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    FOTO: RICARDO STUCKERT_INSTITUTO LULA

questões da política

“Março sangrento” para Lula e Dilma

Nos últimos dias, o cenário virou do avesso. O mês, que mal começou, já foi apelidado de “março sangrento”.

Carol Pires | 07 mar 2016_16h07
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Quem esteve com a presidente Dilma Rousseff e com o ex-presidente Lula quando os dois se falaram pelo telefone na última sexta-feira afirma que a conversa não foi nada boa. Lula estava muito irritado, depois de três horas e meia de depoimento coercitivo à Policia Federal. Disse à presidente que quem precisava ter autonomia no país era ela – e não o Ministério Público ou a Polícia Federal. Um trecho da conversa foi gravado por Jandira Feghali, do PCdoB. A deputada diz para a câmera que Lula está “tranquilo”, falando, naquele instante, com a presidente da República. Ao fundo, Lula vocifera, ao celular: “Eles que enfiem no cu todo o processo!”

O ex-presidente declarou a pessoas que o visitaram em São Paulo, logo após ser liberado, que a ação da Polícia Federal foi midiática, exagerada, violenta e recheada de provocações. A um amigo, Lula disse que agentes da PF, gravados pelas câmeras de segurança do prédio em que mora, riam dentro do elevador. Contou ainda que o colchão de seu quarto foi revirado, à procura de dinheiro. Uma de suas noras teria perguntado a uma policial se a casa do presidente Lula também era alvo de mandado de busca – e ouvido, como resposta: “Que presidente, minha filha? Ele é ex-presidente.”

A ação da polícia serviu de alerta ao ex-mandatário petista e à presidente Dilma. Concluíram que o distanciamento entre o governo e o PT  é um equívoco para ambas as partes: nem Dilma sobreviverá sem o apoio de seu partido, nem Lula recuperará sua imagem caso o governo que ele elegeu continue nas cordas.

No sábado, Dilma foi até São Bernardo visitar o ex-presidente em casa. Os dois se deixaram fotografar juntos, acenando da varanda do apartamento. As conversas que têm tido nos últimos dias têm como objetivo afinar um discurso que há tempos está descompassado. Mas ainda é cedo para dizer que o terremoto da semana passada os reaproximou. Em agosto passado, Edinho Silva, Jaques Wagner e Aloizio Mercadante estiveram no Instituto Lula para tentar convencê-lo a assumir um ministério. Argumentavam que dessa forma ele e o governo dariam um sinal forte de unidade. Serviria também para que Lula ganhasse foro privilegiado, o que lhe permitiria escapar da máxima que tem assustado muita gente: “Sem foro, é Moro.” Lula não aceitou. Este ano, Lula e Dilma se encontraram no dia 5 de janeiro e outra vez só um mês depois, em 12 de fevereiro. Mesmo assim a relação seguiu ruim.

Durante a maior parte do primeiro mandato, Dilma e Lula se falavam com muita frequência. Hoje as conversas são mais raras e, muitas vezes, rudes. O distanciamento havia se agravado no final de fevereiro. O governo chileno esperava uma visita de Dilma apenas no segundo semestre deste ano, e só foi avisado cinco dias antes que a mandatária brasileira precisaria adiantar a viagem. A presidente foi a Santiago para que não precisasse comparecer à festa de 36 anos do PT, no Rio de Janeiro. Depois disso, Lula mandou um recado: cuidaria de si e do partido; o governo dela ficaria em segundo plano.

Na última sexta-feira, enquanto a Polícia Federal estava  nas ruas cumprindo mandados contra Lula e sua família, Dilma – avisada da operação pelo ministro da Justiça – andou 50 minutos de bicicleta e chegou mais cedo do que o de costume no Palácio do Planalto, às 8h15. Não desmarcou sua primeira agenda do dia, um encontro com prefeitos. “A presidente está em reunião e vida que segue. Vamos parar o governo?”, perguntou um ministro, logo de manhã, num dos corredores do Palácio do Planalto. Tinham decidido não emitir nota oficial e tentar dar a aparência de que o governo tocava o barco, apesar da tempestade.

A maré só mudou depois da entrevista do ex-presidente na sede do PT em São Paulo, quando Lula mandou um recado aos adversários: “Tentaram matar a jararaca, mas acertaram o rabo.” No mesmo discurso, defendeu sua afilhada: “Não permitem que a Dilma governe esse país.” A presidente, àquela altura, já havia falado ao telefone com Lula. Mas foi só depois de assistir à coletiva que ela decidiu, afinal, soltar uma nota à imprensa. Pouco depois, fez um pronunciamento anêmico, no qual se ocupou mais de seu mandato do que da defesa do ex-presidente.

À noite, em São Paulo, Lula fez um discurso abrasador no Sindicato dos Bancários e anunciou que concorreria à Presidência em 2018. Um amigo de longa data que o acompanhava no palanque disse que o sentimento na quadra era de um “aiatolá pregando para xiitas”. “Ficou claro que quem é capaz de movimentar as massas é ele. Quem tem força de levar gente para a rua é ele”, me disse outro interlocutor do ex-presidente. “O Lula era nossa última trincheira. Se a imagem dele se desfaz, o governo fica completamente exposto”, um ministro me disse na sexta-feira. A decisão de se reaproximarem, nesse momento, deriva da necessidade de sobrevivência.

O que agora parece óbvio não estava tão claro até a semana passada. De saída da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams deu uma entrevista taxativa há apenas quatro dias, na qual declarava que o impeachment, embora continuasse “fedendo”, estava “morto”.

O ano havia começado com a expectativa de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, se tornasse réu na Lava Jato – fato consumado na última quinta, uma possível manchete que caiu para as últimas páginas dos cadernos de política com a notícia da delação do senador Delcídio do Amaral implicando Dilma e Lula. A oposição também havia voltado do recesso com um discurso mais moderado. Ganhou da presidente apoio para aprovar o projeto que desobrigou a Petrobras de ser operadora única do pré-sal, iniciativa a que o PT se opôs.

Nos últimos dias, o cenário virou do avesso: há a expectativa de novas delações, e se aposta que um grande número de manifestantes se reúna nos protestos pró-impeachment marcados para o dia 13. O mês, que mal começou, já foi apelidado por um auxiliar da presidente de “março sangrento”.

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