela cantou em tendas golpistas em cidades como Brasília e Londrina. Diz a letra: “E por Deus, pátria e família eu vou lutar.” Nas apresentações em acampamentos golpistas, Ôliver aparecia em palcos enrolada na bandeira do Brasil. A música em questão copiou os acordes da canção original Stand Up, interpretada por Cynthia Erivo e tema do filme Harriet – O Caminho para a Liberdade, de 2019. O longa narra a história da ativista que durante a Guerra Civil americana ajudou centenas de escravos a fugirem do Sul dos Estados Unidos após ela própria ter escapado da escravidão. Procurada pela piauí, Fernanda Ôliver não respondeu ao pedido de entrevista.
O Fuxico Gospel foi criado em 2011 com o objetivo de contar bastidores, intrigas e futricas do universo evangélico. A avaliação de então era clara: muitos cantores estavam levando milhares de pessoas aos seus shows e vendendo milhões de CDs, mas recebiam pouca ou quase nenhuma atenção da mídia secular. Contratos firmados com gravadoras, lançamento de livros, casamentos e separações passaram a ser o foco da cobertura. Basicamente, o site passou a dar furos sobre figuras desconhecidas do grande público – porém extremamente populares entre os evangélicos. Não à toa, durante muitos anos o slogan em sua página no Facebook era “Porque nada fica encoberto”, que servia tanto de mote quanto de aviso, usando o versículo 17 do capítulo 8 do Evangelho de Lucas, um dos livros da Bíblia. O site tem hoje cinco funcionários, todos eles trabalhando na sede da empresa, no interior de Alagoas. Nascimento, formado em rádio, atualmente cursa o quinto semestre da faculdade de jornalismo.
Algumas das notícias veiculadas abordam a orientação sexual de cantores evangélicos ou acusações de relacionamento sexual indevido entre pastores e fiéis. O portal responde a dezenas de ações por danos morais. “O Fuxico sempre foi muito impreciso, para não dizer fantasioso”, diz Sérgio Pavarini, influencer protestante e apresentador do podcast Sim, Pod Crer, que nas eleições do ano passado entrevistou Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. “Mas as coisas mudaram recentemente.”
No segundo semestre do ano passado, o Fuxico veiculou uma matéria em que coloca a palavra pastor entre aspas para designar Henrique Vieira, eleito deputado federal pelo Psol pelo Rio de Janeiro. “Pelo Twitter, eu disse que esse tipo de comportamento não se trata de jornalismo, mas de mau-caratismo”, lembra Pavarini. A chamada de atenção fez nascer uma amizade virtual. Pavarini e Nascimento começaram a trocar mensagens privadas falando em como melhorar a qualidade das publicações.
Pavarini se autodenomina progressista raiz e cresceu frequentando a Igreja Presbiteriana Independente. Nos últimos anos, passou a entrar em sites evangélicos que espalham mentiras e teorias da conspiração para ver quais eram seus anunciantes. Em sua conta no Twitter, onde soma 350 mil seguidores, cobrava posicionamento público das empresas que colocam dinheiro em publicações que espalham fake news e preconceito. “Esse trabalho é contínuo, pois sempre há absurdos sendo publicados”, diz. E, apesar da mudança de orientação do Fuxico, a grande parte dos sites evangélicos segue com o apoio a Bolsonaro. No dia 12 de janeiro, pela ocasião da posse das ministras Sônia Guajajara, dos Povos Originários, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, as redes do Assembleianos de Valor postaram um vídeo com presença de integrantes de religiões de matrizes africanas dentro da cerimônia realizada no Palácio do Planalto: “Sai Jesus, entra Xangô. Parabéns aos evangélicos e aos pastores que fizeram o L.”
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