A garagem, a caixa, o corpo escondido: em longa carta escrita na prisão, Alexandra Dougokenski conta que, à noite, olha para uma estrela e pensa que é o boa-noite do filho assassinado - CREDITO: CACO BRESSANE_2020
A mãe perfeita
A tragédia do filicídio
Itamar Melo | Edição 170, Novembro 2020
Por mais de uma semana, Alexandra Dougokenski tomou seu chimarrão, recebeu pessoas e gravou entrevistas a pouco mais de 10 metros do local onde havia escondido o corpo do filho. A cidade e a região, abaladas pelo desaparecimento do menino, mobilizaram-se para encontrá-lo, seguindo as pistas mais improváveis e revirando terrenos baldios e matagais, mas a mãe não se envolveu nas buscas. Viam-na rir, mas não chorar. De vez em quando, fazia alguma piada. “Vou ver se o Rafael está dentro das panelas”, disse, segundo uma testemunha, quando começava a preparar o almoço.
Houve uma ocasião, no entanto, em que a aparência de frieza e indiferença desmoronou. Foi durante a reconstituição da morte da criança, mas o motivo não foi a perda do filho. Segundo os investigadores, Alexandra Dougokenski entrou em desespero e chorou ao encontrar sua residência desarrumada, depois das buscas da polícia. “Está tudo bagunçado!”, exclamou. “Esta não é a minha casa! O que fizeram com a minha casa?”
Desde o início, os investigadores haviam notado que Dougokenski tinha um apuro incomum quanto à limpeza e à organização doméstica. No armário, cabides e roupas eram alinhados segundo cor e tamanho. Os sapatos seguiam a mesma lógica. Na cozinha, havia uma lista detalhada do conteúdo dos armários: tantos pacotes de massa, tantos pacotes de arroz e assim por diante. “Era uma organização muito rigorosa. O que mais me impressionou foi a geladeira. Estava tudo organizado em caixinhas, numa distribuição perfeita”, contou Ercílio Carletti, o delegado de Planalto, município de 10 mil habitantes no extremo Norte do Rio Grande do Sul.
Em um momento da reconstituição, Dougokenski começou a mover os porta-retratos sobre uma mesinha, explicando que estavam fora do lugar. Em outro, apanhou uma camiseta e dobrou-a zelosamente, deixando-a como se tivesse vindo de uma lavanderia. “Achamos que ela ia passar por um momento complicado na casa, por estar revivendo ali a morte do filho. Mas, para nosso espanto, o desespero dela foi porque a casa estava fora de ordem”, lembra o delegado Eibert Moreira Neto, que dirige as investigações do Departamento de Homicídios gaúcho.
Mais tarde, Dougokenski contou a um delegado que, naquele dia, teve vontade de colocar todo mundo para fora, arrumar a casa e só então passar à reconstituição do crime que vitimara seu filho Rafael Mateus Winques, aos 11 anos.
Às 9 horas de 15 de maio deste ano, uma sexta-feira gelada, Alexandra Dougokenski, de 32 anos, percorreu os 340 metros entre sua casa e o Conselho Tutelar de Planalto. Queria comunicar o desaparecimento do filho. Às duas conselheiras presentes, disse ter notado o sumiço de Rafael cedo naquela manhã. Relatou que ia varrer o alpendre quando percebeu a porta da rua aberta. Foi até o quarto do filho mais velho, Armando,[1] que estava às vésperas de completar 17 anos, e viu-o lá dentro. Espichou o olho para o quarto de Rafael e se deparou com a cama desarrumada e vazia. Foi procurá-lo na casa de sua mãe, Isaílde Batista, de 58 anos, que ficava em frente, do outro lado da rua. Rafael também não estava lá. Apesar da temperatura inferior a 8ºC, ele teria saído de casa vestindo apenas uma camiseta do Grêmio de manga curta, uma calça escura e chinelos de dedo. Não havia levado o celular.
A conselheira tutelar Denise Vojniek achou Dougokenski nervosa, mas não desesperada. Mesmo com cinco anos de experiência no Conselho, Vojniek teve dificuldade de avaliar seu comportamento, por ser o primeiro episódio de criança desaparecida na cidade. “Não sabíamos como era a reação de uma pessoa quando some alguém da família”, diz. “Mas nos causou estranheza o menino ter saído de camiseta e chinelo em uma noite muito fria.”
Às onze da manhã, acompanhada do namorado, Delair de Souza, três anos mais velho que ela, Dougokenski compareceu à delegacia para lavrar o boletim de ocorrência. Em linhas gerais, repetiu o que dissera antes no Conselho Tutelar. No sucinto boletim, o delegado Ercílio Carletti incluiu um detalhe que chamara sua atenção: a mãe contara que “Rafael foi cobrado para deixar o celular de lado um pouco, pois passava muito tempo mexendo”. O policial examinou o aparelho do menino, não encontrou nada de relevante e procurou tranquilizar a mãe: “Olha, ele deve estar na casa de algum amigo.”
Naquela manhã, a mobilização pelas buscas já havia começado. Policiais militares e conselheiros tutelares percorriam a cidade, telefonemas eram disparados para a casa de amigos, e nas redes sociais apareciam postagens com fotos do menino. À tarde, um grupo de colegas de escola de Rafael apareceu no Conselho Tutelar, colocando-se à disposição para ajudar a procurá-lo.
Dougokenski, pele alva, olhos castanhos e cabelos negros, lisos e compridos, era conhecida por Vojniek porque costumava fazer caminhadas ao redor da praça, em torno da qual fica o coração da cidadezinha – a prefeitura, a delegacia, o fórum, o hospital, o Conselho Tutelar, o Ministério Público. Mas nunca houvera qualquer atendimento ou denúncia referente aos seus dois filhos. O próprio delegado Carletti estava habituado a vê-la passar diariamente em frente à delegacia, levando Rafael para a escola. Estranhava que um menino já crescido não fosse sozinho, em uma cidade tão tranquila. “Era uma pessoa conhecida. Chamava atenção porque ela passava com o menino, ele sempre muito arrumadinho, direitinho, um piá bonito”, disse o policial.
Os relatos sobre a mãe eram todos abonadores. No inquérito, uma vizinha contou que ela cuidava bem dos filhos, nunca se envolvia em brigas ou gritarias. Uma professora disse que participava das reuniões de pais e era atenciosa. Outra relatou que Rafael estava sempre limpo, perfumado, penteado e bem-vestido. Uma terceira declarou ser evidente o amor do menino pela mãe. Segundo o amigo mais próximo, os colegas de aula comentavam que Rafael era o que mais recebia carinho materno. Em um trabalho escolar para o Dia das Mães, chegara a lacrimejar ao escrever que Dougokenski era a melhor mãe do mundo. “Ela era a mãe que cuidava, que levava o filho na escola, que isso, que aquilo. Era a mãe perfeita”, resume Carletti.
