O chanceler Ernesto Araújo: embaixador vive conflito aberto com ala militar INTERVENÇÃO DE PAULA CARDOSO SOBRE FOTO DE PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS
Generais agora miram chanceler
Presidente do Senado também engavetou nomes sugeridos por Araújo para embaixadas
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, passou o último domingo, dia 5, em uma chácara na região de Planaltina (DF). Estava entretido com os filhos e netos, fazendo serviços domésticos como limpar o mato nos arredores da casa. Por volta de 17 horas, entrou em seu carro e dirigiu até o Palácio da Alvorada, onde mora o presidente Jair Bolsonaro. Saiu da reunião cerca de uma hora depois acenando, mas sem falar com jornalistas que faziam campana na portaria.
Naquela noite, a permanência de Santos Cruz, a quem está subordinada a estrutura de comunicação do Palácio do Planalto, foi questionada. Uma campanha por sua saída foi orquestrada nas redes sociais por grupos do governo identificados com as ideias do polemista e guru de extrema direita Olavo de Carvalho, que atacou e insultou o general.
No dia seguinte, porém, a notícia seria a queda, não de Santos Cruz, mas de uma das peças fundamentais do olavismo no governo, apontada pela equipe do ministro como uma das responsáveis pela movimentação por sua saída. A empresária Letícia Catelani foi demitida de uma diretoria Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex, no ato da posse do novo presidente do órgão, um militar – o contra-almirante da Marinha Sergio Segovia.
Espécie de escudo do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, na Apex, Catelani era o primeiro alvo da ala militar do governo para, em seguida, atingir o próprio chanceler. Sem ela, os esforços para derrubar Araújo já começaram. Ligado a Olavo de Carvalho, Araújo avalizou a indicação de Catelani em concordância com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, e foi também identificado pelo grupo militar como insuflador, nos bastidores, da campanha #foraSantosCruz nas redes sociais.
As tensões entre militares e a chamada ala ideológica do governo, onde estão os olavistas, se acumulam. A Ordem de Rio Branco, honraria concedida pelo governo brasileiro a pessoas consideradas merecedoras de reconhecimento, condecorou Olavo com a medalha máxima na semana passada. Um conselho do qual faz parte o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) decide os homenageados. Mas o general Augusto Heleno, chefe do GSI, não foi consultado sobre os homenageados deste ano.
Na ala ideológica, Araújo é hoje a peça mais frágil. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, são vistos como gestores mais competentes e que têm relação mais estreita com Bolsonaro, pela atuação na campanha eleitoral em 2018. Por sua vez, o chanceler, cujo nome apareceu depois da vitória do presidente, tem uma agenda de política externa vista com ressalvas não apenas pelos militares, mas também pelos políticos tradicionais. A atuação do Brasil na Venezuela, a cooperação de Araújo com os Estados Unidos e o estrategista americano Steve Bannon e a defesa do “canal direto com o povo” feita pelo seu grupo causam arrepios no Congresso Nacional. Teme-se uma guinada autoritária mesmo entre deputados e senadores de direita simpáticos a parte da agenda de Bolsonaro.
Sem expressividade nacional até fevereiro, quando se elegeu presidente do Senado, o amapaense Davi Alcolumbre (DEM) quer dar protagonismo à Casa mesmo que, para isso, cause indisposições políticas. Tornou-se, pois, um aliado de ocasião para os militares do Planalto. Alcolumbre tem se mostrado inclinado a desfazer a imagem de que o Senado sempre chancela, sem questionamentos, os embaixadores indicados pelo governo federal. Há meses, porém, acumulam-se nomes apontados por Bolsonaro para ocupar postos internacionais e, como disse o presidente, substituir aqueles que “não estão vendendo uma boa imagem do Brasil no exterior”. Cerca de dez indicações dormem na gaveta de Alcolumbre, que confidenciou a aliados a pretensão de “fazer parte do processo”, discutir os nomes com o governo e avaliá-los no Senado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), depois de discussões públicas com Bolsonaro, teve o seu conselheiro diplomático Hélio Ramos indicado para a prestigiosa embaixada em Roma.
Cabe ao presidente do Senado “ler o nome” do embaixador para a Mesa Diretora, isto é, dar ciência da indicação. Só assim o processo segue para a Comissão de Relações Exteriores, onde o diplomata é sabatinado e, se aprovado, submetido ao plenário, que deve chancelá-lo ou não. Alcolumbre ainda não leu cerca de dez nomes e, quando abordado sobre o tema, apenas ri.
Na Casa ao lado, a queda de Catelani também foi comemorada na Câmara por deputados como Alexandre Frota (PSL-SP), que finalmente conseguiu uma audiência na Apex, passados dois dias da saída da diretora. Ele se ressente do fato de ela ter se negado a discutir com o Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp) a renovação de um convênio antigo de patrocínio de empresas brasileiras em eventos internacionais. O então presidente da Apex, Mario Vilalva, combinou com o sindicato de estender o contrato por 40 dias para permitir a participação no festival de Cannes, mas Catelani interferiu. O embaixador foi demitido da presidência da agência, e o contrato ficou em suspenso. Foi retomado nesta semana com a posse de Segovia.
O motivo da recusa em negociar, segundo Frota, é o filme Marighella, da O2 Filmes, uma das maiores do país, dirigido por Wagner Moura, sobre um dos símbolos da luta contra a ditadura militar.
“Também sou contra o Marighella e o Wagner Moura, é a história de um assassino, bandido, terrorista. Até aí tudo bem”, disse Frota à piauí. “Mas a O2 produz uma série de outras coisas. O importante é o governo andar pra frente e não ser patrulhado ideologicamente”, criticou.
A Apex se tornou o primeiro campo da batalha entre militares e olavistas. Ligada ao Itamaraty, a agência registra sucessivas baixas desde o início do mandato de Bolsonaro. Além de Catelani, outro diretor, Marcio Coimbra, teve sua exoneração, pedida na semana anterior, confirmada. O que se seguiu nos dias seguintes foi a ocupação de postos-chave por militares e o retorno de alguns que tinham sido demitidos na gestão anterior. Os nomes ainda não foram oficializados.
Catelani protagonizou embates estridentes com o então presidente da Apex, embaixador Mario Vilalva, que deixou a agência acusando-a de promover interesses pessoais no cargo. Para a piauí, ele classificou a agência como um “jardim de infância” do olavismo no governo e chamou a ex-diretora de Negócios de “infantil e despreparada”. Ao jornal Folha de S.Paulo, Vilalva disse que tinha proximidade com os militares do Palácio do Planalto e afirmou que o chanceler não tinha sido leal. Pegou assim uma senha para a fila de potenciais substitutos de Araújo no Itamaraty caso os esforços dos militares para remover o olavista deem certo.
Procurada, a assessoria do Itamaraty não respondeu até a conclusão desta reportagem.
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