Jegue elétrico
Em Brasília, nos anos 80, existia uma loja de LP’s, chamada “Jegue Elétrico”. Ficava num centro comercial bem esquisito, que jamais frequentávamos de noite. Mas bastava botar os pés ali dentro e tudo ficava diferente. Aquelas capas bonitas de tão feias, aquelas caras todas, de gente que botava a mão na massa e parecia, aos meus olhos de adolescente, ter encontrado algo que eu queria e deveria saber o que era. Ali, a produção de independentes encontrava uma maneira de chegar até nós.
Em tempos de não internet, era dureza conseguir saber o que acontecia e talvez por isso mesmo, quando a novidade se materializava, a comoção era real. O que vinha de São Paulo sempre me instigou mais do que tudo. Grupo Rumo, Premeditando o Breque, Língua de Trapo, Eliete Negreiros, que cantava um arranjo louco de” Pipoca Moderna”. Cida Moreira, cantora fascinante , teatral e sempre surpreendente. Tetê Espíndola e seu álbum clássico, “Pássaros na Garganta”. O arrasador “Clara Crocodilo”, de Arrigo Barnabé, com seus metais e vocais malvados, falando de uma atmosfera que era maravilhosamente estranha a tudo que era visto por mim naquele momento.
Dentro do grupo Rumo, dois nomes especialmente arrabatadores: Ná Ozetti, cantora/compositora, também única no seu jeito de emitir as notas e se colocar nas canções, e o mestre Luiz Tatit. Compositor e inventor de uma maneira de estar dentro da canção, que até hoje precisamos parar, destrinchar e degustar cuidadosamente.
E, finalmente, aquele que se tornou um dos mais significativos representantes da vanguarda paulista, Itamar Assumpção. Porém sua obra é bem mais devastadora do que apenas um rótulo, ou uma década. Suas riquezas ritmicas e a qualidade de seu discurso são poderosas demais. Itamar tem a força do compositor popular e a possibilidade de transpor rótulos e gerações.
Por tudo isso e muito mais, vejo a invasão paulista na nossa música de agora, de forma extremamente benéfica e alegre. Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Beto Villares, Leo Cavalcanti, Dani Black, Anelis Assumpção, Céu e tantos outros, são herdeiros legítimos desse povo, que habitava meu imaginário quando pisava naquela lojinha suja em Brasília. A boa nova é que soam de forma diferente e precisamos muito das novidades consistentes.
Para não parecer que as coisas vêm do nada, saibam que Arrigo Barnabé andou fazendo um show sombrio e lindo, cantando Lupicínio Rodrigues. Cida Moreira acaba de lançar um álbum denso e profundo, “A Dama Indigna”. Ná Ozzetti lançou “Meu Quintal”, com parcerias, Luiz Tatit mostra um norte incrível, lançando “Sem Destino” e a obra de Itamar, inclusive com inéditas, foi super bem lançada numa “Caixa Preta”. Procurem ouvir. Usem a Internet Elétrica, ou a Baratos Afins, que fica na Galeria do Rock./SP. Gostar de música é correr atrás dela, saber de onde ela veio. Gracas ao Jegue Elétrico, eu criei asas, ali estava meu Pégasus possível, cada um que encontre o seu!
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