Quando chegou a noite de sexta-feira e Rafael continuava desaparecido, o delegado ficou tenso. Passou-lhe pela cabeça a suspeita de sequestro para fins sexuais. “É comum nessa idade. É fácil ser aliciado. Aqui é interior, é fim de mundo, mas Chapecó é aqui do lado, Passo Fundo é aqui do lado. Um abusador poderia ter vindo. Poderia ter orientado o menino a não levar o celular, para não ser rastreado.” Naquela noite, Carletti e a conselheira Vojniek tiveram dificuldades para dormir. A temperatura caiu a 5ºC. Pensavam no garoto de chinelo e camiseta perdido em algum lugar do lado de fora.
Na manhã de sábado, com Rafael sumido havia mais de 24 horas, o delegado resolveu instaurar um inquérito policial e convocou a mãe para um depoimento mais detalhado. Surgiu uma pequena discrepância em relação ao que fora dito na véspera. Dougokenski não deixara claro se havia atravessado a rua para ir até a casa de sua mãe, a avó Isaílde Batista, ou se a avó é que fora à sua casa. Os policiais não se preocuparam com a inconsistência. Atribuíram o detalhe ao nervosismo.
Naquele depoimento, Dougokenski indicou possíveis suspeitos. Segundo o delegado, ela apontou duas pessoas, ainda que sem acusá-las diretamente: seu meio-irmão Jean Hilgert e o pai de Rafael, Rodrigo Winques. Ela afirmou à polícia que Hilgert, 25 anos, que mora na casa em frente com a mãe, tinha problemas psiquiátricos, era violento e teria passado a mão “nas bolinhas” de Rafael (não há diagnóstico nem registro policial que ampare essas afirmações). Também mencionou que o menino abriria a porta de casa para o tio, caso ele aparecesse no meio da madrugada.
No entanto, quem se tornou o foco das atenções da polícia, a partir daquele dia, foi Rodrigo Winques, 38 anos, pai de Rafael, que trabalha no cultivo de parreiras em Bento Gonçalves, município da Serra Gaúcha. De acordo com Dougokenski, sua relação com o ex-companheiro, de quem se separou em 2018, era conflituosa. Ela afirmou à polícia que o pai insistia para que Rafael fosse morar com ele em Bento Gonçalves, mas o filho não queria. Com o desaparecimento, Winques chegou a Planalto no sábado, depois de uma viagem de cinco horas de carro. Prestou depoimento à tarde e disse que precisava voltar a Bento Gonçalves no mesmo dia. “Não era o comportamento esperado”, relata Carletti. “Então eu disse a ele: ‘Olha, aí tu me deixas mal. Teu filho está desaparecido. Como é que tu vais embora?’” Winques ficou.
Ainda no sábado, Dougokenski voltou a fazer contato com a polícia para apimentar as suspeitas contra o ex: disse ter sido avisada de que o carro de Winques, um Astra, estava na casa de parentes dele em Ametista do Sul, cidade vizinha. Era um indício de que ele poderia ter estado em Planalto na noite do desaparecimento. Acionados para verificar a informação, policiais militares não encontraram o veículo. O delegado pediu dados de geolocalização do celular de Winques e consultou a Polícia Rodoviária Federal para saber se seus dois veículos (um carro e uma moto) haviam passado pelas estradas que levam a Planalto. “Ele era o suspeito número 1”, revela Carletti.
Celeiro de sobrenomes germânicos e eslavos, Planalto é tão pequena que a residência de Dougokenski fica, ao mesmo tempo, a apenas 350 metros da praça principal e praticamente fora da cidade. Sua rua é a última da malha urbana, dando para uma vasta área de mata e campo. Foi nessa área que ocorreram intensas buscas na segunda-feira, quando se contavam 72 horas do desaparecimento de Rafael. Bombeiros do município de Palmeira das Missões trouxeram um cão farejador, que guiou cerca de quarenta homens pela área descampada e pelos matagais. Winques, o pai, não acompanhou as buscas. Justificou à polícia que estava na fila do banco, esperando para pagar uma conta. A mãe ficou em casa.
No fim do dia, Winques deixou de ser suspeito. Testemunhas indicaram que, na noite do desaparecimento, ele estava em Bento Gonçalves, a 320 km de distância. Câmeras rodoviárias mostraram que nem seu carro nem sua moto haviam acessado Planalto. As companhias telefônicas confirmaram que o celular dele estava na região de Bento Gonçalves, de onde fez acessos à internet. A polícia voltou-se então para Jean Hilgert, o meio-irmão de Dougokenski, mas a investigação não levou a nada, e ele também não demorou a ser excluído da lista de suspeitos.
Àquela altura, a cidade inteira estava empenhada em achar Rafael. Comerciantes fechavam suas lojas para percorrer grotões, o Conselho Tutelar distribuía folhetos com a imagem do menino, jipeiros palmilhavam zonas de difícil acesso, correntes de oração circulavam pelo WhatsApp, câmeras de vigilância eram escrutinadas. Nas redes sociais e em entrevistas, a mãe apelava para o filho voltar. A polícia seguia qualquer pista. Uma concentração de urubus levou os agentes a uma área remota, mas era só um cachorro morto. Um grupo de espíritas, guiado por uma visão, indicou que o corpo estaria debaixo de pedras, numa zona de mata. Três horas de buscas na área resultaram em nada.
Carletti ponderou que é raro uma mãe matar o filho, mas um padrasto fazê-lo não é tão incomum. E Rafael tinha um padrasto, Delair de Souza, que trabalha como recepcionista no Hotel das Pedras, na vizinha Ametista do Sul. Ele virou o novo alvo das investigações. Mas, em dois dias, também estava fora da lista de suspeitos. Imagens de vídeo mostravam-no trabalhando durante toda a noite na recepção do hotel. Além disso, seu carro não fora flagrado pela câmera na via de ligação entre Ametista do Sul e Planalto.
O comportamento de Alexandra Dougokenski começou a causar desconforto ao longo da semana. Ela aparentava tranquilidade, não participava das buscas, ninguém a via chorar. Noeli Batista, tia dela por parte de pai, diz que correu para procurar Rafael assim que soube do sumiço, mas não viu o mesmo empenho por parte da sobrinha. “Ela não saía de casa, não queria se sujar. Só chorava se aparecia algum estranho. Daí ela chorava um pouquinho.”
As cinco conselheiras tutelares de Planalto também comentavam entre si a frieza de Dougokenski. “Estávamos desconfiadas, sim. Não posso dizer que não. Não conseguia imaginar uma mãe naquela situação falar com tanta frieza. Só que cada pessoa reage ao trauma de uma forma, então não podemos julgar”, afirma Denise Vojniek.
Na terça-feira, depois de quatro dias do desaparecimento, os comentários se avolumaram. “Se é meu filho, estou na porta da delegacia todo dia às 7 horas, batendo e fazendo estardalhaço”, uma moradora disse ao delegado. Outros relatavam ter ido oferecer ajuda, mas encontraram Dougokenski calma, sentada, tomando chimarrão. “Ela dava entrevistas à tevê e a gente pensava: ‘Bah, mas tem alguma coisa aí’”, conta o delegado.
Na quinta-feira, a promotora Michele Dumke Kufner, 39 anos, bateu à porta de Dougokenski. Vinda de Nonoai, outra cidade próxima, chegou à tarde e encontrou a mãe de Rafael vendo tevê na sala. A residência fica em um terreno de esquina, no qual há duas casas de tijolos à vista, ambas do mesmo tamanho. Em uma delas, a que fica junto à esquina, mora um casal que veio de Americana, no interior de São Paulo, há oito anos.
