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questões cinematográficas

Jafar Panahi – como está ele?

Tudo que se move numa tela é cinema.

Essa é a primeira frase da autobiografia de Jean Renoir, Ma vie et mes films [Minha vida e meus filmes], publicada em 1974, sem edição brasileira.

Aceitando o critério de Renoir, seria difícil entender o título do filme de Jafar Panahi. Por que Isto não é um filme, produzido por 3200 euros, não seria um filme sendo feito de imagens em movimento projetadas numa tela?

| 02 maio 2012_22h25
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Tudo que se move numa tela é cinema.

Essa é a primeira frase da autobiografia de Jean Renoir, Ma vie et mes films [Minha vida e meus filmes], publicada em 1974, sem edição brasileira.

Aceitando o critério de Renoir, seria difícil entender o título do filme de Jafar Panahi. Por que Isto não é um filme, produzido por 3200 euros, não seria um filme sendo feito de imagens em movimento projetadas numa tela?

Para Renoir, “um filme sobre geografia é cinema tanto quanto Ben Hur. Um filme que ensina o alfabeto às crianças é cinema, da mesma maneira que uma grande produção com pretensões psicológicas.”

Parece haver ao menos duas possibilidades, ambas plausíveis, embora contraditórias, para entender o título do filme de Panahi. Por um lado, sugere a existência para ele de uma hierarquia entre o que gostaria de estar fazendo – uma encenação ficcional, que consideraria um filme – e o que tem condições de fazer – um documentário realizado sob restrições severas, que para ele não é um filme. Ao mesmo tempo, fazer um não filme seria uma forma de protestar – talvez só a que lhe resta no momento em que ainda guardava certa esperança de ter sua pena anulada.

Sendo ou não um filme para Panahi, Isto não é um filme cumpre a função de nos lembrar dele. Ele quase desapareceu do noticiário desde a confirmação, em outubro de 2011, da sentença de 6 anos de prisão, e 20 anos sem escrever roteiros, dirigir filmes ou dar entrevistas. Cabe, então, antes de tudo, perguntar a quem souber como está Jafar Panahi.

A pouca informação é ainda mais desconsertante por vir em seguida a um período de pouco mais de um ano em que ele não saiu do foco da mídia. Depois da sua prisão, em março de 2010, sob pretexto de que estava fazendo um filme “contra o regime sobre os eventos que se seguiram à eleição [de 2009]”, Juliette Binoche chorou no Festival de Cannes ao saber que Panahi estava em greve de fome, petições pedindo sua libertação foram assinadas por celebridades mundiais, exibições de seus filmes foram feitas mundo afora, o American Repertory Theater, de Boston, dedicou a encenação de Prometeu acorrentado a Panahi, na esperança de “dar voz aos atualmente silenciados ou ameaçados por opressores contemporâneos”, e Isto não é um filme estreou no Festival de Cannes de 2011, depois de sair do Irã em um pen drive camuflado dentro de um bolo – tudo, aparentemente, sem nenhum efeito benéfico. Ao contrário, em outubro de 2011, a sentença de Panahi foi ratificada e até onde consegui saber seguiu-se o silêncio em torno dele que perdura até hoje.

Como está Jafar Panahi?

Em que resultou a campanha de filmes de protesto e manifestações públicas pela libertação de Panahi anunciada, em janeiro de 2011, pela ONG Cine Foundation International, sediada em Londres? Os seis longametragens e vinte curtas que seriam encomendados foram realizados?

A ONG chegou a criar, conforme anunciado, o mecanismo de protesto em vídeo que se chamaria White Meadows [Prados brancos] “permitindo a qualquer pessoa no mundo gravar uma breve declaração em vídeo sobre Panahi”? Estava previsto ainda um comando ESC no alto, permitindo saída rápida para quem estivesse em um país no qual gravar uma declaração fosse arriscado. Haveria também uma opção para escurecer a tela e distorcer a voz. As declarações em vídeo seriam gravadas em mp4, “dando-lhes máxima capacidade transmedia”.

Será ceticismo em excesso da minha parte, ou isso tudo parece não só ingênuo, mas um tanto infantil?

No site da Cine Foundation International há, de fato, a indicação de 6 vídeos de curta-metragem, feitos em 2011, pedindo a libertação de Panahi. Um é anônimo, os outros cinco são assinados e foram produzidos nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Rússia e no México. One White Baloon (for Jafar Panahi), dirigido por Peter Rinaldi, e outro sem título, dedicado e Jafar Panahi, estão disponíveis no Vimeo.

A impressão, porém, é que a partir de outubro de 2011 nada mais foi feito.

Como está Jafar Panahi?

Isto não é um filme estreou no Rio há uma semana. Domingo passado, no fim da tarde escura, além da ameaça de chuva, as ruas de Copacabana pareciam mais vazias do que de hábito, talvez por causa do fim de semana prolongado com o feriado de 1º de maio. Na pequena sala do Cine Joia, de 87 lugares, no subsolo do shopping center em que as lojas estavam fechadas, 14 espectadores esperavam o filme começar. Quantos filmes resistiriam a um conjunto de circunstâncias tão melancólicas?

O interesse inicial de Isto não é um filme talvez esteja mais no ato, no gesto, no simples fato de ter sido feito. Mas não deixa, por isso, retomando a definição de Renoir, de ser um filme.

Chama atenção o artificialismo das primeiras sequências, fruto talvez do fato de Panahi ser um diretor de filmes de ficção, e não de documentários. Os dois primeiros longos planos fixos parecem indicar um desejo de controle, de rigor formal, conflitante com a situação real que está sendo registrada. E quando no final do segundo plano, Panahi lembra de pegar a câmera e sai caminhando com ela, parece não tolerar a oscilação da imagem que por alguns segundos revela certa espontaneidade, cortando logo para outra cena.

A presença de um lagarto que responde pelo nome de Igi (será mesmo um lagarto ou terá outro nome esse estranho réptil?) contradita a aparência de serenidade e racionalidade de Panahi. Ou será comum criar lagartos em casa no Irã?

Ao incluir a sequência da menina quebrando o gesso do braço e se recusando a continuar a ser filmada, extraída do seu próprio filme, O espelho, de 1997, Panahi recorre a uma metáfora óbvia da situação em que se encontra e da necessidade de romper com o que planejara, admitindo que o início do filme lhe “pareceu ensaiado”.

A alternativa que lhe ocorre é “contar a história do último filme que não conseguiu fazer”, o que também acaba parecendo insatisfatório. Se fosse possível “contar o filme, para quê fazê-lo”, conclui antes de se afastar da câmera com impaciência.

O que parecem explosões e tiros não passam de fogos de artifício comemorando o ano novo persa, celebrado em março. Panahi acaba concluindo que “o que importa é documentar tudo”, e para isso “é importante que as câmeras fiquem sempre ligadas”.

Quando surge um empregado do prédio para recolher o lixo, parecendo mais um ator do que um personagem real, Panahi entra no elevador com ele e acompanha a coleta andar por andar, até chegarem ao térrreo e se aproximarem do portão, vendo-se fogueiras comemorativas do ano novo na rua. A recomendação que Panahi ouve do empregado é de não sair por que “podem ver o senhor com a câmera”.

Estar com a câmera seria uma transgressão. Filmar seria arriscado. O cinema, no Irã, é considerado uma ameaça ao regime.

Como está Jafar Panahi?

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