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    Área descampada do Cerrado no município de Bom Jesus, no Piauí Foto: Marta Salomon

questões de transparência

Metade do Cerrado sumiu

Governo esconde dados do aumento do desmatamento na fronteira agrícola onde mais cresce a produção de grãos

Marta Salomon | 04 jan 2022_13h04
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Faltavam poucas horas para a virada de 2022 quando o governo Bolsonaro divulgou discretamente o tamanho da devastação ambiental no Cerrado, bioma que concentra ao mesmo tempo nascentes de importantes bacias hidrográficas e a maior expansão da produção de grãos no país. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, período de coleta da taxa oficial de desmatamento, o Cerrado brasileiro perdeu 8.531 km² de vegetação nativa, um aumento de 7,9% em relação à taxa de 2020. Como acontecera recentemente com o desmatamento recorde na Amazônia, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações decidiu esconder os dados por quase um mês, sem explicar os motivos. 

A nota do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) com os dados sobre o tamanho da devastação estava pronta desde 6 de dezembro, conforme apurou a piauí. Em 12 meses, o Cerrado perdeu em vegetação nativa o equivalente a cinco vezes e meia o tamanho da cidade de São Paulo. Foi a maior taxa de desmatamento do bioma desde 2015, já consideradas as mudanças nos limites do território do Cerrado, que se estende por áreas de doze estados, além do Distrito Federal. O desmatamento foi maior nos estados do Maranhão, Tocantins e Bahia, que compõem, junto com o Piauí, a fronteira agrícola do Matopiba (nome formado pelas primeiras sílabas desses quatro estados).

O aumento da devastação no Cerrado é uma má notícia diante da crise hídrica que o país atravessa e que impôs um aumento nas tarifas de energia elétrica e da inflação em 2020. O desmatamento elimina, junto com a vegetação aparente, suas raízes profundas, que fizeram o bioma ser conhecido como uma floresta de cabeça para baixo. Depois do desmatamento, as chapadas do Cerrado são convertidas em plantações de soja e milho, que parecem um imenso deserto no período de espera de um novo plantio. A consequência é a menor disponibilidade de água em importantes bacias hidrográficas, cujas nascentes se localizam no Cerrado. 

O aumento da devastação nesse bioma também faz aumentar a pressão de consumidores, sobretudo na União Europeia, contra a importação de produtos brasileiros oriundos de áreas desmatadas. Essas pressões cresceram depois da notícia de mais um recorde de desmatamento da Amazônia, em novembro. E é o Cerrado que concentra a produção de grãos como a soja, o segundo maior produto de exportação do Brasil em 2021, atrás somente do minério de ferro.

O atraso na divulgação dos dados ocorre ao final de um ano em que, por falta de verba, o Inpe quase paralisou o monitoramento do desmatamento no Cerrado. Segundo o instituto, os sistemas de detecção do corte de vegetação por satélites só foram mantidos graças a um financiamento do Programa de Investimento Florestal (FIP), do Banco Mundial. O dinheiro disponível neste ano é suficiente para apenas seis meses de monitoramento, apurou a piauí

O Inpe não distingue o desmatamento legal do ilegal, mas um levantamento da rede MapBiomas identificou indícios de irregularidade em 97,78% dos alertas de desmatamento em 2020 no Cerrado, que corresponderiam a áreas desmatadas sem a devida autorização do órgão ambiental. Ainda de acordo com o MapBiomas, a maioria das terras desmatadas no Cerrado viraram lavoura ou pasto.

 

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Desde 2000, o Inpe identificou o corte raso de 995.462 km² de vegetação nativa do Cerrado. Isso significa que o bioma perdeu metade de sua vegetação nativa original, já considerados os novos limites do bioma, alterados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2019. Com o novo cálculo, a área total do Cerrado passou de 2.039.776 km² para 1.984.592 km². 

Diferentemente da Amazônia, onde a legislação ambiental só admite o desmatamento de até 20% da extensão das propriedades rurais, no Cerrado esse limite varia de 65% a 80%. Mesmo com regras mais flexíveis, o desmatamento no bioma preocupa sobretudo pelo risco que impõe à oferta de água em todo o país. 

As negociações para replicar no Cerrado a chamada Moratória da Soja, que ajudou a conter o desmatamento na Amazônia desde 2006, foram suspensas no início do governo Bolsonaro devido a uma forte resistência de produtores rurais e à falta de um acordo entre as principais empresas que comercializam o grão, inclusive a chinesa Cofco. A soja liderava a pauta de exportações do Brasil até 2020. Seu principal destino era, e ainda é, a China.

Na avaliação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a região conhecida como Matopiba continuará puxando o aumento da produção de grãos no país na próxima década. A mais recente edição das Projeções do Agronegócio prevê a expansão da área plantada de pouco mais de 8 milhões de hectares para algo entre 9,3 e 11,6 milhões de hectares até a safra de 2030/2031. Esse território seria responsável por produzir de 36 milhões a 46,7 milhões de toneladas de grãos, segundo o documento.