Ao lado, a quatro ou cinco passos, está a casa de Dougokenski. Da sua renda mensal de 2 mil reais (o valor da pensão deixada pelo primeiro marido), ela gastava 450 reais com o aluguel. O corpo da casa é quase um quadrado, dividido ao meio, perpendicularmente, por uma parede de madeira. Em uma metade, estão a sala e a cozinha, conjugadas. Na outra, os três quartos. O do meio, com apenas 6 m2, era o de Rafael. Em uma ponta ficava o do filho mais velho, do mesmo tamanho. Na outra, o da mãe, com 12 m2. Ela tinha um enorme espelho à cabeceira da cama de casal e mais três espelhos ao redor do leito. A edificação se completa com uma perna em “L”, saindo da cozinha, que abriga um banheiro e uma lavanderia. Do lado de fora há uma pequena área avarandada.
Michele Kufner acomodou-se em um dos sofás. Notou que estava recoberto por uma manta, perfeitamente esticada, sem um vinco sequer. Olhou ao redor e achou a arrumação e a limpeza impecáveis. Dougokenski recebeu-a bem-vestida e com o cabelo aprumado. Enquanto a mãe recontava a história do desaparecimento, Kufner impressionou-se com a calma. “Cheguei a perguntar se ela estava tomando alguma medicação que justificasse aquela tranquilidade. Porque nós, que não tínhamos vínculo com a criança, estávamos preocupados e sem dormir havia vários dias. Ela disse que não tomava nada.”
Dougokenski não se emocionou em nenhum instante da conversa, segundo o relato de Kufner. Falou de forma coerente e concatenada. Em dado momento, fez um gracejo e soltou uma risada: “Falei ao Armando hoje ao meio-dia: ‘daqui a pouco o Rafael vai entrar pela porta.’” Kufner quis saber sobre o comportamento do desaparecido. A mãe enfatizou a obediência dos dois filhos. Ao sair, a promotora ouviu-a dizer: “O que eu mais quero é que meu filho volte para casa.”
Na manhã seguinte, uma semana depois do desaparecimento, Dougokenski recebeu outra visita, desta vez das conselheiras tutelares. Denise Vojniek conta que a conversa foi breve, porque a mãe de Rafael ia dar entrevista à imprensa. De olhos inchados, ela disse às visitantes que não conseguira dormir. Deitava no sofá da sala e levantava com qualquer barulho, para ver se era o filho chegando. Havia uma espécie de altar em homenagem a Rafael, decorado com foto, roupas e um bicho de pelúcia dele. Diante desses sinais, Vojniek sentiu remorso por ter suspeitado da mãe: “Achamos que a desconfiança estava errada, que seria muita frieza da pessoa. Saímos de lá dizendo: ‘Não é possível que tenha sido ela.’”
À noite, as casas de Dougokenski e sua mãe foram submetidas a uma perícia com luminol, substância química que emite uma luminosidade azulada quando em contato com vestígios de sangue. Nada foi encontrado. Com o movimento na casa, um tio e uma tia foram ao local achando que o corpo de Rafael tivesse sido localizado. Viram Dougokenski no alpendre, de costas para a rua, conversando com duas pessoas e dando “uma risada de felicidade”, segundo as testemunhas. Quando percebeu a presença dos tios, ela parou de rir e explicou que não podia convidá-los a entrar por causa do pó aplicado pela perícia. Uma vizinha também contou à polícia que Dougokenski riu ao relatar que não haviam encontrado nada em sua residência.
No sábado, depois de dedicar mais um dia a buscas infrutíferas, o padrasto de Rafael, Delair de Souza, encharcado de água dos córregos, chegou à casa de Dougokenski quando já escurecia. Estava desolado com o insucesso e chorou escondido. Depois do banho, Dougokenski lhe ofereceu um chimarrão. “Não. Vou tomar um golinho de café e deitar um pouco”, disse ele. Nesse momento, ela começou a chorar. “Bateu um aperto no peito”, disse ela, segundo o relato de Souza. Ele achou que era o momento de preparar a família para o pior. Pediu que a companheira e o filho sentassem no sofá e avisou: “Olha, não quero que vocês desanimem, mas a situação é complicada. Não sabemos mais a condição em que vamos encontrar o Rafa. Vocês têm que estar preparados.” Esperava que a namorada reagisse com inconformidade. “Mas ela agiu muito naturalmente, dizendo: ‘Não, nego, tudo bem, a gente sabe.’” Desconfiado, Souza perguntou se havia algo que ela precisasse contar, qualquer coisa, que ele estava ali para ajudar. Dougokenski respondeu: “Não, nego, não tenho nada para te contar.”
Naquele mesmo sábado, Dougokenski havia apresentado uma nova informação aos investigadores. Ela entrou em contato com o inspetor Jackson Consoli por WhatsApp e disse que a data de 14 de maio, a noite do desaparecimento, estava assinalada no calendário de parede, junto à porta do quarto de Rafael. A implicação era que o menino teria feito a marcação, planejando uma possível fuga. Consoli foi até a residência e fotografou o calendário.
Ao receber a imagem pelo celular, o delegado Carletti ficou alarmado. Nas várias visitas à casa de Dougokenski, ele examinara o calendário. E não havia marcação alguma nele. Agora, o dia 14 aparecia assinalado com uma tinta forte, bastante evidente. Concluiu que alguém estava tentando manipular a polícia. “Aquilo me deu um estalo na cabeça. Pensei: ‘é alguém dentro da casa. Só pode ser. Ocorreu ali.’” Carletti, que visitava sua mulher em Curitiba, antecipou a volta para Planalto e, às sete da manhã de segunda-feira, estava na delegacia, pronto para ouvir a mãe de Rafael outra vez.
O novo depoimento de Dougokenski tomou toda a manhã. Ela fez um relato detalhado dos dias anteriores ao sumiço de Rafael, destacou que ele passava quase todo o tempo ao celular e disse ter visto o filho pela última vez às 23 horas, quando permitiu que assistisse a um último vídeo antes de dormir. Também fez um relato minucioso sobre a manhã seguinte. Acordou às 7h30, preparou chimarrão, arrumou o quarto, varreu a casa. Quando foi bater a vassoura na rua para tirar a sujeira, notou que a porta estava aberta. Viu que Armando dormia, mas não achou Rafael. Imaginou que ele tivesse ido à casa da avó, brincar com uma galinha garnisé que havia ganhado. Continuou com os afazeres domésticos: limpou o banheiro e arrumou o quarto do caçula. Só depois das 8h20, quando sua mãe apareceu e comentou que Rafael não estava com ela, Dougokenski percebeu que o menino sumira. O delegado Carletti estranhou as discrepâncias em relação aos depoimentos anteriores, principalmente quanto aos horários.
