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Um tesouro ameaçado na vizinhança da COP30

    Um "jardim de esponjas" registrado pelos pesquisadores na expedição Imagem: RLMoura, FCCardoso e GMCastro/UFRJ

carta de Belém

Um tesouro ameaçado na vizinhança da COP30

Às vésperas da conferência, uma expedição estuda o recife da Foz do Amazonas, perto da área onde o Brasil quer explorar petróleo

Bernardo Esteves, de Belém | 07 nov 2025_21h23
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O navio oceanográfico Ciências do Mar II, de 32 metros de comprimento e 290 toneladas, atracou num cais no distrito de Icoaraci, ao Norte de Belém, na última quarta-feira (5), a cinco dias do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP30. A expedição não tem relação com o evento, mas sua missão remete ao telhado de vidro mais fino do governo Lula na conferência: há apenas três semanas, o Ibama autorizou a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

A embarcação percorreu quase mil quilômetros durante treze dias. Nesse período, sua equipe de dezessete pesquisadores e alunos vinculados a seis universidades documentou o grande recife da Foz do Amazonas, recém-descoberto e ainda pouco conhecido,  e a riqueza dos organismos que vivem ali. Com esse trabalho, fica mais claro o que pode ser devastado em um eventual derramamento de óleo na área. 

A piauí visitou o navio na quarta-feira  pouco depois de ele ancorar, e ouviu os pesquisadores. Sondar esse recife (ambiente formado principalmente por algas calcárias e no qual se encontram diversas formas de vida marinha) não foi o único objetivo da expedição, que coletou dados e amostras de natureza variada. “A gente avaliou desde bactérias até baleias, aves, golfinhos, passando pelos peixes e invertebrados”, disse o oceanólogo Eduardo Tavares Paes, pesquisador da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), em Belém, e coordenador científico da iniciativa. Entender melhor aquela porção do oceano, que ainda é pouco conhecida pela ciência, era um objetivo comum aos diferentes especialistas reunidos na expedição. 

O pesquisador responsável pelo estudo e análise do ambiente do fundo do mar foi Rodrigo Leão de Moura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Moura é o biólogo marinho que esteve à frente do grupo que caracterizou o recife da Foz do Amazonas num estudo de 2016. Chama a atenção o desconhecimento dos cientistas em relação a aspectos fundamentais do recife amazônico, a começar por seu tamanho. No artigo de 2016, os autores estimaram que ele se estendesse por 9 500 km2, pouco menos de metade da área do Sergipe. Um estudo publicado dois anos depois, no entanto, concluiu que ele pode ser até seis vezes maior do que apontavam as estimativas iniciais, se estendendo por uma área de 56 mil km2, do tamanho da Paraíba. “Hoje eu não consigo apontar no mapa qual é a extensão desse sistema”, disse Moura. “Não sabemos dizer se há 20, 40 ou 60 mil km2 de formações recifais na região entre o Amapá e o Pará.”

Os cientistas também não têm clareza sobre quais são os organismos que formam o recife e vivem em seu entorno. “Não conseguimos sequer ter uma estimativa grosseira de quantas espécies de esponjas ou corais, que são dois grupos emblemáticos dessa região, há ali”, disse Moura. Os estudiosos não têm amostras suficientes desses organismos para traçar esse panorama, continuou o biólogo. “A cada viagem que fazemos para o recife, agregamos uma nova peça a esse mosaico.”

Na expedição que se encerrou às vésperas da COP30, os cientistas observaram e coletaram amostras que ajudam a caracterizar o recife. Moura mostrou à piauí um recipiente repleto de rodolitos coletados no fundo do mar. Abundantes no recife amazônico, os rodolitos são nódulos calcários vagamente esféricos formados por algas que mineralizam o carbonato de cálcio, conforme explicou o biólogo. “São como bolinhas de tênis”, comparou. Esses nódulos fornecem a base para a fixação de esponjas, animais de estrutura simples que se alimentam filtrando a água do mar. A abundância dos “jardins de esponjas” na Foz do Amazonas talvez esteja associada à grande quantidade de matéria orgânica trazida pelo rio, disse Moura.

