Lula – filme de produtor
O que os produtores, Lucy e Luiz Carlos Barreto, foram buscar em Lula, o Filho do Brasil, de Denise Paraná, não corresponde ao método, nem às intenções da autora, conforme apresentados no post de 29 de dezembro. A diferença é tamanha que seria possível imaginar o mesmo filme tendo sido feito sem recorrer ao livro. Continua...
O que os produtores, Lucy e Luiz Carlos Barreto, foram buscar em l, de Denise Paraná, não corresponde ao método, nem às intenções da autora, conforme apresentados no post de 29 de dezembro. A diferença é tamanha que seria possível imaginar o mesmo filme tendo sido feito sem recorrer ao livro.
Da pesquisa de Denise Paraná subsiste o argumento, resumido em três das 486 páginas, narrando o período que vai do nascimento à prisão de Lula, em 1980, quando estava à frente do Sindicato dos Metalúrgicos. O filme não trata do que ocorreu a seguir, da formação do PT à eleição para a Presidência da República, nem do governo Lula.
É claro que também são aproveitados episódios das entrevistas dadas a Denise Paraná. Mas os eventos mudam de sentido ao deixarem de resultar, como no livro, da visão subjetiva de quem os viveu. A incerteza própria da memória é substituída por fatos objetivos. E o filme consagra uma versão histórica.
As decisões tomadas na feitura do roteiro, assinado por Daniel Tendler, a própria Denise Paraná e Fernando Bonassi, não são gratuitas. Correspondem à intenção declarada dos produtores de fazer um filme de sucesso comercial. Sendo esse o objetivo, desaparece o personagem “controvertido” e “contraditório” do livro Lula, o Filho do Brasil. Em seu lugar, surge um jovem Lula idealizado. E uma série de situações exemplares é alinhada para fazer o elogio da teimosia.
Difícil evitar sentimento de frustração quando, no final, a carreira política de Lula é resumida em legendas, e a posse na Presidência mostrada, rapidamente, em imagens de arquivo. A sensação é que o filme acaba quando deveria começar. No lugar das peripécias biográficas anteriores ao surgimento do PT, por que não tratar, de forma aberta, do empenho de Lula, durante 14 anos, em se tornar presidente da República e dos dois mandatos presidenciais, aos quais dedicou toda sua astúcia política? A resposta é simples: seria muito difícil contar a etapa posterior sem tocar em questões sensíveis.
Partindo do roteiro que foi escrito, Lula, o Filho do Brasil, dirigido por Fabio Barreto, não poderia deixar de ser anódino. Ao ver o filme pela segunda vez, no dia da estréia, me pareceu que a glamorização de algumas cenas poderia ter sido evitada, além da interpretação grotesca de Milhem Cortaz, no papel do pai de Lula. Também não era preciso utilizar o material de arquivo de maneira tão descuidada, nas sequências que pontuam o filme a partir da década de 1960. De forma sistemática, imagens de episódios ocorridos em um ano determinado são usadas para ilustrar acontecimentos de época anterior.
Jean-Claude Bernardet fez o elogio de Luiz Carlos Barreto na Folha de S.Paulo (29/12/2009) e definiu como “[…] um grande gesto de produtor”, prevendo que “esse filme vai dar a volta ao mundo.” Interessante trajetória a de Jean-Claude Bernardet que, em 1979, escreveu sobre Dona Flor e seus dois maridos, também produzido por Luiz Carlos Barreto: “[…] esse filme nos apresenta a imagem de uma sociedade sem contradições essenciais, onde elementos antagônicos são passíveis de uma suave síntese.” Uma bela definição de Lula, o Filho do Brasil que, suponho, Jean-Claude Bernardet não endossaria.
(a referência a Dona Flor está na página 98 da nova edição de Cinema brasileiro: propostas para uma história, de Jean-Claude Bernardet, que vem de ser lançada pela Companhia das Letras).
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