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Rock, drogas, misticismos, nudez e isqueiros Zippo na revolta contracultural contra a guerra no Vietnã
Misha Ankst e Robert Altman | Edição 16, Janeiro 2008
Bem mais do que na Europa, a revolta de 1968 nos Estados Unidos teve características comportamentais profundas. A explosão do rock, das drogas, do misticismo oriental, do feminismo, da afirmação da negritude e dos estilos de vida alternativos foi a tônica dos anos 60. Se a contracultura foi a expressão difusa de uma insatisfação com a sociedade e os valores do capitalismo – sobretudo por parte da juventude -, ela também teve uma motivação política imediata: a intervenção das forças armadas americanas no Vietnã. “Paz e amor”, o slogan dos hippies, não enaltecia apenas a placidez e o sexo livre. Estava embutido nele o protesto contra a obrigatoriedade de lutar no Vietnã e contra a própria guerra.
Em 1965, o jornalista Morley Safer, da rede CBS, acompanhou a missão de uma patrulha americana no Vietnã. No vilarejo de Cam Ne, os fuzileiros navais ordenaram que os moradores abandonassem as choupanas, acenderam seus isqueiros Zippo e tacaram fogo nelas. A reportagem de Safer, por ter sido uma das primeiras a mostrar cruamente a guerra, teve um impacto imenso. O presidente Lyndon Johnson acusou o jornalista de ter “cagado na bandeira americana”. Ao relatar o episódio no livro Vietnam Zippos, Sherry Buchanan sustentou que, “pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, jovens americanos em uniforme foram retratados como destruidores, e não como libertadores. Nossa percepção da guerra – e do isqueiro Zippo – mudou para sempre”.
Criado nos anos 30, o Zippo ficou popular, especialmente entre os homens, por ser robusto e acender mesmo com o vento mais forte. Era o isqueiro ideal para soldados em combate, e foi largamente usado na II Guerra e na Coréia. Na do Vietnã, o Zippo virou um veículo de manifestação contracultural e, em alguns casos, de contestação da guerra. Em 1968, havia meio milhão de soldados americanos no Vietnã, a maioria deles fumante. Eles gravavam nos seus isqueiros saudações ao poder negro, ofensas a Tio Sam, alegorias pornográficas, piadas gráficas e apelos à paz. “Os Zippos serviram de fóruns em miniatura para os pensamentos e sentimentos dos soldados americanos durante a guerra: sexo, drogas, frustração, desejo, esperança, raiva, amor. Os sentimentos registrados nos isqueiros eram genuínos, sem censura e emocionados”, escreveu o artista plástico Bradford Edwards, dono de uma coleção com alguns milhares de Zippos usados no Vietnã.
Enquanto as inscrições pacifistas se disseminavam no sudeste asiático, nos Estados Unidos os movimentos contraculturais se espalhavam em todas as direções. O único nexo que os unia era o combate à intervenção militar, que se aprofundou em 1968, quando o Frente de Libertação Nacional, dirigida por Ho Chi Minh, lançou a ofensiva Tet e chegou às portas da embaixada americana em Saigon. Com 537 mil soldados no país, o exército americano conseguiu rechaçar a ofensiva, mas ela demonstrou que os Estados Unidos não poderiam ganhar a guerra.
O fotógrafo Robert Altman mostra no livro The Sixties como o pacifismo se tornou mais e mais militante, sem abandonar de todo as idéias que o alimentavam. Já em outubro de 1967, por exemplo, uma gigantesca manifestação cercou o Departamento de Defesa, o centro nevrálgico da guerra, em Washington. O objetivo dos manifestantes, contudo, não poderia ser mais hippie: fazer o Pentágono levitar.
No livro de Altman, um dos ativistas do período, Abbie Hoffman (que morreu em 1989), faz o seguinte balanço daqueles anos:
Não acabamos com o racismo, mas acabamos com a segregação legal.
Acabamos com a idéia de que se pode mandar meio milhão de soldados para o outro lado do mundo lutar numa guerra que as pessoas não apóiam.
Acabamos com a idéia de que as mulheres são cidadãs de segunda classe.
Fizemos da defesa do meio ambiente uma questão que não pode ser ignorada.
As grandes batalhas que ganhamos não podem ser revertidas.
Nós éramos jovens, cheios de certezas, temerários, hipócritas, valentes, tolos, teimosos e amedrontadores.
E nós estávamos certos.
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