Para dirimir dúvidas, Dougokenski disse aos policiais que poderiam examinar seu celular, um Samsung A51 branco. O inspetor Consoli consultou os acessos realizados na noite do desaparecimento. A mãe assistira a três vídeos sobre estupros, lera uma reportagem com o título Prostitutas Matam Cinco Clientes com Colírio e acessara um artigo sobre a composição química do sonífero do “Boa noite, Cinderela”, golpe em que a vítima é drogada. Disse que pesquisara o assunto para alertar Rafael sobre os perigos que ele poderia enfrentar (mais tarde, acrescentou que a pesquisa tinha a ver com uma cena da novela Totalmente Demais que a deixara intrigada). Associando esse achado aos constantes relatos da mãe sobre o hábito do menino de mexer no celular até tarde, o delegado supôs que ela pudesse ter dado algo para ele dormir. Encerrou o depoimento perto do meio-dia e pediu que Alexandra retornasse à tarde.
Desta vez, em lugar de um interrogatório, deu-se uma conversa, na descrição do delegado. “Eu falei: ‘Alexandra, se aconteceu alguma coisa, você tem que contar para a gente. As coisas não estão fechando. Você apontou o Rodrigo como possível autor, você apontou o Jean como possível autor, nós esgotamos tudo nessa linha, e não foram eles. Para mim sobrou você, o Delair e o Armando dentro da casa. Essa marca no teu calendário não existia, eu fui na tua casa e vi. Então quem colocou a marca ali? Taí a população toda atrás da criança, revoltada. Tu tens que me contar.’”
Sentindo que ganhara a confiança de Dougokenski e que ela estava prestes a se abrir, Carletti perguntou se gostaria de falar a sós. Ela assentiu. Por volta das 16h30 de 25 de maio, dez dias após o desaparecimento, ela finalmente revelou que Rafael tinha morrido. Disse que pegara na casa da mãe um ansiolítico usado pelo meio-irmão e dera o remédio a Rafael na noite do dia 14, para fazê-lo adormecer. O medicamento era Diazepam. Justificou que o garoto andava muito agitado, usava demais o celular e não queria dormir. De madrugada, esteve no quarto do filho e o encontrou com os lábios arroxeados e as mãos geladas. Estava morto. De acordo com Carletti, Dougokenski contou ter buscado uma corda de varal, amarrando uma ponta nos pés e a outra no pescoço de Rafael, para fazer uma alça. Em seguida, carregando-o, contornou a casa do vizinho, no mesmo terreno, e pôs o corpo dentro de uma caixa de papelão na garagem. Sabia que os moradores haviam viajado a São Paulo e que o imóvel estava vazio.
O delegado mandou isolar a área e foi até o local. Bem na esquina, ficava a garagem, aberta, sem paredes, visível às centenas de pessoas que andaram à procura de Rafael nos dias anteriores. Atrás de um biombo, junto à churrasqueira da garagem, Carletti e Consoli viram uma caixa, que um dia fora a embalagem de um tanque de lavar roupa. Tiraram uns retalhos de tecido que estavam por cima e se depararam com o corpo de Rafael, meio dobrado, no fundo do recipiente de papelão. Ele tinha um saco de tecido na cabeça e vestia uma camiseta do Grêmio. O corpo estava a apenas 12 ou 13 metros do local da morte. Estava o tempo todo no próprio epicentro das buscas.
Delair de Souza, que acatara o conselho do delegado para dar uma trégua nas buscas e fora para a casa dos pais em Ametista do Sul, resolveu voltar ao trabalho naquele dia. Pouco antes das 18h30, chegou à recepção do Hotel das Pedras e foi abordado pela proprietária.
– Delair, viste que acharam o Rafa?
– Ai, que coisa boa! – reagiu ele, numa explosão de alívio.
– Não, Delair. A Alexandra confessou. O Rafa está morto.
O namorado passou mal e desabou no chão. “Era a única coisa que eu não queria ouvir”, disse ele, mais tarde. “Eu não estava preparado para aquilo. Havia passado aquele tempo todo ao lado dela. Ela viu o meu sofrimento, ela viu o quanto eu chorei, o quanto o filho dela chorou.”
Aficionado por medicina legal, Carletti achou que a versão de Dougokenski sobre uma morte acidental não correspondia ao corpo que ele tinha encontrado dentro da caixa. Uma ponta da corda, de náilon verde, estava solta, junto aos pés de Rafael, e não amarrada. A outra estava presa ao pescoço por um nó apertado. O rosto do menino encontrava-se congestionado, com os olhos e a língua protusos. Os elementos não combinavam com uma morte decorrente da ingestão de um ansiolítico, mas eram característicos de estrangulamento.
De volta à delegacia, ele encontrou uma pequena multidão agitada na frente do prédio e avaliou que havia risco de linchamento. Para abreviar os procedimentos, pediu que Dougokenski gravasse uma confissão em vídeo. Encerrada a gravação, escondeu a mãe de Rafael dentro de um veículo e mandou-a para o Presídio Estadual de Iraí, a 35 km de Planalto.
A perícia apontou que o menino morreu por asfixia mecânica, e não pela ingestão de Diazepam. Outro laudo revelou que a quantidade de remédio no sangue de Rafael era baixa: 0,1 mg por litro de sangue, capaz de pôr uma criança a dormir, mas quinhentas vezes menos do que a dose capaz de matá-la.
O ato de matar o próprio filho chama-se filicídio. Apesar de um crime impensável, ele permeia toda a história da humanidade. Na Bíblia, Abraão vai matar o filho Isaac como prova máxima de sua fé em Deus, mas, na última hora, é impedido de fazê-lo pela intervenção de um anjo. Na tragédia de Eurípedes, escrita quatro séculos antes da Era Cristã, Medeia mata os dois filhos para vingar-se de Jasão, o marido infiel. Em alguns períodos da Grécia e Roma antigas, e durante a Idade Média, chegou a ser um crime tolerado como forma de controlar o tamanho da família.
Estudos contemporâneos indicam que os pais matam mais do que as mães. As mães filicidas tendem a ser mais jovens, e seus filhos, em geral, têm menos de 1 ano de idade. As pesquisas demonstram que, de fato, a vingança de um dos cônjuges é um dos motivos que aparecem no filicídio. Entre as outras razões mais comuns estão o colapso psíquico do filicida, a ideia delirante de que a morte protegerá o filho e – eis o motivo alegado por Dougokenski – a morte acidental.
No presídio de Iraí, Dougokenski conseguiu um caderno e resolveu escrever uma carta ao filho sobrevivente, a quem estamos chamando de Armando. A partir de 3 de junho, quando completou nove dias na prisão, redigiu 106 páginas, quase todas em texto contínuo, sem rasuras e com uma letra apertada, num jorro de palavras de tirar o fôlego. Embora tenha concluído apenas o ensino fundamental, ela se expressa bem por escrito, mas comete erros de ortografia e gramática. (Os erros foram corrigidos nos trechos transcritos nesta reportagem para facilitar a leitura.)
Esse material, ao qual a piauí teve acesso, oferece um vislumbre singular da trajetória e da personalidade da mãe acusada de matar o caçula. Na primeira página, em meio a desenhos de rostos, olhos e corações a verter lágrimas, ela anuncia a Armando o seu propósito: “Filho, espero que tu entendas e compreendas tudo o que eu te deixar por escrito aqui.” Na segunda página, em letras grandes escritas na diagonal, assume um tom de súplica que se repetirá em muitas passagens subsequentes: “Ô, meu filho, não me abandona! Me ajuda, por favor! Preciso muito de ti do meu lado, mesmo que eu não mereça! […] Preciso te pedir perdão! Me perdoa!”
