ILUSTRAÇÃO: ARNALDO ALBUQUERQUE_2007
A lenda do Cabeça de Cuia
Pedro Costa | Edição 12, Setembro 2007
I.
O povo que não acredita
Em história de pescador,
De vaqueiro e cachaceiro,
De poeta cantador.
Motorista e seringueiro,
Marinheiro e caçador.
Dizem que toda mentira
Deturpa sempre a verdade,
Por menos que ela seja
Dita na sociedade,
Contada por muita gente,
Se torna realidade.
Uma história de verdade
Contada de uma maneira
Deturpada, duvidosa,
Como fosse brincadeira,
Por mais que seja real,
Nunca será verdadeira.
Existe história lendária
Que virou verdade pura,
Com o tempo ganhou fama
Com personagem e figura
Inserida no folclore,
Enriquecendo a cultura.
II.
Entre todas criaturas
Sempre o homem é o mais forte,
Enfrenta feras nas selvas,
Escapa no fio da sorte.
Tem o instinto voraz.
Só quem o vence é a morte
O homem tem enfrentado
Perigos no alto-mar,
Nos espaços siderais,
Monta usina nuclear,
Não domina o universo
Porque Deus não vai deixar.
Existe homem no mundo
Que desconhece o amor
E contra pais e irmãos
As palavras do Senhor.
Xinga Terra, Sol e astros
As coisas do Criador.
Muitos anos atrás
Existiu no Piauí
Um pescador que pescava
No Parnaíba e Poty.
A sombra da maldição
Estava perto de si.
III.
O seu nome era Crispim,
Cresceu sem religião,
Sem pai pra lhe dar conselho,
Sem amigo e sem irmão,
Sua mãe muito velhinha,
Sem mágoa no coração,
Acontece que Crispim
Não aprendeu a trabalhar.
Para sustentar a mãe,
Ele tinha que pescar.
Quando não pescava nada,
Danava a esbravejar.
Devido à necessidade,
Ele só vivia aflito,
Ameaçava sua mãe,
Dava soco, dava grito,
Agredia todo mundo,
Chamava o rio maldito.
Sua mãezinha chorava,
Muito tristonha e velhinha,
Sem esperança de vida,
Em sua pobre casinha,
O sofrimento do filho,
Com a pobreza que tinha.
IV.
Vendo o filho em desespero,
A mãe se compadecia.
Assim vivia Crispim,
Sem ter sorte em pescaria,
Xingava até sua sombra
E a roupa que vestia.
Um certo dia Crispim
Voltou pra casa zangado.
Não tinha pescado nada,
Crispim ficou irritado.
Xingando os rios e os peixes,
Tudo que tinha ao seu lado.
A mãe lhe disse: “Filhinho,
Não pense mais em mazela,
Coma um pirão com uma ossada
Que tem naquela panela”.
Crispim pega um corredor,
Bateu na cabeça dela.
A pancada foi tão grande,
Levou a velha ao chão.
A mãe antes de morrer
Jogou-lhe uma maldição:
“Serás transformado em monstro,
Num ente sem coração”.
V.
“Filho maldito e ingrato,
Tu foste muito ruim.
Matar tua genitora,
Te amaldiçôo, Crispim.
Serás um monstro maldito,
Triste será teu fim.
Nas águas desses dois rios,
Tu vais ficar a vagar.
Serás um monstro assombroso,
Até você devorar
As sete Marias virgens,
Mas nunca irás encontrar.”
Os anjos disseram amém
Na hora em que a mãe falou.
Sua madrinha não ouviu,
Jesus no céu escutou.
E de repente Crispim
No monstro se transformou.
Ficou todo transformado,
Com a cara muito feia.
A cabeça cresceu tanto,
Que dava uma arroba e meia.
Caiu nos rios e aparece
Em noite de lua cheia.
VI.
A velha foi sepultada
Como se fosse uma indigente.
Não ficou nem um registro,
Não apareceu parente.
E Crispim ainda vive
Querendo voltar a ser gente.
Até mesmo os pescadores
Nele não querem falar.
Quando falam sentem medo,
Passam noites sem pescar.
Todos temem a qualquer hora
Com Crispim se encontrar.
Cabeça de Cuia vive
Cumprindo sua trajetória.
Uma velha diz que viu,
Porém perdeu a memória,
Se assombra, fica louca
Quando escuta essa história
Todo final de semana,
Sempre, sempre é registrado
Nas águas desses dois rios
Alguém morrer afogado,
Deixando cada vez mais
Banhista desesperado.
VII.
Crispim Cabeça de Cuia
Vive ainda à procura
Das sete Marias virgens,
Cumprindo sua desventura
Rio abaixo e rio arriba,
Em noite clara ou escura.
Passaram séculos e séculos,
A história permanece.
Dizem quando os rios enchem,
Na correnteza ele desce,
Dando gargalhadas estranhas
Toda vez que aparece.
Ele vaga pelas águas
Do Parnaíba e Poty
E no encontro dos rios
Tem sua estátua ali
Descrevendo esta lenda
Folclórica do Piauí.