 

A ignorância em relação ao recife amazônico abriu caminho para que sua existência fosse questionada por defensores da exploração de petróleo na região – inclusive a diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos. “O momento agora é de mostrarmos que esse bioma que o Brasil desconhece de fato existe”, disse Moura. “Temos de mostrar isso para os formuladores de políticas de forma a estimular um programa estruturado com recursos apropriados para que possamos mapear adequadamente e garantir um futuro para esse sistema.” 

Expedições como a realizada a bordo do Ciências do Mar II (feita por um consórcio de grupos de pesquisa dedicados ao estudo da biodiversidade da Amazônia Azul, com financiamento do CNPq) são fundamentais para reconhecer e suprir essas lacunas do nosso entendimento desse ambiente e de sua dinâmica, continuou o biólogo. “A ideia é termos um conhecimento que seja suficiente para balizar a formulação de políticas públicas, a criação de áreas de proteção, o estabelecimento de estratégias de manejo dos recursos marinhos e a determinação de que áreas têm maior ou menor sensibilidade a atividades como a exploração de petróleo.” 

O desconhecimento das características do recife recém-descoberto não impediu que o Ibama liberasse a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas. Por enquanto, a perfuração de um poço exploratório em um único bloco foi dada à Petrobras, mas há outros oito processos de licenciamento na mesma bacia tramitando no órgão ambiental. Na avaliação de Moura, a Petrobras e as demais empresas interessadas em perfurar aquela área também deveriam se envolver nos esforços para caracterizar o recife. “Se somos capazes de realizar uma perfuração nessa bacia, não podemos negligenciar a geração de conhecimento básico sobre onde estão os recifes, que espécies vivem ali e em que abundância elas ocorrem”, afirmou. “É importante que a indústria de óleo e gás se interesse por nos ajudar a gerar o conhecimento necessário para conservar esses ecossistemas.”

O biólogo disse que, se pudesse dar um recado aos visitantes que estão chegando a Belém para a COP30, ele mostraria uma imagem do recife amazônico feita durante a expedição e chamaria a atenção deles para a importância desse ecossistema e de sua biodiversidade, inclusive do ponto de vista econômico. “Pouca gente se dá conta de que o Pará, junto com o Amapá, são dois dos principais produtores de recursos pesqueiros, e que uma parte importante desses recursos vem do sistema recifal”, disse Moura.

Eduardo Tavares Paes, o oceanólogo da Ufra que coordenou a expedição do Ciências do Mar II, reconhece que há riscos envolvidos com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mas não é isso que tira seu sono. “O problema não está no mar, mas em terra”, afirmou. Para ele, o risco maior vem dos impactos ambientais que podem ser causados pelo mau uso dos royalties milionários que serão gerados para as pequenas cidades da costa amazônica, caso o petróleo venha a ser explorado em escala comercial na Foz do Amazonas. Ele teme que, em vez de trazer benefícios e melhorias para a população, os recursos acabem por levar à degradação dos ecossistemas do litoral amazônico, que abrigam a mais extensa faixa de manguezais da costa brasileira. “Se não houver planejamento, capacitação e uma política clara para o bom uso desses recursos, vai ser uma tragédia anunciada”, disse Paes.

Além da possível vulnerabilidade do recife amazônico a um eventual vazamento de petróleo, há a questão climática, que está no centro das discussões que acontecem em Belém a partir do dia 10. A decisão do Brasil de explorar petróleo na Foz do Amazonas, anunciada às vésperas da COP30, foi questionada por ambientalistas porque vai na contramão dos esforços que os países precisam fazer para diminuir suas emissões de gases do efeito estufa e limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima do período pré-industrial.

A decisão do Ibama e seu timing foram vistos como um enfraquecimento da ambição de Lula de ter protagonismo na luta global contra a crise climática. Quando o Ibama liberou a perfuração de um poço na Foz do Amazonas, a ambientalista Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, disse que o governo brasileiro estava apostando em mais aquecimento global e atrapalhando a COP30, ao impedir que ela avançasse na discussão sobre como e quando vamos abandonar os combustíveis fósseis. “Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas”, disse Araújo.

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