A partir da terceira folha, segue-se um relato autobiográfico que ocupa um total de 25 páginas. A vida de Dougokenski é marcada por perdas e violência, a começar pela morte do pai, assassinado diante dela, quando tinha 6 meses de idade. “Em meio a uma tragédia, meu pai, seu avô, foi separar uma briga em um campo de futebol e covardemente ali foi morto”, registra. (Isaílde Batista, mãe de Dougokenski, bem como outros parentes, relatam a história com pequenas diferenças nos detalhes, mas confirmam o essencial: ele foi brutalmente morto, aos chutes e pontapés, durante um jogo dominical em Ametista do Sul. A Polícia Civil do Rio Grande do Sul não localizou o boletim de ocorrência do crime, pelo qual ninguém foi punido.)
A menina cresceu ouvindo a história do assassinato do pai e sofrendo as consequências materiais da orfandade prematura. Sozinha com a mãe, teve uma infância de pobreza, relatada em pormenores no texto autobiográfico. Não tinham luz nem água encanada e o banheiro era uma latrina fora de casa. “E como fazer à noite? Só nós duas, o medo batia, então fazíamos nossas necessidades em um penico.” A casa era de madeira, mas o frio e a chuva entravam pelas frestas nas paredes. Dougokenski destaca que a residência era pequena, mas “organizadinha”, e lista os objetos do lar, lembrando a cor de cada um: o sofá marrom, a pia vermelha, a mesa também vermelha, de pernas bambas.
Na narrativa sobre a vida violenta, ela conta que “apanhou muito, mas muito mesmo” e enumera as modalidades de surra que teria experimentado: “De vara de vime, vara de rabo-de-bugio, pedaços de mangueira, pedaços de fio de luz, vara de pitangueira, pisões no pescoço, tapas na cara, socos na cabeça, chutes e pisaços na barriga.” Relata que a última surra foi de relho e que, enquanto apanhava, ajoelhou-se e prometeu jamais bater nos próprios filhos.
Dougokenski saiu de casa aos 14 anos, na época em que sua mãe deu à luz o terceiro filho, Alberto Cagol, hoje com 18 anos. Diz que a motivação foi o mau relacionamento com o padrasto. Ela havia conhecido um “moreno claro, lindo”. Largou a escola, casou-se com ele e foi morar em Caxias do Sul, onde ficou “admirada com a imensidão da cidade e ao mesmo tempo apavorada”, porque se perdia na rua. O marido, treze anos mais velho, chamava-se José Valdecir Dougokiski (essa é a grafia que aparece na sua cédula de identidade, embora alguns familiares digam que o correto é Dougokinski e outros usem Dougokenski, forma adotada pela mãe de Rafael). O primeiro filho, Armando, nasceu em 2003. No caderno do cárcere, ela afirma que cuidava sozinha do bebê, porque o companheiro tinha dois empregos. Descreve-se como uma mãe orgulhosa e dedicada, que amamentava mesmo com os seios a sangrar.
O casamento culminou na segunda morte trágica da trajetória de Dougokenski, a do marido. Como no caso de Rafael, ele morreu por asfixia mecânica provocada, também, por uma corda de varal. José Valdecir Dougokiski, segundo a narrativa da viúva no caderno, não estava bem, não falava direito com ela e dera para beber, o que levou à perda dos dois empregos e à mudança para o interior do município de Farroupilha, onde o casal passou a tomar conta de uma propriedade rural. “Até que um dia, por desgraça do destino, teu pai resolveu ser fraco e nos deixou”, diz o texto. Dougokiski morreu na madrugada de 5 de fevereiro de 2007. Armando ainda não tinha completado 4 anos.
O suicídio de José Valdecir Dougokiski era uma questão resolvida, mas, depois do assassinato de Rafael, sua família reviveu velhas suspeitas sobre o papel de Alexandra Dougokenski e pediu a reabertura das investigações. Em depoimento no inquérito sobre a morte, em 2007, a viúva sustentou que o marido bebeu cachaça, xingou-a, disse que ela e o filho podiam ir embora e atirou um copo na sua direção. Ela e o menino foram dormir no quarto de visitas, o marido ficou no quarto de casal. Dougokenski relatou à polícia que, a certa altura, ouviu ruídos de vômito e, dez minutos depois, de batidas. Imaginou que o marido estivesse quebrando objetos e não se mexeu. Passados mais alguns minutos, escutou gritos e gemidos. Continuou imóvel. Só se assustou quando ouviu um gemido mais alto e um suspiro. Foi até o quarto e encontrou o companheiro enforcado. Ele havia aberto um buraco no forro, amarrado a corda na viga do telhado e saltado da cama. Dougokenski cortou a corda para socorrê-lo, mas o marido já estava morto. Os exames revelaram que tinha 7 dg de álcool por litro de sangue, o equivalente a duas ou três doses de uísque. Os investigadores e peritos corroboraram o suicídio – “com grande margem de certeza”, segundo laudo pericial – e arquivaram o inquérito.
Desde o início, no entanto, os parentes do morto desconfiaram dessa versão. No carro que os levou ao local do sepultamento, uma irmã do morto, Helena, 40 anos, diz que a viúva viajou alegre. “Ela foi rindo o tempo todo, como se estivesse saindo para umas férias. Estava feliz. Como é que alguém sorri no dia em que o marido morre?” Outra irmã, Neli, 50 anos, conta que Dougokenski estava descontraída no velório. “Ela contava causos, dava risada, tomava chimarrão, comia e assim por diante, a noite inteira. Não chegava perto do corpo. Ficamos muito desconfiados, mas como ninguém viu o que aconteceu, não tinha como dizer nada.” Na época, os parentes colocaram em dúvida a hipótese de suicídio. À polícia, sustentaram que Dougokenski tinha um amante, especularam que podia haver uma terceira pessoa dentro da casa para ajudá-la no enforcamento e disseram ter testemunhado ameaças de morte dela ao marido.
No final de maio passado, os familiares contrataram a advogada Maura da Silva Leitzke para reavaliar o caso de suicídio. Ela teve acesso aos autos e realizou uma análise de perfil criminal das duas mortes, de Rafael e de Dougokiski. Concluiu haver “semelhança de 95% no modus operandi”. Em seguida, encomendou um novo estudo pericial. Com base no inquérito, na perícia de 2007 e no laudo de necropsia, o perito Eduardo Llanos, de São Paulo, fez um parecer técnico de 34 páginas. Nele, afirma que o cenário da morte de Dougokiski “corresponde a uma simulação de suicídio” e que o óbito não ocorreu por enforcamento, e sim “por estrangulamento enquanto a vítima se encontrava praticamente inconsciente no piso”. Llanos garante que foi homicídio.
