minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
Jogos
piauí jogos
Grande imprensa regride a novo patamar

    Manchetes: com o massacre do Alemão, execuções em megaoperações atingiram um novo patamar, e a cobertura jornalística desses eventos hediondos também regrediu a um novo patamar Eloar Guazzelli_2025

questões jornalísticas

Grande imprensa regride a novo patamar

Como os jornais e telejornais reagiram à mais letal chacina policial do país

| 05 dez 2025_07h01
A+ A- A

Depois da chacina policial nas comunidades da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, a chefia de jornalismo do Grupo Globo avisou por escrito à cúpula dos telejornais da empresa que o termo “chacina não deve ser usado por nós”. O mesmo comunicado orientou que se deveria evitar entrevistas com especialistas ou políticos que falassem em chacina para caracterizar o ocorrido nas comunidades.

Havia outras recomendações, informa o jornalista Fernando de Barros e Silva em um texto na edição deste mês da piauí, no qual ele analisa as escolhas feitas pela imprensa na cobertura da operação mais letal da história do país, com 122 mortos, cinco deles policiais. Os jornalistas do Grupo Globo não deveriam fazer comentários sobre o sucesso ou o fracasso da operação. As perguntas aos entrevistados deveriam ser sóbrias e sem juízos de valor. Os repórteres deveriam se esforçar para entrevistar as autoridades de segurança do Rio e dar amplo espaço para suas explicações. Os analistas deveriam ter cuidado para não se precipitar em julgamentos. Dizia-se ainda que havia uma polarização entre esquerda e direita em torno desse assunto, e que a Globo não deveria dar munição para nenhum dos lados.

Barros e Silva observa que esse conjunto de diretrizes, na prática, comprometeu não só o espírito crítico, que é parte do bom jornalismo, mas a própria busca pela verdade, sacrificada no altar do oficialismo.

Foi assim que o Jornal Nacional de 28 de outubro, dia do massacre, julgou mais importante abrir o noticiário pelos transtornos e pela sensação de caos que a reação dos traficantes produziu no Rio do que pela chacina. Só depois de ser informado sobre a “batalha” que paralisou a cidade, só depois de saber que os traficantes usaram “até drones para o lançamento de bombas”, que armaram “barricadas” pela cidade, que “mais de oitenta foram presos”, o telespectador foi apresentado à notícia das “dezenas de mortes”.

A ordem dos fatores, neste caso, altera o produto: funciona como se as mortes estivessem justificadas por tudo que aconteceu. Para o Jornal Nacional de 28 de outubro de 2025, o massacre do Alemão não foi o principal acontecimento do dia.

A edição impressa do jornal O Globo no dia seguinte estava em linha com o Jornal Nacional da véspera. A manchete estampava em letras maiúsculas “A METRÓPOLE-REFÉM”, e dizia na linha de baixo, em letras minúsculas, “64 mortos e milhões sob o medo”. Como se ainda houvesse dúvidas de que o centro das atenções do Grupo Globo não estava exatamente no número de mortes, àquela altura ainda parcial, mas estarrecedor, o jornal trazia um editorial intitulado Operação expõe limite estadual no combate ao crime. Começava assim: “A resistência feroz que a polícia fluminense encontrou na operação desta terça-feira contra o Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio, é demonstração eloquente dos limites enfrentados pelos governos estaduais no combate às organizações criminosas.”

Ao invocar a “necessidade de atuação mais efetiva do governo federal e de maior integração entre as forças de segurança”, o editorial apontava para um problema real, mas, justamente naquele dia, seus argumentos prestavam um serviço para o governo fluminense. Prevaleceu a cordialidade diante das autoridades e a cumplicidade com o que havia ocorrido.

A cobertura do massacre feita pelo Grupo Globo destoa do que foi publicado na imprensa de São Paulo, sobretudo pelo jornal O Estado de S. Paulo. “Ação policial no Rio com ‘muro do Bope’ supera Carandiru em mortes”, estampou o Estadão em sua primeira página do dia 30. O editorial daquela edição foi especialmente crítico em relação à operação e a Cláudio Castro, além de bem escrito, o que é uma marca do jornal, concorde-se ou não com sua posição política – conservadora, como se sabe.

O jornal Folha de S.Paulo ficou no meio do caminho. Comparado ao do Estadão, seu editorial do dia 29 é inexpressivo e mal escrito.

Com o massacre do Alemão, a ocorrência de execuções extrajudiciais em megaoperações atingiu um novo patamar. E a cobertura jornalística desses eventos hediondos também regrediu a um novo patamar.

Assinantes da revista podem ler a íntegra do texto neste link.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí