Mara Luquet fala sobre os desafios do jornalismo digital no Festival piauí de jornalismo. Foto: Marcelo Saraiva
“A internet não vai acabar com o jornalismo, ela nos deu os meios de produção”
Como Mara Luquet decidiu enfrentar os desafios de fazer jornalismo digital
Em 2017, uma transeunte abordou Mara Luquet para tirar uma foto. Realizada, a mulher agradeceu – disse que aquela era a primeira foto que tirava com uma “artista”. Luquet logo a informou de que era jornalista, ao que a mulher respondeu: “Serve isso mesmo”. Foi esse o estalo para Luquet deixar para trás os 10 anos de telejornalismo. “A televisão faz do jornalista uma celebridade”, disse Luquet em conversa mediada por Catarina Alencastro (Youtube) e Alex Ribeiro (Valor) no Festival piauí de jornalismo, que acontece neste fim de semana na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Em julho de 2017, Luquet se despediu do seu cargo de comentarista do Em Pauta, na GloboNews, para investir em um novo tipo de empreitada: o MyNews, um canal independente de jornalismo, que inovou ao ser o primeiro veículo noticioso exclusivo do youtube.
“Eu queria fazer no jornalismo o que o Porta dos Fundos fez no humor”, Luquet disse. Para isso, contou com a ajuda do humorista Antônio Tabet para colocar o projeto na praça: Tabet contribuiu com sua experiência no meio digital, enquanto Luquet entrou com sua larga trajetória em redações tradicionais. Além de passar quase uma década no grupo Globo, Luquet trabalhou ao longo da carreira em diversos outros veículos, como Veja, Folha de S. Paulo, Valor Econômico e Jornal do Brasil.
Era um momento agitado. O crescente consumo de notícias através de plataformas digitais e o aumento da polarização política no cenário brasileiro criavam questionamentos em relação aos modos tradicionais de fazer jornalismo. Nas redações, os cortes de custos ameaçavam os profissionais mais experientes. Nas ruas, qualquer usuário de smartphone poderia produzir conteúdo noticioso. Nas redes sociais, notícias e conteúdos de entretenimento brigavam pelo holofote dos algoritmos, e frequentemente a separação entre essas duas categorias não era tão clara.
Com um ano de existência, o MyNews já colecionava cerca de 195 mil inscritos. Hoje são 897 mil. Para Luquet, os números são prova de que é possível produzir conteúdo jornalístico de qualidade na internet sem apelação ou sensacionalismo. “Existe um público, mas ele não é barulhento”. Sem grandes alardes, o sucesso do veículo garantiu a abertura de uma filial em Portugal em 2021 e de uma redação em Brasília em 2022.
A
parceria entre Luquet e Tabet foi fundamental para adaptar o know-how do jornalismo tradicional às demandas das redes sociais e usuários de internet. Entre os pontos mais dissonantes entre os diferentes meios estão a montagem de uma grade mais suscetível a tentativas – e erros – e a troca com o público. Além disso, Luquet precisou aprender que nas redes, a relação entre diferentes veículos não é necessariamente de competitividade: “Diferente da mídia tradicional, na internet há um ganha-ganha quando dois veículos trabalham juntos.”
Apesar de considerar as tecnologias aliadas, para Luquet, elas trazem novos desafios. “A principal diferença é que agora os jornalistas estão com os meios de produção na mão”, defende. Além de dar conta de apurar e escrever, os jornalistas dessas plataformas precisam aprender a lidar com a sustentabilidade da sua atividade: “Hoje, a audiência e o algoritmo são meus chefes”. Atualmente, a audiência do MyNews é majoritariamente formada por homens com idades entre 30 e 50 anos e com alto nível de instrução. “Nós conseguimos aumentar a média da idade de usuários do youtube”, afirma Mara. “Nosso público é nosso principal ativo”. O desafio agora é aumentar o número de mulheres na audiência. Para isso, o MyNews tem investido em conteúdos específicos e tenta usar as métricas a seu favor. “Não dá pra brigar com o algoritmo”, brincou Luquet. Sobre esse segundo chefe, porém – o algoritmo – Luquet é mais ambivalente: os produtores de conteúdo para o YouTube recebem poucos dados da plataforma sobre as métricas da sua audiência e do alcance de suas publicações. Por isso, a aproximação do veículo com o seu público é ainda mais importante, um fato chave para o sucesso no jornalismo digital. A quebra desse afastamento que vinha da estrutura tradicional das redações propicia a chegada de novas pautas e serve como fonte de captação para os veículos independentes.
Nessa empreitada, o MyNews desenvolveu uma gamificação para sua audiência. Durante os programas, são anunciados códigos que podem ser trocados por pontos que por sua vez podem ser acumulados ou usados para consumir produtos e experiências. Os membros do canal contribuem com uma assinatura que varia entre 8 e 25 reais. Segundo Luquet, no começo do canal, a captação de recursos era feita exclusivamente por patrocínio e por AdSense, o serviço de publicidade oferecido pelo Google. Hoje, somente metade dos recursos vêm dessas fontes, e todo o resto das assinaturas.
Outra fonte de captação é o incentivo das próprias plataformas. O Google e Meta costumam oferecer investimentos para produtores de conteúdo noticioso. Na opinião de Luquet, esse financiamento é uma forma de aprimorar essas ferramentas: “O jornalismo profissional é eficiente em combater a desinformação, as bigtechs descobriram isso e nos dão o suporte necessário”.
Mara cita as transformações pelas quais passou o jornalismo digital dentro das redação. “Antes, quando o jornalista tinha uma matéria boa, ele guardava para o impresso, hoje prefere usar no online”, disse. Enquanto isso, os jornalistas mais experientes são dispensados da grande mídia e continuam sendo “analógicos”, mas precisam migrar para as plataformas digitais. Mara defende que esse fluxo proporciona uma troca de experiências e de valores que enriquece a profissão. Enquanto os jornalistas mais jovens conseguem inovar na forma como o conteúdo é produzido e apresentado, os jornalistas mais experientes contribuem com a chancela da curadoria da informação de melhor qualidade: “Esse equilíbrio entre as gerações é muito importante para o jornalismo profissional fincar pé nas plataformas”.
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