Acionado por Leitzke para reabrir as investigações, o Ministério Público informou que “está examinado a documentação e irá se manifestar assim que tiver um posicionamento”. Em uma avaliação preliminar, realizada antes de receber os documentos de Leitzke, o MP concluiu que não havia elementos para reabrir o caso. Mas entendeu que o episódio ajudava a delinear o perfil psicológico de Dougokenski. O coordenador do Núcleo de Inteligência do MP, Marcelo Tubino, que está concluindo uma especialização em neurociências, diz que chamam a atenção as coincidências entre as mortes de Rafael e Dougokiski. Em ambas, há a presença de uma substância que diminui a capacidade de resistência, a violência no pescoço, o uso de uma corda de varal, a frieza e a indiferença da viúva e mãe nos dias posteriores à morte.
Depois de enviuvar, Dougokenski voltou a Planalto, passou a viver da pensão deixada pelo marido e começou um relacionamento com Rodrigo Winques. Cinco meses após a morte do marido, ela já morava com o namorado. Na página 17 do caderno da prisão, escreveu: “E os meses passaram, minha tristeza por perder teu pai era ainda muito grande, eu chorava sempre escondida de ti, muitas vezes no banho, nunca te mostrei minha tristeza. Ao passar dos dias, minha fragilidade estava à flor da pele, me achava sem chão, até que o destino colocou de forma inesperada o Rodrigo em nossas vidas.”
Ela faz um retrato tenebroso do relacionamento, repleto de violência e ameaças de morte, embora nunca tenha registrado uma ocorrência policial. “Quero que saibas que se eu soubesse tudo o que nos aconteceu de ruim depois de ele [Rodrigo Winques] ter entrado nas nossas vidas, eu jamais teria respondido ao primeiro ‘Oi’ que ele me deu.” Descreve ao filho uma ocasião em que o namorado teria tentado matá-la e em que foi salva pelo próprio Armando, que se interpôs, jogando-se no colo dela. O menino teria menos de 5 anos na ocasião. Em conversa com a piauí, autorizada pela avó, o adolescente repetiu essa história.
A primeira referência a Rafael aparece na página 19, quando Dougokenski diz que engravidou porque o companheiro escondia dela os anticoncepcionais. Descreve ter recebido o filho com muito amor. Menciona que ele nasceu em 2003, mas quem nasceu em 2003 foi Armando. Rafael é de 2008. Em agosto de 2018, quando a família morava em Bento Gonçalves, Dougokenski deixou Winques e mudou-se para a casa em frente à da mãe.
Encerrado seu relato autobiográfico, Dougokenski começa um outro segmento, com 28 páginas, em que aborda a morte de Rafael. Diz, repetidas vezes, que cometeu um erro, insistindo que não foi intencional, roga perdão, fala do desespero na prisão, declara amor ao filho, dá instruções práticas sobre questões financeiras, pede que suas roupas sejam guardadas e orienta que as coisas de Rafael sejam encaminhadas para doação. Escreve ela:
“Sei que por um erro meu, mesmo sem intenção de cometê-lo, teu mundo e tua vida viraram de ponta-cabeça da noite para o dia. Me perdoa, meu filho. […] Sei que agora me tornei uma vergonha para ti. […] Não deixe este erro da mãe afetar teus sonhos. […] Pensa aí na tua cabeça e no teu coração se eu teria capacidade de fazer algum mal para vocês por vontade minha ou por intenção de fazer. O meu maior erro foi não ter contado antes, mas eu estava desesperada, não sabia mais como agir, pensei em te pedir socorro no momento em que tudo aconteceu, mas eu não sabia qual ia ser a tua reação, e na mesma hora eu também pensava em envolver a ti numa falha que era minha. […] Me perdoa, te peço mais uma vez, mas um dia vou poder te falar sobre tudo isso pessoalmente, sei que não tem explicação para algo assim, mas eu preciso te contar com minhas palavras, do meu jeito, eu não sou esse monstro que estão falando. […] Eu acho que no fundo do teu coração tu sabes que eu não queria fazer mal nenhum pra nossa estrelinha […], mas infelizmente algo que eu pensei que ia fazer bem pra ele deu errado, e tudo saiu do meu controle. […] Te coloca agora no lugar de meu pai e cuida de mim como se eu fosse a tua filha, por favor.”
Dougokenski registra no caderno que um passarinho surge todas as manhãs na janela e começa a cantar. “Fico imaginando que é o mano me dando bom-dia.” À noite, olha para uma estrela e pensa que é o boa-noite de Rafael. “A mãe responde aqui de dentro: ‘Boa noite, meu filho, também te amo.’” Poucas páginas à frente, afirma, sobre os dois filhos: “Nasceram de mim, eram totalmente meus, […] tive ajuda só na concepção dos dois, tenho a certeza de ter tido duas gravidezes imaculadas.” Mais adiante, conta que Rafael tem vindo visitá-la à noite, senta ao lado da cama, dá-lhe a mão, mas não responde às suas perguntas. “Não é sonho, porque não durmo. É real. Eu vejo e sinto o carinho dele.”
Subitamente, depois de trocar a caneta azul por outra de tinta preta, Dougokenski muda também o tom de seu texto e passa a negar a autoria do crime – mesmo como morte acidental. “Não tenho tanta culpa assim no que aconteceu […], o meu filho tem de saber que não fui eu. […] Não quero pagar por um crime que eu não cometi.” A partir desse momento, ela ensaia uma nova versão para os fatos da noite do crime. Dirigindo-se diretamente a Rafael, sua “estrelinha”, afirma que seu erro foi não ter lutado por ele, mesmo que isso tivesse custado a vida dela. “Perdoa-me, meu pequeno, por não ter conseguido te salvar.” Alguns parágrafos à frente, diz que está para retornar a Planalto – uma provável referência à reconstituição, que seria realizada em 18 de junho – e pede que Armando preste muita atenção no que vai dizer.
E então ela passa a acusar Winques de ter matado o filho. No começo, não faz isso diretamente. Primeiro, produz nove páginas com sentenças interrogativas, cada uma delas voltada a levantar dúvidas sobre a participação do ex-companheiro. “Tu contaste ou não sobre os gritos que tu ouviste, que pareciam com a voz do Rafa gritando ‘Não pai, não pai’? […] E as batidas que tu ouviste, que pareciam ser as batidas de um portão, mas de alguém batendo forte o portão? Me desculpe por ter te pedido pra não falar sobre isso com a polícia, mas não te pedi pra esconder isso em vão.”
(Ao ser ouvido pela polícia em 29 de maio, Armando inicialmente disse que dormiu durante toda a noite do crime e não ouviu nada, mas depois contou que estava desperto e, por volta das 3 horas, teria escutado ruídos na pia e na porta e notado que a luz do quarto de Rafael ficara acesa por dez minutos. Ouvido novamente uns dias depois, contou que a mãe pedira que não contasse sobre os barulhos noturnos, para que a polícia não perdesse tempo achando que eles eram suspeitos. No depoimento de 30 de maio, confrontada com a informação de que Armando estava acordado e escutara sons, Dougokenski, em nova contradição, disse que acreditava ser mentira).
A sequência de questionamentos do caderno prossegue: “Será que eu teria mesmo coragem de fazer o que estão falando? […] E o pai? […] Será que não fui ameaçada? Será que não fiquei na mira de um revólver engatilhado e apontado para a minha cabeça? […] Será que o pai veio visitar o Rafael? E de madrugada? […] Será que para o filho parar de gritar o pai não o teria enforcado?” Na sequência, a partir da página 70, ela troca as interrogativas por afirmativas e acusa Winques diretamente pelo crime. Diz que ele apareceu de madrugada, com um homem armado, ambos de luvas pretas, para levar Rafael. Que o menino resistiu e por isso foi amarrado. E que, ao se debater, acabara enforcado pelo pai.
