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    Crédito: Projeto Comprova

questões eleitorais

Importação de fake news

Para atacar Lula, redes bolsonaristas disseminam conteúdos falsos do Chile e da Colômbia, países em que a esquerda chegou recentemente à presidência

Daniel Tozzi | 13 jul 2022_15h57
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“Deus me livre desses comunistas! A minha casa comprei e paguei. Agora, se eles querem colocar famílias dentro de casa, que coloquem dentro das mansões deles”, escreveu um usuário na rede social Kwai. Ele comentava o vídeo em que uma mulher loira, com regata vermelha, tatuagem no ombro direito e forte sotaque carioca, dizia: “Olha como a esquerda é maravilhosa. Olha o que o presidente da Colômbia já decretou. A Colômbia saiu na frente, já colocou em prática o projeto do Lula. Será lei: quem tem casa acima de 65m² terá que abrigar outra família.” Ao fundo, uma notícia de jornal anunciava, em espanhol, que o presidente colombiano recém-eleito, Gustavo Petro, adotaria a medida.

Tudo mentira. O vídeo, que ultrapassou as 9 mil visualizações, dissemina uma típica fake news de direita. A constatação é do Comprova, consórcio que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros, incluindo a piauí, para checar informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições e a pandemia de Covid-19 nas redes sociais ou nos aplicativos de mensagens. O esquerdista Petro nunca prometeu expropriar imóveis nem exigir o compartilhamento de residências durante o seu mandato, que só começa em agosto. 

O vídeo foi originalmente publicado no Tik Tok, de onde acabou excluído pela própria autora do post, depois de o conteúdo já ter viralizado e alcançado outras redes, como o Kwai. A autora publicou uma espécie de retratação, dizendo que seguidores a haviam alertado sobre a possibilidade de a proposta de Petro não ser verdadeira. “Se é fake news, eu não sei, mas a gente publica porque fica preocupada, é uma situação muito séria isso aí”, afirmou. 

Posts com o mesmo conteúdo, mas inteiramente em espanhol, circulam ao menos desde 2018, quando o político e economista da Colômbia se candidatou à presidência pela primeira vez, foi para o segundo turno e perdeu. Por aqui, o boato desembarcou somente em 2022, logo depois que a vitória de Petro se confirmou. Quase sempre a lorota está relacionada à eventual volta do petista Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. 

Não satisfeitos em produzir mentiras por conta própria, conservadores brasileiros vêm importando há muito tempo fake news de países latino-americanos que têm governos de esquerda. Inicialmente, Cuba e Venezuela serviam de mote para o zunzunzum. Depois, Argentina, Peru e Bolívia entraram na dança. Agora, Chile e Colômbia são os alvos preferenciais. Na maioria das ocasiões, os mentirosos propagam a desinformação em tom alarmista e avisam que, se nenhuma providência for tomada, a esquerda implantará caos idêntico entre nós. 

Em fevereiro, por exemplo, um vídeo com pouco mais de dois minutos circulou fora de contexto no Brasil para alertar sobre o futuro do país “caso o povo não acorde”. Era o trecho de um pronunciamento que a deputada María Rivera fez numa das sessões da Assembleia Constituinte, responsável por redigir a nova Constituição do Chile, ainda não aprovada. Membro do Movimento Internacional de Trabalhadores (MIT), a parlamentar propunha a socialização das grandes empresas e a substituição dos atuais poderes chilenos (inclusive as Forças Armadas) por uma assembleia popular. Todas as ideias foram rejeitadas por unanimidade pelos demais constituintes.

Isso, no entanto, não impediu que perfis brasileiros compartilhassem o vídeo com legendas do tipo: “Chile acaba de tomar todas as propriedades do povo” ou “Fim das Forças Armadas no Chile”. Não raro, as postagens chamavam a deputada de primeira-ministra, cargo que nem sequer existe por lá. Entre os comentários que a publicação gerou no Facebook, destacavam-se apelos como “Pra quem gosta de comunismo, tá aí o Chile.”; “Acorda povo, 2022 tem que ser Bolsonaro de novo”; “Que sirva de alerta para as nossas eleições de outubro” e “Misericórdia, Deus livra nosso Brasil”. A Agência Lupa, o Estadão e outros veículos demonstraram que a fala de Rivera estava sendo usada incorretamente. 


Além de fantasiar sobre o “perigo comunista”, os produtores de fake news costumam difamar Gustavo Petro e Gabriel Boric, o presidente chileno de esquerda, eleito em 2021. Ele já foi acusado por internautas de divulgar uma foto de “Jesus travesti”. O post mostra Boric segurando um retrato em que o rosto de Cristo no Sagrado Coração de Jesus é substituído pelo da cantora Taylor Swift. Fã da artista norte-americana, o político ganhou a fotomontagem de uma admiradora, para lhe dar sorte na campanha presidencial, conforme revelaram as checagens da Lupa e do Aos Fatos

“Esse canalha com a foto de Jesus travesti será o presidente do Chile pelos próximos quatro anos, imaginem o que será deste país”, dizia o post compartilhado no Facebook pela ex-deputada federal Cristiane Brasil (Sem partido), apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (PL) e filha do também ex-deputado federal Roberto Jefferson. Nos comentários, a histeria imperava: “Se não abrirmos os olhos, é o que vai acontecer no Brasil com a volta da esquerda comunista” ou “Que o Senhor Jesus nos livre dessa gente maldita!” À época, Cristiane Brasil se explicou para a Lupa. Disse que, independentemente de quem estava na foto, o retrato era uma “heresia”. 

A acusação de que a esquerda associa Jesus a travestis, aliás, não é nova. Em 2018, antes da eleição presidencial brasileira, circulou uma montagem em que Manuela D’Ávila (PCdoB), então candidata à vice-presidência na chapa de Fernando Haddad (PT), usava uma camiseta com os dizeres “Jesus é travesti” e um arco-íris. Na foto original, a camiseta trazia apenas a frase “rebele-se”, conforme apontou checagem da Lupa.

No caso de Petro, uma das fake news o mostra ao lado do narcotraficante Pablo Escobar. Desde maio, a montagem se espalha com legendas em espanhol e português, como constatou a AFP Brasil. Na foto original, o narcotraficante aparece junto de outras pessoas, sem qualquer relação com o presidente eleito da Colômbia, que só foi parar ali graças ao Photoshop. Direitistas brasileiros criaram a hashtag #EsquerdaFechadaComOCrime para difundir a imagem falsa. “Gustavo Petro, amigo de Lula, é um terrorista. Se ele ganhar, a Colômbia vai ficar igual à Venezuela, Argentina e Chile”, trombeteava um dos posts conservadores.

Tão logo o político colombiano se elegeu, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) compartilhou um mapa  da América do Sul em que o símbolo do comunismo está colocado sobre todos os países da região, à exceção do Brasil, Uruguai, Paraguai, as Guianas e Equador. “A responsabilidade do eleitor brasileiro só aumenta. Já não é mais ‘tão somente’ pelo Brasil, é por toda a região”, escreveu o parlamentar. 

Uma das principais apoiadoras de Jair Bolsonaro no Congresso, a deputada federal Bia Kicis (PL) disseminou a mesma imagem. Mário Frias, ex-secretário especial da Cultura, também se manifestou. Depois da vitória de Petro na Colômbia, ele tuitou que o atual presidente do Brasil é “a última trincheira contra os avanços do comunismo”. Na noite de 19 de junho, data em que Petro ganhou o segundo turno, a hashtag #JairOuJáEra foi compartilhada por apoiadores de Bolsonaro no Twitter, indignados com o sucesso da esquerda na América do Sul.

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