Lula, da cela à tela
Após prende e solta, candidatura do PT volta a ficar em evidência e tumultua a corrida presidencial
Foi a maior sequência de vitórias para o petismo em 2018. Teve início com o prende e solta de Lula e ainda não acabou. A manobra judicial para tirar o presidenciável da cadeia pautou a imprensa, inoculou uma epidemia nas mídias sociais e popularizou a narrativa de que a Justiça é partidária. Na sequência, Lula foi absolvido em um processo secundário da Lava Jato, e o PT ressurgiu como ator político. O partido arrancou uma declaração de apoio do governador de Pernambuco – o socialista Paulo Câmara – à candidatura de Lula e atrapalhou a coligação do também presidenciável Ciro Gomes com o PSB. O PT voltou para confundir.
Tudo começou com o pedido de habeas corpus impetrado por três deputados petistas durante o plantão judiciário no Tribunal Regional Federal da 4ª região, o cada vez mais famoso TRF-4. Timing é tudo: eles esperaram que o juiz plantonista fosse um desembargador que havia sido filiado ao PT, Rogério Favreto. Na manhã de domingo, 8 de julho, veio a ordem de soltura de Lula e começou a pantomima político-carcerária. Com o Brasil fora da Copa, as mídias – social, antissocial e tradicional – chafurdaram de cabeça na história. Era tudo o que Lula queria.
Despachos e notas de juízes contra e a favor do ex-presidente alimentaram notícias, tuítes e a cobertura ao vivo da tevê com o mesmo entusiasmo que mesóclises brilham nos discursos de Michel Temer. Como resultado, as interações de internautas na página de Lula no Facebook cresceram quase 4.000%. De 16 mil no sábado para 616 mil likes, comentários e compartilhamentos no domingo. O interesse pelo petista no Google aumentou 50 vezes. Foi o maior pico desde que ele foi preso, três meses atrás.
De quebra, a maré “Lula livre” deu chance para dezenas de candidatos a deputado, senador e governador do PT e partidos satélites tirarem casquinha no Facebook e Twitter. Todos conseguiram viralizar seus posts em favor do ex-presidente. Dos presidenciáveis Guilherme Boulos, do PSOL, a Manuela D’Ávila, do PCdoB, passando pelo petista Jaques Wagner, dezenas de concorrentes às urnas em outubro multiplicaram seu alcance digital pegando carona no prende e solta de Lula.
Foi o maior comício virtual do lulo-petismo nesta campanha eleitoral e demonstrou que, mesmo preso, o ex-presidente e líder das pesquisas de intenção de voto ainda é um eleitor poderoso. Mesmo sem ir à rua, Lula foi capaz de mudar o rumo da campanha.
Políticos de outras vertentes perceberam e se mexeram. Valdemar Costa Neto, o ex-deputado preso no mensalão e dono do cobiçado PR, empatou as negociações de seu partido com Jair Bolsonaro – na expectativa, por certo, de melhorar o negócio. Logo o senador Magno Malta (PR-ES) desistiu da vaga de vice do militar reformado, e aumentaram de mínimas para pequenas as chances de o empresário Josué Gomes, filiado ao PR, repetir seu pai e virar vice na chapa do PT. Valdemar vendeu o mesmo apoio em 2002 por 10 milhões de reais – como revelou o repórter Bob Fernandes à época.
Ficou ainda mais claro o óbvio objetivo do PT: esvaziar o centro do tabuleiro político para polarizar com Bolsonaro e irem os dois – o candidato petista e o representante da direita – para o segundo turno presidencial. Não por coincidência, legendas de aluguel que orbitam o centrão começaram a despejar seus inquilinos. A primeira vítima foi o pré-candidato a presidente do PRB, o empresário Flávio Rocha. Ele desistiu três dias depois de almoçar com dois concorrentes da mesma estatura.
O repasto havia sido um malsucedido ato de resistência de Rocha, de Guilherme Afif, do PSD, e de Paulo Rabello de Castro, do PSC, para não perderem suas legendas na campanha presidencial. Uma bravata contra o “oligopólio eleitoral”, como chamou Afif. De três, restam dois, sabe-se lá por quanto tempo.
A chacina das candidaturas nanicas deflagrada pelo revival do petismo pode ter consequências imprevistas na corrida presidencial. Um cenário com menos candidatos que tentam preencher o vácuo no centro do espectro político não é ruim, por exemplo, para a criogênica candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB). Pode até acordá-la, na hipótese difícil mas não impossível de o PSDB conseguir atrair os nanicos para seu lado.
A sequência de eventos dos últimos dias demonstrou pela enésima vez que esta campanha presidencial é incomparavelmente mais incerta e marcada por surpresas esperadas do que todas as anteriores na redemocratização. A menos de três meses de o eleitor ir (ou não) votar, ele não sabe nem sequer quem são os candidatos favoritos. Tende a zero a chance de Lula ir da cela à tela da urna em 7 de outubro, mas cresce muito rapidamente o sentimento vago de que ele será decisivo na eleição mesmo encarcerado.
Por ora, isso foi percebido apenas por políticos profissionais e pela militância lulista. Não é pequeno o desafio dos petistas de levarem essa percepção à eleitora nem nem – que não está nem aí para a eleição, mas que em algum momento vai ter que escolher um candidato. Mais duro ainda será convencê-la a votar em um semidesconhecido como Fernando Haddad ou Jaques Wagner.
Por mais impactante que tenha sido o revival de Lula nos últimos dias, haverá outras reviravoltas até o primeiro turno – e nada garante que em favor dele. Quatro candidaturas permanecem no páreo: Bolsonaro, Ciro, Alckmin e Marina Silva. Uma quinta acaba de voltar ao partido, a do PT. O resto é assistência.
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