Na nova versão, ela sustenta que foi forçada a encontrar um lugar para esconder o corpo e a inventar a história do desaparecimento, caso contrário Armando e seu namorado, Delair de Souza, seriam mortos. Teria feito tudo para protegê-los. Os delegados envolvidos na investigação definem essa versão como mirabolante e reforçam que as provas isentam Rodrigo Winques. Na mesma linha, Daniel Tonetto, advogado de Winques, considera “completamente absurda” a acusação feita por Dougokenski. “Provas técnicas e testemunhais mostraram que isso é inverídico”, afirma. Ele também diz que as acusações envolvendo atitudes do seu cliente durante o relacionamento com a ré são “outro absurdo dito por uma mulher que matou o próprio filho e já apresentou quatro versões diferentes”. Primeiro a ser ouvido pela Justiça no processo contra a ex-mulher, no começo de outubro, Winques também rejeitou a nova versão: “Ela esteve falando essas bobagens, mas não bate. Ela só está querendo enganar vocês.”
Nas páginas finais do caderno, voltam as letras garrafais escritas na diagonal. Lê-se o seguinte: “Não matei meu filho! Essa culpa não carrego comigo mesma!” Na última, em meio a flores, estrelas e corações, ela desenhou o rosto de Rafael. “Meu luto será eterno.”
Presa na noite de 25 de maio, Dougokenski já tinha advogado às 10 horas do dia seguinte. Jean Severo, criminalista que ficou conhecido ao atuar no caso Bernardo, outro crime de repercussão nacional, em que o pai foi condenado por participar do assassinato do filho, ofereceu-se para defender Dougokenski. “Para mim, era incompreensível que alguém sem uma vida pregressa de maus-tratos, sem ocorrências de violência, que as professoras diziam ser uma mãe excelente, decidisse, do dia para a noite, enforcar o guri. É algo inconcebível. Ela não é uma guria bandida”, afirma.
Como a perícia já demonstrara que Rafael morreu por asfixia mecânica, Severo propôs que o enforcamento ocorreu no transporte do corpo. Em novo depoimento, Dougokenski adotou essa versão. Contou que amarrou o filho não pelo pescoço, mas em volta dos ombros. No trajeto, a corda teria subido, esganando o menino por acidente. Os investigadores apontaram inconsistências nessa versão: dizem que qualquer um colocaria a corda debaixo dos braços, e não em torno dos ombros. Além do mais, com 1,60 metro e cerca de 65 kg, Dougokenski seria forte o bastante para carregar o filho de 1,40 metro e 40 quilos no colo, em vez de arrastá-lo. “E de uma morte acidental, ainda mais envolvendo uma mãe e um filho, espera-se outro comportamento. O mais normal é procurar um atendimento médico de emergência”, diz Eibert Moreira Neto, diretor de investigações do Departamento de Homicídios. O hospital da cidade e o Samu ficam a apenas 400 metros do local da morte.
Em 18 de junho, Dougokenski retornou a Planalto para uma reprodução simulada da morte de Rafael. Antes disso, os investigadores permitiram que ela encontrasse a sós, na delegacia, o filho Armando e o namorado Souza. Era a primeira vez que os dois falavam com ela desde a prisão. Sem que eles soubessem, a conversa estava sendo gravada, com autorização da Justiça. Aos dois, um de cada vez, Dougokenski alegou inocência, atribuindo a culpa a Rodrigo Winques, e assegurou que havia mentido para proteger a vida deles – de Souza e do filho Armando. Minutos depois, reunida com peritos e advogados para preparar os detalhes da reconstituição, ela ignorou essa versão e voltou a dizer que matara o filho acidentalmente, ao dar o remédio e arrastá-lo com uma corda.
Armando deixou a delegacia convencido da inocência da mãe, convicção que mantém até hoje. “Acredito que ela está pagando por uma coisa que não fez. Pra mim, a Justiça é uma merda. As pessoas têm que analisar os fatos antes de sair julgando. Minha mãe é uma pessoa incrível, batalhou sempre para ver os filhos bem. Nunca ia fazer isso. Nunca. Ela não tem coragem de matar uma formiga”, disse. O namorado saiu do encontro balançado. “Cheguei a confiar nela. Eu respondi: ‘Por mim, não te preocupa, que não tenho medo. Nem pelo Armando, que está protegido. Conta a verdade.’ Daí ela foi para a reconstituição e fez tudo ao contrário. Era mais uma mentira”, lamenta.
Para o delegado Ercílio Carletti, o impacto das palavras de Dougokenski sobre o namorado e o filho demonstra seu poder de manipulação. “Vou dizer sem problema nenhum. Quando o Rafael estava desaparecido, ela me manipulou a semana toda, ela manipulou a polícia, ela manipulou a imprensa, ela manipulou todo mundo.” Jean Severo, o advogado da ré, reclama que os policiais não se deram ao trabalho de investigar a afirmação de que a acusada estava protegendo o namorado e o filho. “Por que não a chamaram para perguntar: ‘Que história é essa?’ Por que não colheram mais detalhes sobre isso? Porque não queriam. Porque, para eles, o inquérito estava pronto. Ela era a louca, e deu.”
Em 27 de junho, Dougokenski prestou mais um depoimento. Com todos os laudos periciais prontos, era o momento de confrontá-la com os resultados. Para a polícia, ela não teria mais como sustentar a narrativa da morte acidental. E Dougokenski, de fato, apresentou mais uma versão diferente. Contou que, depois de medicar Rafael para que dormisse, voltou mais tarde ao quarto e o encontrou acordado, com o celular na mão. Então, descontrolou-se. Foi à área de serviço, pegou a corda do varal, fez a laçada, retornou e estrangulou o filho. Nessa versão, ela tivera a intenção de matá-lo, o que significaria uma pena maior. O advogado de defesa, Jean Severo, se insurgiu na hora do depoimento, tentou impedir a confissão e acusou a polícia de coagir sua cliente, aproveitando-se de sua saúde frágil – ela foi internada logo depois, com pancreatite, e passou 21 dias no hospital.
De acordo com Severo, ao chegar ao Palácio da Polícia naquele dia, Dougokenski contou-lhe que já estava lá havia horas e que tinha sido pressionada pelos delegados. Eles teriam dito que seu filho poderia ser preso ou morto, caso ela não assumisse a culpa. Ele então gravou um vídeo, ali mesmo, que repassou à piauí. Nele, Dougokenski aparece sentada e, olhando fixamente para a câmera, diz: “Fiquei aqui aguardando com os delegados e eles informaram para eu dar outro depoimento, dizendo que eu matei o Rafael porque o Rafael não obedecia.” Depois, acrescenta: “Estou muito arrependida do que eu fiz e, se pudesse voltar atrás, faria tudo diferente.” Indignado com a confissão feita na sequência aos delegados, Severo recusou-se a assinar o depoimento de sua cliente e desligou-se do caso. A Polícia Civil nega qualquer coação.
