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Lucrécia Bórgia, falsa tenebrosa?

Lucrécia Bórgia carregou pelos últimos dois séculos a pior das reputações: intrigante, devassa, envenenadora e cruel.

| 09 dez 2015_13h13
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Lucrécia Bórgia carregou pelos últimos dois séculos a pior das reputações: intrigante, devassa, envenenadora e cruel.

Na verdade, a imagem de Lucrécia sofreu das muitas lendas que se criaram em torno da família Bórgia, cujo membro mais poderoso foi o papa Alexandre VI, que reinou de 1492 a 1503. O pontificado de Alexandre teve grande importância histórica e foi determinante para o Brasil: foi ele quem sacramentou em 1494 o Tratado de Tordesilhas, que dividiu as Américas entre Espanha e Portugal e garantiu que boa parte de nosso futuro território ficasse sobre domínio português, seis anos antes do descobrimento oficial do Brasil.

Na verdade, Alexandre vinha de uma família espanhola e já havia ocupado alto cargos na cúria nas três décadas anteriores à sua eleição ao papado, favorecido por um tio que também havia sido papa e que protegia e promovia o sobrinho. A história ainda registra como seus dois filhos ilegítimos mais famosos César e Lucrécia, entre vários outros.

César Bórgia foi um chefe militar e político importante, cuja carreira inspirou Maquiavel para sua obra clássica “O príncipe”. Lucrécia foi casada três vezes com príncipes italianos, e pode ter tido na verdade uma vida bastante tranquila e até mesmo piedosa, mas isso não impediu que lhe tenham atribuído até mesmo relações incestuosas com o pai e o irmão. Biógrafos recentes duvidam agora inclusive que o papa fosse pai de Lucrécia, César e seus irmãos. A argumentação parece convincente pois sua mãe, a suposta amante de Alexandre, vivia na Espanha e o futuro papa não foi lá com frequência suficiente para gerar tão numerosa prole. O papa seria na verdade tio de Lucrécia e César, mas os teria favorecido como filhos.

Ninguém nunca propôs e nem deverá propor ao Vaticano o início de um processo de canonização de Alexandre VI. O papa certamente não foi santo. Mas parece exagerado atribuir-lhe todos os pecados de que lhe acusa uma historiografia pouco isenta, alimentada pelos rumores plantados por seus inimigos da época.

César certamente foi um chefe militar particularmente atormentado e cruel e merece parte de sua má imagem. Já Lucrécia pode ter sido muito injustiçada.

A carta reproduzida nesta página foi escrita pouco após seu casamento com o terceiro e último marido, o príncipe Afonso I d’Este. É datada de 14 de janeiro de 1502, menos de dois anos depois da descoberta de nosso país. Lucrécia dirige-se a seu futuro cunhado, o Cardeal Hipolito d’Este, agradece o colar que o prelado lhe mandou de presente de casamento. As cartas assinadas por Lucrécia Bórgia são extremamente raras e esta fez parte no último século e meio de uma dezena de coleções pregistiosas na Europa e nos Estados Unidos, antes de ser adquirida por seu atual detentor.

É de se esperar que uma pesquisa mais imparcial permita no futuro um retrato menos severo da tão mal falada Lucrécia.

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