Jean Rouch – cineastas nunca morrem (I)
Jean Rouch gostava de citar Henri Langlois (1914-1977) – um dos fundadores da Cinemateca francesa –, para quem “cineastas nunca morrem, pois toda vez que seus filmes são projetados, eles revivem”.
Jean Rouch gostava de citar Henri Langlois (1914-1977) – um dos fundadores da Cinemateca francesa –, para quem “cineastas nunca morrem, pois toda vez que seus filmes são projetados, eles revivem”.
Difícil acreditar nisso. O próprio Rouch foi vítima de um prosaico desastre de automóvel, no Niger, em 2004, aos 86 anos. Cineasta e etnógrafo, realizara mais de cem filmes, em sessenta anos de carreira iniciada em 1943. O emblemático título do seu último filme, lançado em 2002, é “O sonho mais forte que a morte”.
Em 2006, quase três anos depois de ele ter morrido, os Dogon da vila de Tyogou, no Mali, realizaram uma cerimônia fúnebre para Rouch, honra raramente prestada a forasteiros por esse povo da África ocidental. Para o evento, com duração de três dias, um manequim empalhado representando Rouch, vestido como era hábito dele – camisa azul e calça cáqui – foi fincado no terraço em cima de uma casa, enquanto embaixo, na praça, uma vaca era sacrificada e dançarinos atuavam usando máscaras kanaga. O manequim foi levado em um caixão para ser enterrado na encosta das escarpas de Bandiagara e a adorada câmera Aaton de Rouch espatifada, dando fim simbólico à vida produtiva dele.
Antes de morrer, porém, assegurando de certa forma sua permanência nas escarpas de Bandiagara, Rouch providenciou para que fosse filmado o próximo ciclo do Sigui – ato coletivo em desafio à mortalidade, com duração de 7 anos, que ocorre a cada 60 anos, e que voltará a transcorrer entre 2027 e 2033. O próprio Rouch, que filmou as cerimônias de 1967 a 1973, acreditava que o cinema etnográfico é um empreendimento da mesma natureza do Sigui, um desafio à mortalidade. Assim, indicou seus sucessores e, num texto de 1997, escreveu: “será só em 2027 que ‘nós’ poderemos escrever um verdadeiro comentário sobre esse rito fundamental!”
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Um documentário sobre a cerimônia fúnebre dedicada a Jean Rouch foi realizado por Bernd Mosblech: “Eu sou um africano branco: adeus a Jean Rouch”, produzido pela SWR/Arte, e lançado em 2008, na Alemanha.
Essa referência e a descrição da cerimônia fúnebre, estão no livro “The Adventure of the Real – Jean Rouch and the Craft of Ethnographic Cinema” (“A Aventura do real – Jean Rouch e a tarefa do cinema etnográfico”), de Paul Henley, editado em 2009 pela The Chicago University Press. De leitura obrigatória para os interessados no assunto, é uma lição para os franceses que, até o momento, não produziram nada comparável. Muito bem pesquisado e escrito, é um marco definitivo na bibliografia rouchiana.
Além de outras preciosidades, o Sigui filmado por Jean Rouch nas escarpas de Bandiagara, no Mali, de 1967 a 1973, pode ser visto na versão sintética, com 120’ de duração, incluida na caixa de quatro DVDs, lançada este ano, na França, pela Éditions Montparnasse, com o título geral de “Jean Rouch Une Aventure Africaine”. A coletânea inclui também um filme de Luc de Heusch, antropólogo e cineasta, e 3 filmes raros de Marcel Griaule, controvertido mestre de Rouch.
Leia a segunda parte deste post aqui.
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