A confissão deu aos investigadores, finalmente, o elemento que faltava: uma motivação para o crime. “Começamos a analisar bastante o comportamento dela como pessoa. Já nos chamava a atenção a frieza. Daí vimos como ela era perfeccionista, como entrou em desespero ao entrar em casa e ver os objetos fora de ordem. Havia um pré-adolescente de 11 anos em casa, na fase em que começa a querer se autogerir, e, do outro lado, uma mãe dominadora, metódica, que precisa controlar tudo. Tínhamos informações de que o menino vinha começando a desobedecer a algumas regras. Estávamos em um momento muito especial, de pandemia, com muito contato dentro de casa, sem escola. Ele gostava de usar o celular para jogar e começou a se espichar naquele limite. A mãe tentava controlar, mas não conseguia. Enxergamos com clareza que ali estava a motivação”, diz Moreira Neto.
Um perfil psicológico traçado pelos psiquiatras do Ministério Público também buscou as motivações de Dougokenski. Os profissionais não tiveram contato direto com ela, mas debruçaram-se sobre dezenas de depoimentos no inquérito, estudaram sua vida pregressa, analisaram as inúmeras entrevistas que concedeu no período em que Rafael estava desaparecido e estudaram as circunstâncias do crime. O trabalho resultou em um laudo segundo o qual “fica patente a indiferença aos sentimentos dos outros, baixa empatia, frieza do afeto, preocupação com a aparência, comportamento sedutor, autoapreciação inflada, mentiras repetidas e rapidamente construídas, transgressão a regras, estilo de vida parasitário, pouco apego amoroso aos filhos e outros familiares”.
A equipe de psiquiatras que analisou o caso também identificou uma hipersexualização da parte de Dougokenski. Os vídeos que ela assistiu nos momentos que antecederam a morte do filho envolvem estupros coletivos, despersonalização, pessoas mascaradas e alcance do orgasmo mediante esganadura. “Basicamente, os vídeos eram um resumo, em contexto sexual, do que ela fez com o Rafael. As psiquiatras consideraram sintomático ela se excitar e cometer um crime desses. A sexualidade em algum ponto está envolvida”, diz o promotor Marcelo Tubino, do núcleo de inteligência do MP.
De acordo com o perfil psicológico, Dougokenski tem necessidade de domínio em relação a pessoas frágeis. Para Tubino, reside aí a motivação para matar Rafael, que estaria desafiando o controle da mãe. Diz ele: “A polícia colocou como motivação o desrespeito à superorganização dela. Entendemos que esse é, provavelmente, um dos motivos, mas não o principal. Para ela, é importante não perder o domínio, a autoridade. A questão dela não é só organização, a questão dela é o domínio que ela quer ter sobre isso. Controle, domínio e prazer de impingir um sofrimento no outro em razão desse domínio.”
Encerrado o inquérito de 1 370 páginas, distribuídas em quatro volumes e cinco anexos, a promotora Michele Kufner apresentou a denúncia contra Dougokenski no dia 10 de julho. Na peça acusatória, sustenta a tese de que o crime não aconteceu por impulso. Foi planejado, pois Dougokenski buscou o remédio na casa de sua mãe com antecedência, medicou o filho, esperou fazer efeito e então o enforcou. Não agiu, segundo a promotoria, num momento de descontrole. Além disso, fez uma longa encenação durante o desaparecimento do corpo, incriminou outras pessoas e mudou sua versão dos fatos ao sabor dos acontecimentos. Na denúncia, Dougokenski é acusada de quatro crimes – homicídio doloso, falsidade ideológica, fraude processual e ocultação de cadáver – que podem lhe render uma sentença de até 42 anos de prisão.
No começo de agosto, depois de pouco mais de um mês afastado, Jean Severo reassumiu a defesa de Dougokenski, de quem se reaproximou por meio do filho Armando. Visitou a cliente no presídio de Guaíba, nos arredores de Porto Alegre, e aceitou voltar ao caso, em grande medida porque se convenceu da versão que leu no caderno escrito no cárcere pela acusada. Diz que a denúncia do MP não segue as conclusões da polícia, classifica como absurda a tese de que a mãe matou o filho porque ele ficava no celular e ataca as conclusões do laudo psicológico. Quer provar que ela não é a autora do crime. Pretende pedir novas investigações sobre o pai, Rodrigo Winques, em que pesem as evidências de que estava em outra cidade, a 320 km de Planalto. “Se provarmos que esse cara esteve lá [em Planalto], este processo vai ser o maior erro judiciário da história do Rio Grande do Sul. E aí eu quero ver. Vai ser uma indenização milionária que essa moça vai pedir.”
Examinando em retrospecto, o delegado Ercílio Carletti está convencido de que Dougokenski pôs o corpo na casa ao lado, quase à vista, porque queria que ele fosse encontrado logo. Se isso tivesse acontecido já nos primeiros dias, Jean Hilgert, o tio de Rafael e meio-irmão de Dougokenski, teria sido preso. Achariam traços do remédio dele no sangue da vítima, associariam isso ao depoimento incriminatório da meia-irmã e, provavelmente, o condenariam no tribunal do júri. “Todo mundo ia acreditar, e ela sairia da história como a mãe perfeita, santinha. O fato de o corpo ter demorado para aparecer foi no interesse da Justiça.”
Depois de passar algumas semanas na residência de parentes do pai em diferentes municípios gaúchos, Armando voltou a Planalto no começo de agosto para morar na casa da avó materna, em frente ao local onde o irmão menor foi morto. Retomou o emprego em um lava a jato de automóveis e passou a manter contato com a mãe por meio de telefonemas e videochamadas. Está concluindo, com atividades online, o último ano do ensino médio.
Isaílde Batista, mãe de Dougokenski, conta que passou a ser chamada na cidade de “vó bruxa” e “vó bandida”. Disse que renegaria a filha se ela fosse culpada, mas está convencida de sua inocência. Mostra incredulidade por terem usado contra Dougokenski o fato de manter a casa meticulosamente arrumada. “Isso é bom, não é? Ela era organizadinha com as coisas dela, tudo bem dobradinho, guardadinho. É engraçado. Se acham uma mãe relaxada, porca, falam. Se acham uma mãe organizada, limpinha, falam também.”
Souza, o namorado, voltou ao trabalho noturno no Hotel das Pedras. Desde o dia da reconstituição, não tem mais contato com a ex-namorada, nem deseja ter. Afirma torcer para que, no final, a inocência dela seja provada, mas não perdoa as mentiras. “Que vá viver a vida dela”, diz. Antes da tragédia, o casal fazia planos de construir uma casa. Souza não esconde que estava animado com a relação. “Pô, eu gostava bastante dela, sim. Era uma mãe exemplar. Era a pessoa que eu dizia: é a mulher com quem vou viver, é a mulher com quem eu vou construir as coisas junto. Daí veio tudo isso. Infelizmente, não consegui uma explicação. O que eu mais queria era entender. Mas vai ser muito difícil. Isso está na cabeça dela. Um dia talvez ela possa contar.”
[1] A piauí adotou um nome fictício para preservar a identidade do rapaz.